O livro Felicidade, à semelhança do Resiliência, aqui apresentado há semanas, integra a colecção Inteligência Emocional da Harvard Business Review (HBR), lançada pela Actual Editora (chancela da Almedina) e que consiste em «artigos inteligentes, essenciais sobre o lado humano da vida profissional».
Ao longo de 7 breves textos, adaptados a partir de artigos mais extensos publicados na HBR, desconstroem-se mitos, como o de que os sentimentos não são essenciais ao trabalho e ao bom desempenho profissional: «Afinal, o modo como nos sentimos está ligado àquilo que pensamos e à forma como pensamos. Por outras palavras, o pensamento influencia a emoção e a emoção influencia o pensamento.» (p. 21)
A própria ciência tem comprovado, e há cada vez mais publicações recentes sobre estes assuntos, como existem claras ligações entre sentimentos, pensamentos e acções. E para nos sentirmos bem, é essencial não gostar, simplesmente, do que se faz, mas ter uma boa relação com superiores e com colegas, e uma visão clara e abrangente do trabalho que é feito. A felicidade pode afinal ser um conceito inefável, evasivo, por vezes enganoso, na forma como o aplicam, mas está inextrincavelmente ligada àquilo que define o ser humano que é, acima de tudo, um ser social. E é uma felicidade construída, não simplesmente um estado de alma que se atinge com meditação ou práticas como o mindfullness, incorporadas na rotina de muitas empresas, mas com a realização de pequenos actos, simples gestos que trazem alegria e cor aos dias, pois tal como a perda de pesa, a felicidade é um estado cumulativo, atingido, especialmente, com o que fazemos no nosso tempo livre.
«Uma pessoa que tem uma dúzia de acontecimentos moderadamente agradáveis todos os dias será, em princípio, mais feliz do que alguém a quem aconteça algo de verdadeiramente sensacional. Por isso, use sapatos confortáveis, dê um grande beijo à sua mulher, roube uma batata frita. Parecem pequenas coisas, e são. Mas as pequenas coisas são importantes.» (p. 39)
O último artigo, convenientemente guardado para o fim, desmonta ainda afinal o conceito de felicidade pois medi-la é «como medir a temperatura da alma ou determinar a cor exata do amor» (p. 119)
A felicidade pode estimular a produtividade e as empresas investem cada vez mais em acções de formação sobre a felicidade, sendo quase certo que os funcionários felizes não se despedem e procuram satisfazer os clientes, mas as pesquisas realizadas nem sempre permitem conclusões tão definitivas. Concentrarmo-nos na felicidade pode aliás fazer-nos correr atrás de uma ilusão e fazer-nos sentir menos felizes, pode tornar-se um dever, pode tornar-se uma mentira. Ver artigo
Nuno Júdice, nascido na Mexilhoeira Grande, Algarve, em 1949, volta à prosa com esta novela, três anos depois da publicação de A Conspiração Cellamare, aqui apresentado. São 135 páginas em que o autor nos brinda com a sua deliciosa e irónica prosa narrativa, onde tergiversa sobre os mais diversos assuntos, não em jeito de crónica, mas como quem entretece uma vasta teia em que todos os assuntos se podem discutir e muitas vezes interligar, quase como uma conversa de café. Como vem a ser hábito na sua ficção, o autor entrecruza a memória com a crónica, enquanto parece desmontar a natureza da própria arte de narrar, num aliciante jogo com o leitor de desvelamento de técnicas ou estratégias autorais: «Nunca soube qual a melhor maneira de começar um romance, ou antes, talvez sempre tenha sabido a pior maneira de o começar. Diz-se que é preciso ambição, que temos de olhar para o fim e não para o princípio.» (p. 9)
É um pouco a medo que nos aventuramos nesta incursão sobre a novela de Nuno Júdice, pois entre as várias farpas lançadas pelo autor, não escapa a crítica aos críticos de literatura, que aliás figura logo em epígrafe no início do livro com uma passagem de Aquilino Ribeiro: «Imagino que a política literária, verdadeira, muito útil à literatura e particularmente aos seus cultores, está em os chamados críticos dos jornais diários falarem dos livros aparecidos dentro do período do ferro quente, em que a sezão não se completou ainda e a curiosidade do público está alvoroçada ou se imagina estar.»
O certo é que a prosa de Nuno Júdice é irreverente, como quando compara a inspiração ao zumbido de um mosquito importuno, e o diálogo irónico que estabelece com o leitor diverte e envolve não pela substância da história mas pela forma como se predispõe a contar: «Estou a ver, neste momento, as dúvidas que começam a surgir: ao fim de várias páginas, e para além de um significativo conjunto de insectos ainda não há um único personagem?» (p. 23)
Mas quem leu as anteriores obras de ficção sabe que raramente a personagem é outra que não a figura do narrador. Até porque a «personagem é um ser incómodo para o escritor. Precisa de um nome, de um corpo, de uma psicologia – a não ser que o livro seja daqueles que contraria essa exigência – e de um contexto.» (p. 23)
Não se quer com isto defender as virtudes do diarista sobre as do cronista ou do narrador, pois num diário o escritor «pode confessar as suas tristezas, os seus males, pode dizer como está feliz ou infeliz» mas «tudo parece construído a partir de situações e de cenários que temos dificuldade em reconhecer na realidade porque ninguém, alguma vez, usaria aforismos tão profundos no seu quotidiano» (p. 39).
E nem sempre os autores precisam do diário para falar de si, como é o caso de Gustave Flaubert que ao escrever a história de Emma Bovary escreve a sua prórpia história… O autor-narrador de O Café de Lenine reflecte assim sobre a arte do romance e de escrever, enquanto evoca o próprio conjunto da literatura, ou da biblioteca pessoal que aqui lhe diz respeito, invocando nomes maiores e personagens que ganham vida na contemporaneidade destas páginas, como Julian Barnes, Camões, Daniel Defoe, Sartre, Khalil Gibran, Teixeira Gomes, Antero, Stendhal, e coloca Guerra Junqueiro a discutir com Lenine num café sobre Rousseau.
Na literatura, afinal, não há convenções nem limites para as possibilidades da ficção, e no pensamento do leitor de hoje tudo pode conviver em harmonia, até quando Emma Bovary entra no quarto de hotel do narrador, ou quando Camille Claudel o convida para o seu atelier. Ver artigo
A crónica é, como se sabe, um texto apresentado na primeira pessoa, apresentando a visão subjectiva do cronista sobre os mais variados eventos do quotidiano. De natureza interpretativa e reflexiva, são textos que surgem nos jornais ou revistas em que o cronista filtra o mundo em seu redor e as mais variadas situações. Mas num tempo de crise para a comunicação, em que o clickbait supera a veracidade das notícias, qual é o espaço que sobra para a crónica? E qual é o tempo que o leitor ainda se digna dispender, para ler a opinião de alguém que se acredita ser melhor informado, quando hoje a informação é cada vez mais facilmente acessível e todos têm direito à sua opinião, plasmando-a nos mais diversos meios, de redes sociais a blogues?
Esta antologia de crónicas jornalísticas, publicada em Abril de 2018 pela Tinta-da-china, reúne mais de 60 textos de Pedro Mexia, publicados, na sua maioria, no Expresso entre 2011 e 2017, outros tantos no Público, e algumas crónicas publicadas ainda noutras publicações, algumas delas inclusive já reunidas anteriormente em volume – Nada de Melancolia, também com a chacela da Tinta-da-china, em 2008.
Lê-se na contracapa, e a negar de alguma forma o título, que «Lá Fora não é um livro sobre viagens demoradas a lugares exóticos, passeios venturosos a altas montanhas ou selvas escuras, ou grandes temporadas em metrópoles sofisticadas». Pedro Mexia descreve «lugares por onde passou e que, de alguma forma, não esqueceu», como Maputo («O país dos outros») ou Londres («Londres chama»), cidade com a qual mais se identifica e que o reconcilia «com o facto de estar vivo». Redescobre Lisboa («Lisboa, cidade aberta») e a modernização do seu plano urbanístico por Ressano Garcia, entre 1879 e 1903, ou vê Portugal na época da ditadura pelos olhos de quem o visitou de fora («Cartas portuguesas»). Mas Pedro Mexia escreve sobretudo sobre lugares mentais e por isso escreve também sobre os «não-lugares» («Terminal de aeroporto»), pois estas crónicas não são somente viagens, mas sobretudo o olhar do cronista sobre o mundo lá fora e com o devido distanciamento, capaz de permitir uma autoironia. Aliás, Mexia opta, em diversos momentos, por deixar as suas interrogações, sem pretender arrogar-se como detentor de uma verdade imposta a outrem.
Numa prosa clara, com rasgos poéticos, em que as vozes da literatura ressoam, com citações e revisitações a autores (mas também ao cinema ou à música), este livro de crónicas é intemporal e merece o Grande Prémio de Crónica e Dispersos Literários da Associação Portuguesa de Escritores (APE), anunciado no passado dia 9 de Maio. O prémio de 12 mil euros será recebido pelo autor no próximo dia 30 de Maio em Loulé, uma vez que a Câmara Municipal é parceira deste galardão. Ver artigo
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