A Cultura Moderna, uma obra polémica de Roger Scruton, publicada pelas Edições 70, representa uma defesa da alta cultura contra os ataques do desconstrutivismo e outras correntes dos Estudos Culturais (desautorizando figuras como Derrida). Mas é, sobretudo, um livro em que o autor «pretende explicar o que a cultura é, e por que motivo ela é importante» (p. 11), demonstrando, especialmente, que «a cultura tem uma raiz religiosa e um sentido religioso» (p. 13).
O autor, um dos mais controversos pensadores da nossa época, começa por discernir entre a alta cultura e a cultura comum, e procura desvelar como a alta cultura se tornou no substituto da fé no mundo descrente produzido pelo Iluminismo: «Desde o Iluminismo, os filósofos têm-se debruçado sobre o valor da alta cultura (nem sempre utilizando esse termo para a designar): o que é que aprendemos, em rigor, quando estudamos arte, literatura, história e música?» (p. 33)
Scruton distingue três tipos de saber: saber que, saber como e saber o que, argumentando que a cultura comum nos diz como sentir e o que sentir, enquanto que a alta cultura, tal como a religião antes, «trata a questão que a ciência deixa sem resposta: a questão de o que sentir» (p. 35).
Scruton está ciente da controvérsia que os seus argumentos irão gerar, de que o acharão absurdo e que a sua visão é muito pouco pós-moderna. O autor considera até as críticas tecidas à primeira edição do livro, por fazer pouca menção à fotografia, cinema e televisão (áreas fortes da cultura popular moderna), e responde com humor que fez a devida pesquisa, descobrindo o que dizer sobre televisão, sendo agora capaz de «discorrer com erudição sobre comida de plástico, bonés de basebol e Cadillacs platinados» (p. 11). E sempre com humor, e não poupando críticas à cultura moderna, em particular à música pop, Scruton ajuda-nos a enxergar como a «nossa existência é transfigurada pela arte» (p. 62) e como a (alta) cultura nos ensina a ética de viver «como se as nossas vidas importassem para a eternidade»: «Devemos ser inteiramente humanos e, ao mesmo tempo, respirar o ar dos anjos; naturais e, simultaneamente, sobrenaturais.» (p. 31)
Passo a passo, o autor tenta não deixar nenhuma ponta solta, e cada uma das suas ideias se encadeará perfeitamente num raciocínio lúcido e transparente, não deixando de focar questões bem prementes no ensino hoje, em particular na área dos estudos literários (até porque é especialmente sobre a literatura que o autor se debruça). O exemplo paradigmático de como alta cultura e religião se entrelaçam reside sobretudo na literatura, havendo lugar a uma apologia do cânone: «Se é esperado que os estudantes leiam e analisem textos literários, certamente deverá existir algum acordo que defina quais os textos que devem ser estudados. Se qualquer texto servir, nenhum texto servirá. (…) Porém, quando os jovens crescem sem um texto sagrado, têm dificuldade em compreender que o segredo da vida se possa encontrar numa coisa inanimada, como um livro; sobretudo, se for um livro escrito há milhares de anos e numa língua que já não se fala.» (p. 38)
Roger Scruton é filósofo e escritor. Foi Professor de Estética no Birkbeck College, Londres, e Professor Visitante no Boston College, nos EUA. Ver artigo
Pesquisar:
Subscrição
Artigos recentes
Categorias
Arquivo
- Janeiro 2021
- Dezembro 2020
- Novembro 2020
- Outubro 2020
- Setembro 2020
- Agosto 2020
- Julho 2020
- Junho 2020
- Maio 2020
- Abril 2020
- Março 2020
- Fevereiro 2020
- Janeiro 2020
- Dezembro 2019
- Novembro 2019
- Outubro 2019
- Setembro 2019
- Agosto 2019
- Julho 2019
- Junho 2019
- Maio 2019
- Abril 2019
- Março 2019
- Fevereiro 2019
- Janeiro 2019
- Dezembro 2018
- Novembro 2018
- Outubro 2018
- Setembro 2018
- Agosto 2018
- Julho 2018
- Junho 2018
- Maio 2018
- Abril 2018
- Março 2018
- Fevereiro 2018
- Janeiro 2018
- Dezembro 2017
- Novembro 2017
- Outubro 2017
- Setembro 2017
- Agosto 2017
- Julho 2017
- Junho 2017
- Maio 2017
- Abril 2017
- Março 2017
- Fevereiro 2017
- Janeiro 2017
- Dezembro 2016
- Novembro 2016
- Outubro 2016
Etiquetas
Alfaguara
Ana Teresa Pereira
Antígona
ASA
Bertrand Editora
Carlos Ruiz Zafón
casa das Letras
Companhia das Letras
David Machado
Dom Quixote
Editorial Presença
Edições ASA
Edições Tinta-da-china
Elsinore
Gradiva
Haruki Murakami
Hélia Correia
Ian McEwan
Isabel Allende
Joanne Harris
John Williams
José Eduardo Agualusa
João de Melo
Juliet Marillier
Kate Atkinson
Kazuo Ishiguro
Leya
Lídia Jorge
Margaret Atwood
Meg Wolitzer
Nuno Júdice
Objectiva
Patrícia Reis
Pergaminho
Philip Roth
Planeta
Porto Editora
Quetzal
Relógio d'Água
Rui Cardoso Martins
Salman Rushdie
Série
Temas e Debates
Teorema
Umberto Eco