Um pequeno e poderoso romance de Martin Amis, cuja obra é publicada pela Quetzal, onde explora o potencial negro do policial. Bastante diferente dos seus outros romances, pode não agradar aos seus habituais leitores. Este romance nada tem de ligeiro nem de gratuito, caso se queira julgar esta narrativa como a singela tentativa de incorrer num género popular. A narrativa pode até seguir a receita clássica das histórias de detectives, mas com deturpações subtis e pistas que apontam para a tragédia de um buraco negro de uma existência, à semelhança das noites insones de Mike. O título do livro parte de uma música referida duas vezes, um blues, também usado como metáfora: «O suicídio é o comboio da noite, a correr para as trevas. Por meios naturais, não se chega lá tão depressa.» (p. 77)
Mike Hoolihan é uma mulher detective que se move num mundo quase exclusivamente masculino, e que parece ela própria um homem, sendo confundida como tal mais que uma vez. O seu nome é masculino, a sua aparência é masculina, a sua admiração pela beleza de Jennifer é quase homoerótica, e até as suas relações sentimentais são pautadas por extrema violência, como se tentasse provar a sua superioridade física em relação aos parceiros. Os seus próprios métodos de interrogamento são muito pouco convencionais, como acontece em diversos momentos do romance.
Ainda que de início o autor pareça fomentar no leitor um distanciamento crítico face à narrativa, como acontece em geral nas suas obras, e até mesmo uma antipatia pela protagonista, rapidamente sentimos que a nossa perspectiva é toldada pela da mulher polícia face ao crime com que se depara, ao que acresce que Mike conhecia bem a vítima, filha do seu superior e mentor. E gradualmente sentiremos empatia por Mike, ao mesmo tempo que ela própria, num curioso reverso do homicida que pretende identificar-se com as suas vítimas ou criar uma afinidade forçada, dá por si a querer vestir a pele da vítima, ao ponto de começar a desenvolver sentimentos pelo seu namorado e a derramar lágrimas pela vítima.
Ao lutar pela sobriedade e lucidez num mundo negro, pautado por insónias provocadas ou prenunciadas pela passagem do comboio da noite às 4h da madrugada, Mike vê-se primeiro impelida pelo pai de Jennifer, seu antigo chefe, e depois compelida pelo mistério da morte dessa jovem que tinha tudo para ser feliz e aparentava estar sempre radiante. Homicídio ou suicídio pouco encenado? Como é que uma suicida pode ter 3 balas alojadas no cérebro, sobrevivendo ao primeiro auto-disparo da arma que segurava? O que pode levar uma jovem muito bela, de silhueta perfeita, recatada, e inteligente ao ponto de sondar os mistérios do universo, a decidir pôr termo à vida? Ver artigo
O Amante Japonês era já um prenúncio do retorno aos grandes romances desta autora chilena, dos que nos puxam de súbito para dentro da sua escrita fluída, onde vigora um universo meio histórico meio intemporal povoado por personagens carismáticas de paixões intensas. Longa Pétala de Mar é um poderoso romance que resgata a inventiva e original voz de Isabel Allende, a sua ironia e humor muito próprios, e um sentido da vida que daria para escrever alguns livros motivacionais, sem cair jamais no delicodoce daquilo que se pode entender como chic literature. Este livro foi lançado primeiro pelo Círculo de Leitores (numa edição de capa dura), com a revista distribuída aos sócios em Outubro, e depois publicado pela Porto Editora.
Mesmo com livros anteriores da autora, bastante sofríveis (O Jogo de Ripper), em que a história se arrasta sem qualquer chama, ler Isabel Allende sempre foi um dos meus prazeres íntimos. E Depois das várias tentativas mais ou menos bem sucedidas de romance histórico em que a autora tem intentado, a história deste livro está perfeitamente doseada entre o encanto mágico das primeiras obras da autora e um contexto histórico concreto, no caso a Guerra Civil de Espanha, sob a sombra do regime de Franco e a iminência da Segunda Guerra, que servem apenas de intróito ao verdadeiro tema a tratar.
Em 1938, encontramos Victor Dalmau, um jovem estudante de medicina que dá por si incorporado na frente de combate como auxiliar de medicina; Roser Bruguera, uma jovem humilde que de pastora de cabras se converte numa pianista exímia; Ofelia, uma jovem chilena de boas famílias com casamento arranjado; Pablo Neruda, um poeta que ousa fretar um navio onde embarca mais de dois mil espanhóis rumo a Valparaíso, em fuga a uma Espanha em ruínas.
Allende aposta em diversas frentes para conseguir, capítulos depois, entretecer de forma exímia todas as histórias, sem que o fio da narrativa e a sua prosa torrentosa se quebre, envolvendo plenamente o leitor, sem lhe dar tempo para sequer pensar em parar.
Enquanto o Velho Mundo mergulha numa confusão sem precedentes, e a Espanha se dilacera numa guerra durante novecentos e oitenta e oito dias e que culmina com o reconhecimento da legitimidade do governo de Franco, o Chile surge como «um paraíso atrasado e distante» (p. 100) onde os espanhóis procuram uma segunda oportunidade.
Temos, desde as primeiras linhas, frases que demarcam o estilo próprio de Allende, como «Era uma enfermeira suiça de vinte e quatro anos, com um rosto de virgem renascentista e a coragem de um guerreiro empedernido.» (p. 18). Também bastante recorrente na escrita de Allende é a forma como muitas vezes o seu romance antecipa o futuro: «- Nem morta te direi – e essa seria a única resposta que sairia da sua boca durante os cinquenta anos seguintes.» (p. 203)
O maravilhoso ainda dá algumas mostras de vida, recuperando a figura mítica do fantasma, que tão bem define o próprio realismo mágico latino-americano, como símbolo de fusão entre o real e o irreal: «Não havia memória de ter jamais habitado uma criança naquela sombria mansão de pedra, por onde deambulavam gatos semisselvagens e uma prole de fantasmas de outras épocas.» (p. 31) Ou no exagero que acentua o horror da guerra: «Tanto sangue corria que, no ano seguinte, os camponeses trejuravam que as cebolas eram vermelhas e que por vezes se encontravam dentes humanos no interior das batatas.» (p. 58)
Mas o mágico é uma corrente de escrita definitivamente preterida pela autora, sem que isso quebre o encanto da leitura. E a páginas tantas podemos até encontrar uma breve, indirecta, referência a Clara: «- É uma mulher muito extravagante. Dizem que fala com os mortos!» (p. 95). Clara, claríssima, clarividente… Uma personagem que de tal forma me apaixonou em A Casa dos Espíritos que, mais de 20 anos depois, fiz questão de baptizar a minha sobrinha com esse nome (por sorte, não foi preciso convencer muito os pais).
Se em A Casa dos Espíritos, onde também encontrávamos Salvador Allende (o Presidente) e Pablo Neruda (o Poeta) como personagens de ficção, o mágico concentrado em torno dos dons de Clara vai recuando, conforme a política se impõe, num regime ditatorial de terror, em Longa Pétala de Mar (título retirado a um poema de Neruda) o caminho é inverso, transpondo o umbral entre um mundo que soçobra, onde não faltam alusões aos horrores de Guernica e à batalha do Ebro, e um paraíso a descobrir, num Chile sinuoso e remoto, onde as paixões são violentas e os temperamentos são bruscos mas honestos e leais. Ver artigo
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