Kahlil Gibran (a pronúncia mais usual costuma ser Khalil) nasceu na Síria otomana, perto do Monte Líbano, em 1883. A sua infância foi de pobreza extrema e, em 1895, emigrou para os EUA com a mãe e os irmãos. Viveram nos bairros degradados de Boston quando o seu talento artístico chamou a atenção do fotógrafo e editor Fred Holland, que lhe estendeu a mão de modo a passar a frequentar os círculos literários e artísticos. Regressou ao Líbano para terminar os seus estudos, partiu em 1908 para Paris, onde estudou com Auguste Rodin. Em 1912 muda-se definitivamente para Nova Iorque. Estudou arte e escreveu em árabe e inglês, tornando-se um célebre artista e poeta líbano-americano. A par de Shakespeare e Lao-Tzu, é dos poetas mais vendidos de todos os tempos, pois apesar da disposição gráfica em prosa este livro é, na sua essência, um poema e um dos primeiros exemplos de literatura inspiracional (não confundir propriamente com auto-ajuda). O autor faleceu em 1931, com 48 anos.
Almustafá esperou durante doze anos na cidade de Orfalés, onde passou longos dias de sofrimento e longas noites de solidão. Mas quando se prepara para partir no navio que chega ao porto o seu coração apenas destila amor e aqueles que parecem tê-lo repudiado outrora procuram-no agora em busca das suas palavras de sabedoria, aclamando-o como o filho muito amado de Orfalés. Anciãos, sacerdotes, profetas, marinheiros, pedem agora a Almustafá, na despedida, as suas palavras sobre os mais variados temas.
O Profeta é um tratado de um profundo lirismo sobre a humanidade, o amor, o perdão, o autoconhecimento, o trabalho, a morte, o adeus…
«O amor não dá mais do que a si próprio e não retira nada que não seja a si mesmo.
O amor não possui nem pode ser possuído, pois o amor é suficiente por si só.
Quando amardes, não deveis dizer “Deus está no meu coração”, mas antes “Eu estou no coração de Deus”.
E não penseis que podeis dirigir o curso do amor, pois o amor, se vos achar merecedores, dirigirá o vosso curso.» (p. 21)
O Profeta, apesar de não ter sido bem recebido quando publicado em 1923, começou a tornar-se um sucesso na década de 30, e é uma das obras mais conhecidas da literatura mundial, agora relançada numa novíssima tradução e edição pela Albatroz (pertencente ao grupo da Porto Editora), e acompanhada de O Jardim do Profeta, escrito como complemento.
Existe, a título de curiosidade, uma adaptação em desenho animado deste livro e a Albatroz publicou ainda O Livro da Vida, onde se compilam pequenos textos célebres de Khalil Gibran, mais de cem histórias sobre o sentido da experiência humana. Ver artigo
Pessoas Normais, de Sally Rooney, publicado pela Relógio d’Água, foi considerado o fenómeno literário da década, o melhor romance do ano, Prémio Costa de Melhor Romance 2018, Livro do Ano da cadeia de livrarias Waterstones, nomeado para o Man Booker Prize 2018, Women’s Prize for Fiction 2019 e Dylan Thomas Prize 2019. Posto isto, é normal começar a leitura com um misto de reserva e de entusiasmo (incomoda sempre quando os livros são demasiado etiquetados).
Porque é que a história de Connell e Marianne, dois estudantes que aparentemente apenas estão ligados porque a mãe de Connell faz limpeza na casa de Marianne, uma enorme casa sobejamente conhecida na localidade, terá apaixonado tantos leitores, escritores e críticos?
Sally Rooney nasceu em 1991, uma jovem autora em início de carreira, já com um romance de estreia igualmente premiado e vencedora do Prémio Sunday Times/PFD Young Writer of the Year. Connell e Marianne são, talvez por isso, apresentados na sua humanidade de adolescentes/adultos (a fronteira é sempre ténue na actualidade), como jovens divididos entre a sua reputação perante a comunidade escolar e o passado familiar que carregam consigo – um não sabe quem é o pai e não quer saber; outra foi abusada pelo pai e tratada pela mãe como uma desconhecida. A acção decorre entre 2011 e 2015, período em que conhecem o seu primeiro amor, deixam o liceu para ingressar na universidade e abandonam o seu mundo familiar por novos horizontes, onde podem reescrever a sua história, de forma invertida, em que a popularidade de outrora passa a vulgaridade e a animosidade dos outros alunos de liceu é convertida em sucesso junto dos colegas de universidade.
«Marianne tinha a sensação de que a sua vida real se desenrolava algures muito longe, que acontecia sem ela, e não sabia se alguma vez iria descobrir onde e tornar-se parte dela. Muitas vezes tinha essa sensação na escola, mas sem ser acompanhada de quaisquer imagens específicas do que a vida real pudesse ser ou parecer.» (p. 18)
Connel e Marianne não são jovens vistos em retrospectiva por um olhar adulto, mas sim adultos em potência vistos por um olhar sensível que está muito próximo do seu mundo, e nos transmite como os nossos dilemas de liceu podem, fatalmente, levar a decisões erradas, apenas porque receamos o amor quando este é demasiado afrontoso para os demais, ou porque o ser amado é impopular, demasiado diferente na sua auto-suficiência, ou porque tem o inconveniente de ter nascido com olhos estrábicos e dentes tortos, ou até porque tem inclinações mórbidas, talvez decorrentes da falta de amor. Ver artigo
Numa Londres alternativa nos anos 1980, quando Margaret Thatcher comete a imprudência de uma desastrosa guerra territorial pelas Ilhas Falkland, Charlie Friend usa as suas poupanças – que dariam para comprar um apartamento – num exemplar de um primeiro lote de seres humanos sintéticos, isto é, um robot com aspecto perfeitamente humano e inteligência artificial, que pode inclusive desempenhar funções de brinquedo sexual vivo, e sugestivamente designado como Adão. Charlie talvez preferisse uma Eva, mas estavam esgotadas…
«Quanto à autonomia, conseguia correr dezassete quilómetros em duas horas sem precisar de ser recarregado ou, com um consumo equivalente de energia, conversar ininterruptamente durante doze dias. Tinha uma vida útil de vinte anos. Era corpulento, de ombros direitos, pele escura, cabelo preto espesso penteado para trás; a cara era estreita, com um nariz ligeiramente adunco a sugerir uma inteligência sólida, uns olhos pensativos» (p. 12)
Ian McEwan, um dos mais importantes autores britânicos, depois do irreverente Numa Casca de Noz em que coloca um embrião a meditar sobre a Inglaterra em fase Brexit, continua a meditar sobre o futuro da raça humana nestes tempos conturbados em que a tecnologia ameaça (?) ultrapassar a inteligência humana. Ver artigo
Michel Houellebecq é provavelmente dos autores franceses mais lidos e mais polémicos dos últimos tempos. Nascido na Ilha Reunião, em 1956, tem a sua obra publicada em Portugal pela Alfaguara e está traduzido em mais de quarenta línguas. Venceu em 2010 o Prémio Goncourt com O mapa e o território e este ano foi condecorado com a Legião de Honra, coincidentemente com a publicação do seu mais recente romance, Serotonina – título familiar, e infelizmente actual, para quem já se viu confrontado com a triste notícia de que o seu sistema endócrino não está a produzir serotonina suficiente.
Florent-Claude Labrouste, funcionário do Ministério da Agriculta, de quarenta e seis anos, descontente com o seu nome próprio e com a vida em geral, é um cidadão vulgar e anódino, não fosse ter uma namorada japonesa mais nova de quem descobre uns vídeos pornográficos chocantes para o leitor comum… Numa fuga à sociedade em geral, o nosso anti-herói deixa a namorada, a casa, o emprego e passa a viver de quarto em quarto de hotel, movido a Captorix, um antidepressivo que, supostamente, deveria libertar serotonina. Mas as melhoras são poucas, apesar de ironicamente serem bem manifestos os efeitos secundários como a total inibição de desejo sexual e a disfunção eréctil, mesmo quando a dosagem excede o que seria aconselhável. Ou, por outro lado, talvez seja o Captorix que lhe permitirá ver sem paliativos a realidade desastrosa e desesperançada que se vive, com uma França e uma Europa que ameaçam ruir, num mundo todo ele às avessas.
Politicamente incorrecta, com afirmações imbuídas de machismo e chauvinismo, a prosa de Michel Houellebecq raia o pornográfico ao mesmo tempo que ainda assim disseca, igualmente sem freio na língua, a nossa realidade. Para dar um exemplo mais suave, leia-se a seguinte passagem quando o narrador aceita ficar numa casa sem internet:
«Respondi-lhe que já sabia, que já estava preparado para isso. Vi então passar-lhe pelos olhos um breve momento de temor. Não devem faltar os depressivos que se querem isolar, que querem passar uns meses nos bosques «para fazer um ponto de situação»; mas pessoas que aceitam ficar sem internet, sem pestanejar, por tempo indefinido é porque estão nas últimas, li-lhe no olhar ansioso.
– Não me vou suicidar – disse-lhe, com um sorriso que esperava desarmante, mas que na realidade devia ser suspeito. – Enfim, não agora – acrescentei, como concessão.» (p. 221) Ver artigo
Less, de Andrew Sean Greer, publicado em maio deste ano pela Quetzal, com tradução de Vasco Teles de Menezes, foi um dos livros sensação de 2017, vencedor do Pulitzer de Ficção, do Northern California Book Award, do Washington Post Best Book, bestseller do New York Times e recomendado como um dos melhores livros do ano pela The Paris Review ou America Library Association.
Arthur Less é, como o nome indicia, um homem menor, prestes a fazer cinquenta anos, em tempos o jovem parceiro de um génio literário, agora rejeitado pelo seu jovem amante, escritor aclamado pelo seu romance de estreia, é um homem tão discreto, apesar do seu fato de um azul lessiano (adjectivo que predomina ao longo do livro), que se torna apagado. Arthur Less, o nosso protagonista peripatético, com olhos cor de safira, magro e elegante, com laivos de herói pícaro, trapalhão e vítima de si próprio, é tão menor que até como homossexual parece dar mau nome aos seus amigos gay, por não ser “suficientemente gay”. Além de abandonado pelo amante, Less vê ainda o seu mais recente romance de Less rejeitado pela editora; curiosamente intitulado de Swift (como em Jonathan Swift), esse romance parece aliás reflectir a própria narrativa de Less: «um romance peripatético. Um homem a vaguear por São Francisco, e pelo seu passado, retornando a casa após uma série de reveses e desilusões («Só sabes escrever o Ulisses em versão gay», disse Freddy); um romance melancólico e pungente acerca da vida difícil de um homem. Da meia-idade falida e gay.» (p. 39)
Para contornar esta triste notícia, e para declinar com justa causa o convite para o casamento do seu ex-namorado com outro homem que não ele, Arthur Less decide embarcar numa viagem pelo mundo, em que uma série de convites sobrepostos – que um escritor mais afamado certamente recusaria – lhe permitirão viajar pelo México, por Itália, Alemanha, França, Marrocos, Índia e, por fim, Japão.
Tal como a personagem do seu primeiro romance, Kalipso, uma espécie de reescrita da Odisseia, em versão gay, em que um soldado dá por si numa ilha deserta e se apaixona por outro homem, até que volta para casa e para a mulher, Arthur Less terá as suas próprias peripécias ao longo das viagens que empreende. Apesar de ser visto como um homem distinto, de ar elegante e delicado, por aqueles com quem se cruza, Arthur não deixa de se comprazer na sua dor e na visão menor que tem de si próprio, que impossibilita aliás reconhecer que ainda há quem o veja como um grande autor… talvez por ter vivido largos anos sob a sombra de um génio poeta… e porque entende que aos cinquenta anos já ninguém se pode tornar mais apelativo… quando na verdade Less é ainda uma criança grande e inocente, capaz de se relacionar com o mundo sem consciência dos seus perigos… com azar nas coisas que não interessam e uma sorte pródiga nas que interessam.
«Pois ele já conheceu a genialidade. Já foi acordado pela genialidade a meio da noite, pelo som da genialidade a percorrer os corredores para trás e para a frente; já preparou café à genialidade, e o pequeno-almoço, e a sanduíche de presunto e o chá; já esteve nu ao lado da genialidade, impediu a genialidade de entrar em pânico com falinhas-mansas, foi buscar as calças da genialidade ao alfaiate e passou as camisas a ferro para um recital. Já apalpou cada pedacinho de pele da genialidade; já sentiu o cheiro e o toque da genialidade.» (p. 113)
Less, tal como o romance gorado de Arthur Less que ele acaba por decidir reescrever, nada tem afinal de melancólico, mas sim de risível, de enternecedor, e de revelador, em como o homem dá a volta ao mundo para descobrir o seu destino quando regressa à porta de casa. Sem que, de facto, o leitor consiga sentir tanta piedade pelo nosso herói como a compaixão que ele sente por si próprio, ao viver uma vida que é claramente melhor do que a de qualquer outra pessoa que possamos conhecer, inclusive a nossa… Ver artigo
Julian Barnes, nascido em 1946 e por três vezes finalista do Booker Prize, é um dos grandes autores da literatura inglesa, publicado pela Quetzal, cuja obra revela versatilidade, cruzando géneros e temas diversos de modo a chegar aos sentidos possíveis da vida, em romances sempre inesperados. Depois de O Ruído do Tempo, em que num romance próximo de um ensaio, explorava a vida de Shostakovich e a sua liberdade criativa sob o regime totalitário estalinista, o autor envereda agora por um tema mais próximo, o amor, mas sob a perspectiva de um jovem apaixonado por uma mulher mais velha. Nesta recriação da história de Mrs. Robinson – para quem conhece o filme A Primeira Noite (The Graduate), de 1967, com Dustin Hoffman que se envolve com uma mulher mais velha, interpretada por Anne Bancroft –, Paul Casey, um jovem de dezanove anos, conhece Susan, uma mulher de quarenta e oito anos, no clube de ténis, e de parceiros de ténis passarão gradualmente a companheiros de vida. Num envolvimento muito pouco disfarçado, o casal irá afrontar a boa moral inglesa dos subúrbios, numa época em que os termos cougar ou toy boy eram desconhecidos, e as únicas palavras eram «adúltera e mulher fácil».
Aperceber-nos-emos gradualmente que o narrador é um Paul muito mais velho, a relembrar o grande amor da sua juventude e da sua vida. O narrador, inicialmente na primeira pessoa e mais tarde oscilando entre a primeira e a terceira pessoa, alerta desde logo o leitor: «Entendem (espero) que estou a contar-vos tudo tal qual me lembro? Nunca tive um diário e a maior parte dos que participaram na minha história – minha história e minha vida – ou morreram ou estão longe. Por isso não registo necessariamente os factos pela ordem em que aconteceram. (…) A memória organiza e filtra, segundo as exigências que lhe são feitas por quem lembra. Podemos aceder ao algoritmo das suas prioridades? Provavelmente não.» (p. 29)
Neste belíssimo e sublime romance relembra-se o passado, sem o reconstruir, até porque no amor há uma única história. E todos têm ou tiveram já a sua história de amor, a que se torna única e verdadeira. Especialmente quando a única história é a primeira, que marca a vida para sempre e empalidece todos os futuros amores. Mesmo quando essa única história tem um desfecho infeliz. Ver artigo
O mais recente livro de Kazuo Ishiguro é, na verdade, a obra de estreia do autor japonês, publicada em 1982. A sua obra está publicada pela Gradiva e já aqui recenseámos outros livros do autor, todos eles completamente distintos, pelo que nunca sabemos onde a sua escrita nos conduz.
Etsuko é uma mulher japonesa que vive em Inglaterra, divorciada, com duas filhas de dois homens diferentes. Keiko, a sua filha mais velha, suicidou-se recentemente. E Niki, nascida em Inglaterra, vive com o namorado em Londres mas não tem qualquer intenção de se casar ou ter filhos. Niki tem aliás um nome que resulta de um acordo entre a mãe japonesa e o pai inglês, que insistia que a filha tivesse um nome japonês. Logo nesta informação, avançada nas primeiras linhas do romance, sente-se que a tradição parece aqui colocada em causa… e de facto, é isso que se sentirá ao longo do livro. Como transparece também na relação entre Jiro, o primeiro marido de Etsuko, que menospreza o pai em prol da sua ambição profissional, ou na amiga que vive obcecada com o americano que um dia poderá levá-la para a América, apesar de pressentir que não passa de uma ilusão e de lhe maltratar a filha.
Quando Niki visita a mãe durante os dias chuvosos e frios de Abril, em sequência do suícidio da irmã, a cujo enterro não compareceu, Etsuko dá por si numa retrospectiva dos primeiros tempos da sua gravidez, nos anos seguintes à destruição de Nagasáqui, em que continua presente o impacto da bomba na vida dos que sobreviveram, e revive as memórias da sua amizade com Sachiko, uma mulher que perdeu a sua fortuna e a sua boa posição devido à guerra e vive agora numa casa pobre, com uma filha rebelde e peculiar.
Kazuo Ishiguro viveu em Nagásaqui, sua cidade natal, durante 5 anos, antes de se mudar para Londres. Foi Prémio Nobel de Literatura em 2017. A sua escrita é, como sempre, cristalina e envolvente, e os seus enredos enigmáticos e ambíguos. O presente e o passado explorados na narrativa não parecem interligar-se cabalmente… mas há um enigma neste livro que pede para ser desvendado… contudo revelá-lo aqui seria estragar o prazer da vossa leitura. Ver artigo
Jonah Lehrer, editor da revista científica Seed, tirou uma dupla licenciatura em Neurociência e Inglês na Universidade de Columbia, foi bolseiro em Oxford, trabalhou no laboratório de Eric Kandel, Prémio Nobel de Medicina em 2000, na cozinha de dois dos mais conceituados restaurantes do mundo e colabora com várias revistas científicas. Publicou este livro com apenas 25 anos. Um misto de biografia, ensaio e escrita científica, em que o autor procura demonstrar como a arte antecipou a ciência, através da obra de 8 artistas. Começando por Walt Whitman, que não dissociava o corpo da alma, e terminando em Virginia Woolf, que instaura uma nova forma de romance ditada pelo livre curso da nossa própria consciência, o autor faz uma síntese da vida e obra destes artistas ao mesmo tempo que demonstra como a sua arte antecipou, por vezes, em quase um século, algumas das mais importantes descobertas da neurociência. Destaco, como não podia deixar de ser e fazendo juz ao título do livro, a obra de Marcel Proust (uma das mais importantes da literatura mundial e uma das minhas favoritas) que publicada em 1913 iria dissecar a forma como recordamos, pois a famosa madalena, feita de açúcar, farinha e manteiga, espoleta no narrador a rememoração de todo o seu passado ao longo de 7 volumes. E sabe-se hoje que Proust estava certo, pois está provado que o paladar e o olfacto são os únicos sentidos que se ligam directamente ao hipocampo, o centro da memória de longo prazo do cérebro. Como se sabe também que o acto de recordar altera a própria memória, como Proust faz com o sinal de Albertine, a sua “amada”, que ora surge no queixo, ora no lábio, ora na maçã do rosto… Nesse mesmo ano, também na cidade de Paris, estreia A Sagração da Primavera, de Igor Stravinsky, cuja irreverência é vaiada e origina um motim, com direito a intervenção policial…
Jonah Lehrer apresenta-nos ainda como o chef francês Escoffier descobriu o quinto sabor, como Gertrude Stein descodificou a estrutura profunda da linguagem cinquenta anos antes de Chomsky, a forma como vemos com Paul Cézanne, e a biologia da liberdade com George Eliot. O autor demonstra como somos feito de matéria mas também de sonho e como a arte supera a ciência.
Esta obra foi publicada em 2009 pela editora Lua de Papel e encontra-se actualmente esgotada. Mas claro que nos podemos sempre valer das bibliotecas municipais. Ver artigo
Há uma forte convicção de que este livro é uma sequela de Cidade Aberta, não apenas por ter sido lido ou publicado depois, mas porque este narrador, sem nome, regressa à sua cidade natal de Lagos e pode ser perfeitamente identificado com Julius, o jovem médico que calcorreava a cidade de Nova Iorque como forma de reflexão e de desopressão do trabalho, ou, mais ainda, com o próprio autor, se não fosse pelo facto de Teju Cole ser filho de pais nigerianos mas ter nascido nos Estados Unidos. Tendo saído da Nigéria assim que conseguiu uma bolsa para estudar nos Estados Unidos, o narrador começa a sua narrativa nas vésperas da sua viagem, quando se dirige ao consulado para obter o visto. Já aí se prenuncia o que se seguirá ao longo do seu regresso a Lagos, mesmo sob os cartazes em que se solicita: «Ajude-nos a combater a corrupção.»
Lagos é uma metrópole, nem sempre reconhecível para o narrador que reencontra familiares, amigos e locais da sua infância e juventude, onde o grande «lubrificante social» é o dinheiro que ajuda a mover as rodas da engrenagem burocrática ao mesmo tempo que mantém as hierarquias sociais no seu devido lugar (p. 26): todo o serviço tem o seu preço e requer a devida gratificação. Lagos é uma cidade de contrastes. Ao ver peças de arte nigeriana em museus em cidades como Londres, Paris e Berlim, o narrador ansiou por um regresso às suas origens, mas quando chega ao Museu Nacional a desolação é total, pois o seu conteúdo é parco e pouco representativo. Um professor local é pago com valores inferiores ao de um professor estrangeiro/branco. Não há monumento que assinale como o comércio de escravos era na ordem das dezenas de milhares e entre 1835 e 1840 atingiu o número de 135 000. A Nigéria é um dos maiores produtores de petróleo do mundo mas metade da cidade de Lagos, confrontada diariamente com cortes de energia, funciona com geradores e as áreas de serviço ou estão encerradas ou não têm combustível.
Um retrato cru e realista no que é uma das melhores representações ficcionais de África na actualidade. Ver artigo
Joanne Harris é uma escritora que passa sempre à frente das dezenas de livros que ameaçam fazer a minha cabeceira soçobrar… Este livro, publicado 20 anos depois de Chocolate, o primeiro livro que li da autora, mais ou menos quando saiu o filme, é um regresso ao universo mágico da pequena vila de Lansquenet-sous-Tannes, o que perfaz uma série de 4 romances – com Sapatos de Rebuçado e O Aroma das Especiarias. Todos os livros da autora – da série Chocolate e outros, inclusive infanto-juvenis – integram o catálogo das Edições ASA.
Vianne Rocher – e acho que é difícil dissociar a personagem de Juliette Binoche, actriz que a interpretou, como sempre acontece quando se vê uma adaptação de um livro ao cinema – continua a viver em Lansquenet-sous-Tannes onde mantém a sua chocolataria. Em tempos repudiada, é agora uma mulher respeitada e que, de forma subtil e imperceptível, continua a ajudar os habitantes da vila, através do cheiro enfeitiçante do chocolate quente que tem o condão de os fazer desoprimir-se do fardo que carregam, de segredos e de pecados erroneamente assumidos. Mas esta bruxa boa também carrega um segredo (…) Ver artigo
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