São sete os títulos da colecção da Bertrand em que diversos autores contemporâneos recriam uma obra de Shakespeare, com vista a celebrar Shakespeare. O quinto título da colecção lançada em cerca de 30 países é Semente de Bruxa, em que Margaret Atwood recria a peça A Tempestade. Esta autora canadiana tem dado muito que falar no último ano, com a adaptação para série televisiva de dois livros seus, História de uma serva e Alias Grace, encontrando-se já em produção mais duas adaptações das suas obras.
Felix é um director artístico no Festival de Teatro de Makeshiweg com produções ousadas que fazem com que o público saia cambaleante e ébrio, com cabeças de Macbeth ensopadas em sangue atiradas ao público, o Rei Lear nu em palco, ou Péricles encenado com naves espaciais.
Felix perdeu a mulher e a filha, aos 3 anos, com meningite. E mergulha por inteiro na encenação de Tempestade, aquela que será a sua melhor produção de sempre. Até ao dia em que é traído e afastado pela pessoa em quem mais confiava. A partir daí, Felix vive em reclusão, alucina com a sua filha Miranda, até que anos depois passa a trabalhar numa prisão como professor de literacia e mobiliza os seus alunos a representar Shakespeare.
Doze anos depois, Felix renasce assim como Próspero e tem a possibilidade de encenar finalmente o seu projecto outrora gorado, o que lhe permite também, dentro da prisão e com a ajuda dos presidiários que são seus alunos de teatro, encenar a sua vingança.
A autora abandona o género fantástico ou distópico que normalmente caracteriza as suas melhores obras, mas mostra versatilidade no tratamento do tema central à peça, ao mesmo tempo que atenta na forma como o próprio teatro precisa de ir sendo recriado para se manter actual e continuar a tocar os corações dos homens de hoje com temas e intrigas que foram criadas há séculos, celebrando-se assim, de forma justa, esse vulto maior do teatro mundial que foi, e permanece a ser, William Shakespeare. Ver artigo
Autora de obras de fantasia e de de ficção científica incontornáveis como o Ciclo Terramar (adaptado inclusive num filme de animação japonesa e também numa mini-série) ou A Mão Esquerda das Trevas, Ursula K. Le Guin faleceu em Janeiro de 2018, aos 88 anos de idade.
Autora de mais de 20 livros, com milhões de exemplares vendidos, traduzida em 40 línguas, Ursula K. Le Guin escreveu ainda ensaios e para cima de uma centena de contos.
Os Despojados, editado pela Saída de Emergência, é um dos seus principais livros, e forma, com A Mão Esquerda das Trevas, parte do Ciclo Hainish.
O livro é, mais do que um romance, uma reflexão sobre os sistemas políticos e sobre a identidade e liberdade individual face a culturas alienígenas, mesmo quando o outro é bastante próximo da espécie humana.
Shevek é um jovem físico brilhante, com uma descoberta que pode revolucionar a forma como se viaja no espaço, pois uma fracção de tempo de uma viagem no espaço continua a ser o equivalente a vários anos de vida que se perdem junto daqueles que se deixam para trás.
Shevek vive em Anarres (por vezes considerado um planeta gémeo, outras vezes um satélite ou Lua do planeta vizinho Urras) é convidado a continuar e a desenvolver o seu trabalho na física em Urras. Urras é um planeta próspero de recursos abundantes, onde vigora justamente um sistema capitalista e mesmo hedonista (note-se que o traje de cerimónia das mulheres é estarem despidas da cintura para cima apenas com algumas jóias incrustadas na pele).
Mas Urras, apesar da sua opulência e do cuidado na estética dos artefactos mais básicos, como o mobiliário, não é um planeta perfeito.
«A conversa prosseguiu. Era difícil para Shevek segui-la, tanto na linguagem como no conteúdo. Estava a ouvir falar de coisas das quais não tinha experiência nenhuma. Nunca vira uma ratazana, nem as casernas do exército, nem um asilo de loucos ou de pobres, nem uma loja de penhores, nem uma execução, nem um ladrão, nem um edifício de apartamentos, nem um cobrador de rendas, nem um homem que quisesse trabalhar e não pudesse arranjar emprego, nem um bebé morto numa vala. (…) Este era Urras (…) o mundo do qual os seus antepassados tinham fugido, preferindo-lhe a fome, o deserto, e o exílio interminável.» (p. 241)
Esta passagem recorda-nos como a ficção científica é sempre, por muito escapista e fantasiosa que se afigure, uma forma de escrever sobre o real ou imaginar mundos possíveis como escape ou alternativa melhor à realidade.
Anarres é um planeta desértico (e a capa da editora é brilhante na forma como retrata de modo simétrico essas duas paisagens em cima e em baixo) para onde alguns habitantes de Anarres partiram em tempos na busca de uma vida mais simples e mais regrada, apesar de terem de enfrentar a fome, o deserto, o exílio. A colónia fundada nesse planeta inóspito foi afinal, saberemos depois, uma experiência de comunismo não autoritário, que sobrevive há 170 anos.
Um dos momentos-chave do livro é o diálogo entre Shevek e uma embaixadora terrana, isto é, da Terra, o que resulta num debate filosófico ou político entre as semelhanças e diferenças entre estes três planetas tão similares.
É também particularmente interessante, e possivelmente está relacionado com o próprio estudo de Shevek na área da física e do tempo, a forma como os capítulos, descobriremos depois, não são sequenciais, apesar de assim parecer. Há uma certa distorção cronológica, em que os capítulos não seguem afinal a devida sequência temporal. Lembra um pouco o filme Arrival na forma como nos apresenta um tempo circular em que o futuro e o passado podem estar contidos no agora.
Em 2014, a autora recebeu a medalha National Book Foundation. Foi também distinguida ao longo da sua carreira de escrita com os Prémios Hugo, Nebula e World Fantasy. Ver artigo
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