Maria João Neves, nascida em Moçambique em 1971, revisita o passado familiar no seu país natal, em Os Moçambichos, um livro com bichos e feras dentro que justapõe duas gerações, ilustrado por Jana Mélida e publicado pela Sereia Editora. A Joana vive num mundo bipartido entre as pequenas histórias que vive na escola junto dos colegas e as grandes histórias que ouve em casa pela avó Aida e a tia-avó Ticha. A menina vive aliás com a nítida certeza de que se relatar aos colegas aquilo que lhe contam em casa, ninguém acreditará nela, mas são também estas mesmas estórias que lhe abrem os olhos para os vastos horizontes do seu pequeno mundo. Simultaneamente, a autora consegue a pequena proeza de nos fazer ver o mundo pelos olhos de Joana, sem infantilizar nem simplificar. O humor joga ainda um papel central na narrativa. Ver artigo
Maremoto, de Djaimilia Pereira de Almeida, autora publicada pela Relógio d’Água, que relançou inclusivamente o seu primeiro romance, Esse Cabelo (anteriormente publicado pela Teorema), é um pequeno livro, de capítulos em geral curtos, com cerca de 3 páginas cada, de prosa vigorosa, numa voz original despida de pretensões a desfiar uma história cujo impacto e irresolução perdurará no leitor. Num registo predominantemente na primeira pessoa, o leitor partilha do fluxo nem sempre ordenado dos pensamentos do protagonista, ficando a conhecer a vida de um mendigo, nas suas angústias e pequenas alegrias. Boa Morte da Silva é um arrumador de carros, ex-combatente colonial, mais ou menos efetivado na rua António Maria Cardoso, em Lisboa, que escreve para a filha Aurora – note-se o contraste simbólico entre o nome do pai e o da filha. Os papéis que (nos) escreve, e que procura conservar com todo o cuidado (são aliás o seu único bem), as palavras jogadas ao vento, oscilam entre a certeza de querer passar o seu testemunho de vida à filha que nunca viu, e que ora anseia por reencontrar, numa expectativa que o mantém vivo, ora admite poder nunca voltar a ver: «no fundo sei que falo sozinho. É só porque teu nome, tua ideia, é minha respiração. És a minha vírgula, filha.» (p. 66) Ver artigo
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