Andar a Pé, de Henry David Thoreau (1817-1862), publicado pela Alma dos Livros, é um dos mais belos textos de Thoreau, agora traduzido e prefaciado por Raquel Ochoa. Neste ensaio, que toma como mote o acto de caminhar para depois fazer um libelo da liberdade e da natureza, o autor expõe alguns dos seus princípios de vida, tendo ficado conhecido justamente por se apartar da sociedade e viver sozinho durante anos numa cabana que ele próprio construiu. Dessa aventura resultou a sua obra mais emblemática: Walden ou A Vida nos Bosques, publicada em 1854.

«Quero dizer uma palavra em nome da natureza, pela liberdade absoluta e pelo espírito selvagem, em contraste com a liberdade e a cultura meramente civilizadas — considerando o homem um habitante da natureza, ou uma parte ou parcela dela, e não como mero membro da sociedade.» (p. 13)

Partindo da figura do cavaleiro, Thoreau tece relações com o caminhante ou andarilho, em que sobrevive esse mesmo «espírito heróico e cavalheiresco», assim como nos vagabundos ou eremitas que erravam, na Idade Média, pedindo esmolas, com o pretexto de chegarem à Terra Santa. O autor escreve-nos sobre os seus passeios diários de várias horas, que fez quase todos os dias durante anos na sua zona, onde podia caminhar mais de 20 milhas sem avistar casas ou se cruzar com vivalma. Caminhar é, afinal, uma forma de meditação, de nos centrarmos no presente, e para começarmos a andar não é sequer preciso bússola nem destino prévio, pois «há um magnetismo subtil na natureza, o qual, se rendidos inconscientemente, nos levará ao caminho certo.» (p. 32)

Para Thoreau, na verdade, caminhar não implica um destino mas sim a libertação completa de amarras e obrigações, como quem se dirige para um lugar fora do tempo (aqui designado Oeste):

«Se estão dispostos a deixar pai e mãe, irmão e irmã, mulher e filho e amigos, e não voltar a vê-los; se pagaram as vossas dívidas, e escreveram o vosso testamento, trataram dos vossos assuntos, e são homens livres; então estão preparados para uma caminhada.» (p. 15)

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.