No dia 6 de Agosto chega às livrarias Epítome de pecados e tentações, o novo livro de Mário de Carvalho, publicado pela Porto Editora, o que, convenhamos, não é de todo inesperado ou surpreendente, uma vez que o autor tem vindo a publicar a um ritmo regular, principalmente desde A Sala Magenta, em 2008, alternando entre a novela, o conto e o romance, mas também passando pelo ensaio com Quem Disser o Contrário É Porque Tem razão em 2014. Mário de Carvalho, um dos autores mais importantes da nossa literatura na contemporaneidade, regressa ao conto.
Originalmente previsto para ser lançado em Março de 2020, conforme consta na ficha técnica, também este livro se viu forçado a alguns meses de confinamento social pelo que só agora lhe é possível ver a luz e dar o ar da sua graça. Pois, se bem que Mário de Carvalho se revele como um escritor prolífico, praticando os mais diversos géneros, e capaz de uma técnica exímia nos mais diversos estilos – do romance histórico à sátira –, é sobretudo pela fina ironia e pela doce crítica que os seus contos se destacam.
Dividido em 3 partes, este livro é constituído por 11 breves narrativas: na primeira parte, poderemos considerar que as duas narrativas são novelas, dada a sua extensão; na segunda parte, temos 8 narrativas mais curtas, contos cuja dimensão varia entre as 8 a 4 páginas; e na terceira parte, um único conto.
Pode ler-se na contracapa que este é um livro «de pecados que pedem total absolvição», todavia a venialidade do venéreo é, também, substituída por uma certa banalidade do mal, pois estes «Fascínios, inquietações e sobressaltos nas relações entre homens e mulheres» que entretecem as várias narrativas, formando um mosaico de adultério e leviandade, parecem ser mais a norma do que a excepção nos casamentos e nos relacionamentos modernos. Ver artigo
As aves não têm céu é o novo romance de Ricardo Fonseca Mota, publicado pela Porto Editora.
Leto é um homem à beira do precipício, que cruza a cidade nas noites insones, atormentado pela memória recorrente da morte da filha, de que se sente responsável: «Leto não dorme. Desde essa noite fechar os olhos passou a ser um acto proibido. Não esquecer a dor é a última prova de amor.» (p. 13)
Atormentado pela culpa, reinventando um futuro possível para a filha, mas sempre consumido pela memória da noite em que a perdeu no negrume da morte, no fundo escuro de um penhasco, este pai quer «morrer mas não quer parar de sofrer. Quer sofrer mas sente vergonha de estar vivo.» (p. 13)
Deixado pela mulher, divorciado, deprimido, oprimido pelo remorso da culpa, medicado, despedido, desalojado, Leto vive imerso numa noite escura, percorrendo uma cidade deserta, onde pouca gente se move naquele horário, mas é também no colo de uma mulher que ele entrevê uma luz salvífica.
O narrador, omnipresente ao longo do texto, assume-se, por vezes, na primeira pessoa do singular, mas, geralmente, na primeira pessoa do plural, conforme tenta deixar claro ao leitor que apenas pretende contar a história conforme a conheceu. História esta que ganha também contornos de tragicomédia quando o narrador, que tanto diz noutras passagens, indicia muito subtilmente, ainda no início do romance, a possibilidade de Leto não ser realmente o pai da criança…
Numa linguagem lírica, com passagens em que a prosa respira e pulsa como um poema, Ricardo Fonseca Mota incorre ainda num certo experimentalismo, em que a narração feita a partir da perspectiva da personagem é entrecortada, com falas ou com frases que umas vezes se completam intercaladamente e noutras ficam por fechar, como quem tenta registar o próprio pensamento desconexo de Leto, que vive numa linha ténue entre a loucura (ou a doença mental) e o passado suspenso num momento eterno de um trauma.
Ricardo Fonseca Mota nasceu em Sintra em 1987 e vive na Tábua. O seu primeiro romance, Fredo (Gradiva), venceu o Prémio Literário Revelação Agustina Bessa-Luís em 2015, foi semifinalista do Oceanos, Prémio de Literatura em Língua Portuguesa, em 2017, e está traduzido e publicado na Bulgária. Formado pela Universidade de Coimbra, é psicólogo clínico e promotor cultural. Ver artigo
Gabriel planeia celebrar o octagésimo aniversário da mãe e, para isso, terá de contactar as suas duas irmãs Sonia e Andrea, com o propósito de reunir a família para este evento que deveria ser motivo de celebração e alegria. Depois de tanto tempo, um almoço de aniversário afigura-se a ocasião perfeita para se voltarem a juntar todos. Mas esta não é uma família dessa natureza. Se todas as famílias são felizes à sua maneira, esta sabe foçar particularmente bem na infelicidade e no rancor. Por isso mesmo esta sinopse enganosamente simples não pode dar conta da complexidade e singularidade deste romance.
Luis Landero constrói um poderoso romance polifónico, cuja maioria dos capítulos constitui diálogos, sempre por telefone, em que a conversa telefónica do momento alterna ainda, por vezes de modo sobreposto, com conversas anteriores que estão a ser agora relatadas ou recontadas ao telefone, pois quer Sonia quer Andrea, assim que ficam a par da intenção do irmão, ligam para a cunhada Aurora, a mulher de Gabriel, com quem desabafam as suas mágoas e os seus rancores. E é nesses telefonemas de Sonia, Andrea e, por vezes, até da mãe delas para Aurora, a confidente, sempre atenciosa e atenta, que estas mulheres destilam a peçonha que, décadas depois, continuam a conseguir extrair de velhos episódios familiares, retratados conforme a perspectiva de cada uma: «cada qual com a sua história, horas e horas de histórias intermináveis, quase todas cheias de minúcias mil vezes ouvidas e que elas nunca se cansavam de repetir, com as suas versões contraditórias, onde não havia episódio, por mais pequeno que fosse, que não tivesse variantes, que não rebatessem ou negassem entre elas, que não admitissem os mais prolixos e tortuosos comentários, de modo que Aurora tinha a esgotante impressão de estar imersa num pesadelo de que era impossível despertar.
E assim, ano após ano, todos os dias de todos os meses, a qualquer hora, foi ficando a saber o argumento exato das vidas deles.» (p. 195)
Um só acontecimento origina assim várias versões, relatos antagónicos, sentimentos díspares, conforme é lembrado por cada uma das personagens. A narrativa abre e fecha com Aurora, que pelo seu sorriso bonito e triste, o seu ar terno e melancólico, sempre se revelou uma boa confidente para as histórias dos que com ela convivem. Mas Aurora coloca em risco a sua própria inocência e paz de espírito quando finalmente percebe que não há histórias inocentes, enquanto se deixa enredar nas teias de aranha destas histórias familiares: «(…) todas as versões de todas as histórias acabam por confluir em Aurora. Ela é, na verdade, a única dona absoluta da história, aquela que sabe tudo, o enredo e o avesso do enredo, porque só confiam nela e só falam com ela, com todo o tipo de detalhes, sem vergonha nem reparos, todos e cada um dos implicados nesta história, que começou por ser trivial e até festiva e que acabou em ruína e em desastre, como ela intuiu desde o primeiro momento.» (p. 13)
Uma forte particularidade do romance é o modo como a vida das personagens é sempre tratada como uma história, em que todas elas são autoras das suas próprias narrativas, mesmo quando essa é uma narrativa vazia: «Nunca, nunca, mesmo que não aconteça nada, as pessoas param de contar a sua história e, se o Inferno existir, também nele continuarão a contá-la ao longo de séculos e mais séculos, dando corda uma e outra vez ao brinquedo das palavras, tentando compreender minimamente o mundo apalpando o absurdo da vida em busca talvez de um botão que abra o seu fecho cego, como a gruta de Ali Babá ante o conjuro da palavra mágica, revelando-nos o grande tesouro da razão, da luz, do real sentido das coisas…» (p. 199)
A acção decorre ao longo de seis dias apenas, em que os segredos familiares são desenterrados, até que se desvela uma história particularmente macabra em torno de um homem que tem em casa um museu de brinquedos e que trata a mulher como se fosse a sua criança…
Luis Landero, considerado um dos nomes essenciais da literatura espanhola, nasceu em Badajoz, em 1948. Licenciado em Filologia Hispânica pela Universidad Complutense, lecionou Literatura na Escuela de Arte Dramática de Madrid e foi professor convidado em Yale. Estreou-se na literatura em 1989, com o romance Jogos da Idade Tardia (Prémio da Crítica e Prémio Nacional de Narrativa 1990). Chuva Miúda, agora publicado pela Porto Editora e com tradução de Miguel Filipe Mochila, foi considerado pela crítica o Melhor Romance do Ano em Espanha. Ver artigo
Este pequeno belo romance inscreve-se na senda de obras como Siddhartha, de Herman Hesse, ou de outras mais recentes, como As Oito Montanhas, de Paolo Cognetti, ou O Amigo do Deserto, de Pablo d’Ors, enquanto apologia do despojamento, da solidão, da natureza como caminho da serenidade e do encontro com a verdade. Uma narrativa sóbria, contida, quase como uma sinfonia em monotom, onde se conta a vida de Andreas Egger, uma existência inteira que, sem ruído nem brilho, atravessa um século.
«Em criança, Andreas Egger nunca tinha gritado nem dado vivas. Aliás, só começara a falar propriamente dito quando entrara para a escola. A custo, arrecadara um punhado de palavras que, em ocasiões raras, recitava aleatoriamente. Falar significava chamar a atenção, o que nunca era uma boa coisa. Chegara à aldeia muito novinho, numa carruagem puxada por cavalos, no verão de 1902, vindo de uma povoação distante, para lá das montanhas. Quando o tiraram da carruagem, ficou parado, mudo, de olhos arregalados, observando, estupefacto, os cintilantes cumos brancos. Devia ter cerca de quatro anos, na altura» (p. 13)
Criado por um familiar distante, um agricultor que apenas acolhe a criança pela bolsa de notas que traz ao pescoço e o agride a despropósito com uma vara de avelaneira, Andreas tudo suporta de forma estóica, quase bovina, numa espécie de mutismo animal, sem nunca se queixar, sem nunca gritar, mesmo quando fica fisicamente marcado pelas sovas que sofre, que o deixam com uma perna torta e coxo. A resiliência de Egger, aliada à sua força física, permitem-lhe sobreviver à perda da única mulher que amou por breves e fugazes instantes, à guerra, à fúria das avalanches das montanhas alpinas, à chegada do progresso quando o vale é devassado por maquinaria para a construção de um teleférico.
Após o seu passeio de quase um século pela vida, Egger converter-se-á em guia da montanha: «Em vez de falar, preferia ouvir as pessoas, cujas conversas ofegantes lhe revelavam os segredos de outros destinos e opiniões. As pessoas iam às montanhas claramente em busca de algo que acreditavam ter perdido havia muito tempo. Ele nunca conseguiu perceber ao certo o que era, mas, ao longo dos anos, foi-se convencendo de que os turistas avançavam pela montanha fora, não tanto atrás dele, mas atrás de um qualquer anseio obscuro e insaciável.» (p. 92)
Publicado pela Porto Editora, Uma Vida Inteira, de Robert Seethaler, foi Livro do Ano em 2014 na Alemanha onde vendeu mais de um milhão de exemplares, foi finalista do Man Booker International em 2016 e do International Dublin Award em 2017. Ver artigo
Jonathan Coe nasceu em Birmingham, em 1961. Em 2004, foi nomeado Cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras de França. O Coração de Inglaterra, agora publicado pela Porto Editora, regressa ao díptico Rotter’s Club (2001) e O Círculo Fechado (2004), onde, curiosamente, já se prenunciavam alguns dos temas aqui explorados, 18 a 15 anos antes, naquele que é considerado o primeiro romance pós-Brexit (a par de A Barata, de Ian McEwan, que apresentarei em breve). Iniciado em 2016, logo após o referendo que conduziu à retirada do Reino Unido da União Europeia, este livro é uma inteligente sátira, onde não falta humor, que não se aparta muito da realidade – apenas a disseca aos olhos de múltiplas personagens de diferentes gerações. Começa com o funeral da mãe de Benjamim, o que simboliza em si a morte de uma velha Inglaterra – não é mera coincidência que a música que Benjamim ouve nessa noite tenha por mote «Adeus, antiga Inglaterra». De entre as várias personagens do romance, destacar-se-á Benjamim, um escritor de meia-idade, cuja geração é a do autor, e que tal como ele é um escritor, embora o seu romance seja um projecto inacabado de há décadas e com uma envergadura intimidante…
A expressão que dá origem ao título original do romance, Middle England, é referida várias vezes. Primeiramente, como alusão à Terra Média de Tolkien, como se a Inglaterra do livro fosse uma realidade alternativa, quando está, afinal, muito próxima da realidade, explorando de forma irónica e acutilante diversos temas que ajudam a reconhecer a complexa trama social e política que resultou no Brexit: «- As pessoas da Inglaterra Média (…) votaram em David Cameron por não terem verdadeira escolha. A alternativa era impensável.» (p. 230) Em segundo lugar, a expressão Inglaterra Média designa as pessoas da classe média que tendem ao conservadorismo e vivem fora de Londres – um pouco como Benjamim que vive num moinho junto ao rio, um verdadeiro cenário idílico campestre –, ou seja os eleitores que, supõe-se, terão votado a favor do Brexit, pois constatou-se que em Londres a maioria votou contra.
O romance analisa, de forma audaz, a nova Inglaterra, politicamente correcta, onde a caçada à raposa é agora proibida, não tanto pela violência deste “desporto” mas por uma questão de luta de classes, e centra-se num país multicultural – ainda que personagens como Sohan e Aneeha sejam secundárias – onde até na literatura se reflecte como «o tempo do grande escritor britânico branco e de meia-idade acabou finalmente» (sim, Coe também cabe nesta categoria), pois agora há «mais mulheres, mais escritores negros, asiáticos e de outras minorias étnicas» (p. 237). Ver artigo
O Amante Japonês era já um prenúncio do retorno aos grandes romances desta autora chilena, dos que nos puxam de súbito para dentro da sua escrita fluída, onde vigora um universo meio histórico meio intemporal povoado por personagens carismáticas de paixões intensas. Longa Pétala de Mar é um poderoso romance que resgata a inventiva e original voz de Isabel Allende, a sua ironia e humor muito próprios, e um sentido da vida que daria para escrever alguns livros motivacionais, sem cair jamais no delicodoce daquilo que se pode entender como chic literature. Este livro foi lançado primeiro pelo Círculo de Leitores (numa edição de capa dura), com a revista distribuída aos sócios em Outubro, e depois publicado pela Porto Editora.
Mesmo com livros anteriores da autora, bastante sofríveis (O Jogo de Ripper), em que a história se arrasta sem qualquer chama, ler Isabel Allende sempre foi um dos meus prazeres íntimos. E Depois das várias tentativas mais ou menos bem sucedidas de romance histórico em que a autora tem intentado, a história deste livro está perfeitamente doseada entre o encanto mágico das primeiras obras da autora e um contexto histórico concreto, no caso a Guerra Civil de Espanha, sob a sombra do regime de Franco e a iminência da Segunda Guerra, que servem apenas de intróito ao verdadeiro tema a tratar.
Em 1938, encontramos Victor Dalmau, um jovem estudante de medicina que dá por si incorporado na frente de combate como auxiliar de medicina; Roser Bruguera, uma jovem humilde que de pastora de cabras se converte numa pianista exímia; Ofelia, uma jovem chilena de boas famílias com casamento arranjado; Pablo Neruda, um poeta que ousa fretar um navio onde embarca mais de dois mil espanhóis rumo a Valparaíso, em fuga a uma Espanha em ruínas.
Allende aposta em diversas frentes para conseguir, capítulos depois, entretecer de forma exímia todas as histórias, sem que o fio da narrativa e a sua prosa torrentosa se quebre, envolvendo plenamente o leitor, sem lhe dar tempo para sequer pensar em parar.
Enquanto o Velho Mundo mergulha numa confusão sem precedentes, e a Espanha se dilacera numa guerra durante novecentos e oitenta e oito dias e que culmina com o reconhecimento da legitimidade do governo de Franco, o Chile surge como «um paraíso atrasado e distante» (p. 100) onde os espanhóis procuram uma segunda oportunidade.
Temos, desde as primeiras linhas, frases que demarcam o estilo próprio de Allende, como «Era uma enfermeira suiça de vinte e quatro anos, com um rosto de virgem renascentista e a coragem de um guerreiro empedernido.» (p. 18). Também bastante recorrente na escrita de Allende é a forma como muitas vezes o seu romance antecipa o futuro: «- Nem morta te direi – e essa seria a única resposta que sairia da sua boca durante os cinquenta anos seguintes.» (p. 203)
O maravilhoso ainda dá algumas mostras de vida, recuperando a figura mítica do fantasma, que tão bem define o próprio realismo mágico latino-americano, como símbolo de fusão entre o real e o irreal: «Não havia memória de ter jamais habitado uma criança naquela sombria mansão de pedra, por onde deambulavam gatos semisselvagens e uma prole de fantasmas de outras épocas.» (p. 31) Ou no exagero que acentua o horror da guerra: «Tanto sangue corria que, no ano seguinte, os camponeses trejuravam que as cebolas eram vermelhas e que por vezes se encontravam dentes humanos no interior das batatas.» (p. 58)
Mas o mágico é uma corrente de escrita definitivamente preterida pela autora, sem que isso quebre o encanto da leitura. E a páginas tantas podemos até encontrar uma breve, indirecta, referência a Clara: «- É uma mulher muito extravagante. Dizem que fala com os mortos!» (p. 95). Clara, claríssima, clarividente… Uma personagem que de tal forma me apaixonou em A Casa dos Espíritos que, mais de 20 anos depois, fiz questão de baptizar a minha sobrinha com esse nome (por sorte, não foi preciso convencer muito os pais).
Se em A Casa dos Espíritos, onde também encontrávamos Salvador Allende (o Presidente) e Pablo Neruda (o Poeta) como personagens de ficção, o mágico concentrado em torno dos dons de Clara vai recuando, conforme a política se impõe, num regime ditatorial de terror, em Longa Pétala de Mar (título retirado a um poema de Neruda) o caminho é inverso, transpondo o umbral entre um mundo que soçobra, onde não faltam alusões aos horrores de Guernica e à batalha do Ebro, e um paraíso a descobrir, num Chile sinuoso e remoto, onde as paixões são violentas e os temperamentos são bruscos mas honestos e leais. Ver artigo
Kahlil Gibran (a pronúncia mais usual costuma ser Khalil) nasceu na Síria otomana, perto do Monte Líbano, em 1883. A sua infância foi de pobreza extrema e, em 1895, emigrou para os EUA com a mãe e os irmãos. Viveram nos bairros degradados de Boston quando o seu talento artístico chamou a atenção do fotógrafo e editor Fred Holland, que lhe estendeu a mão de modo a passar a frequentar os círculos literários e artísticos. Regressou ao Líbano para terminar os seus estudos, partiu em 1908 para Paris, onde estudou com Auguste Rodin. Em 1912 muda-se definitivamente para Nova Iorque. Estudou arte e escreveu em árabe e inglês, tornando-se um célebre artista e poeta líbano-americano. A par de Shakespeare e Lao-Tzu, é dos poetas mais vendidos de todos os tempos, pois apesar da disposição gráfica em prosa este livro é, na sua essência, um poema e um dos primeiros exemplos de literatura inspiracional (não confundir propriamente com auto-ajuda). O autor faleceu em 1931, com 48 anos.
Almustafá esperou durante doze anos na cidade de Orfalés, onde passou longos dias de sofrimento e longas noites de solidão. Mas quando se prepara para partir no navio que chega ao porto o seu coração apenas destila amor e aqueles que parecem tê-lo repudiado outrora procuram-no agora em busca das suas palavras de sabedoria, aclamando-o como o filho muito amado de Orfalés. Anciãos, sacerdotes, profetas, marinheiros, pedem agora a Almustafá, na despedida, as suas palavras sobre os mais variados temas.
O Profeta é um tratado de um profundo lirismo sobre a humanidade, o amor, o perdão, o autoconhecimento, o trabalho, a morte, o adeus…
«O amor não dá mais do que a si próprio e não retira nada que não seja a si mesmo.
O amor não possui nem pode ser possuído, pois o amor é suficiente por si só.
Quando amardes, não deveis dizer “Deus está no meu coração”, mas antes “Eu estou no coração de Deus”.
E não penseis que podeis dirigir o curso do amor, pois o amor, se vos achar merecedores, dirigirá o vosso curso.» (p. 21)
O Profeta, apesar de não ter sido bem recebido quando publicado em 1923, começou a tornar-se um sucesso na década de 30, e é uma das obras mais conhecidas da literatura mundial, agora relançada numa novíssima tradução e edição pela Albatroz (pertencente ao grupo da Porto Editora), e acompanhada de O Jardim do Profeta, escrito como complemento.
Existe, a título de curiosidade, uma adaptação em desenho animado deste livro e a Albatroz publicou ainda O Livro da Vida, onde se compilam pequenos textos célebres de Khalil Gibran, mais de cem histórias sobre o sentido da experiência humana. Ver artigo
Ungulani Ba Ka Khosa é dos escritores moçambicanos mais reconhecidos da sua geração. Francisco Esaú Cossa nasceu a 1 de Agosto de 1957 em Inhaminga, na província de Sofala, membro da tribo étnica Tsonga e falante da língua Tsonga, e adoptou como “pseudónimo” o seu nome Tsonga. Formado em Direito e em Ensino de História e Geografia, exerce actualmente as funções de director do Instituto Nacional do Livro e do Disco. É membro e secretário-geral da Associação dos Escritores Moçambicanos.
Gungunhana é um livro que reúne Ualalapi, o romance de estreia de Ungulani Ba Ka Khosa, publicado em 1987 e eleito como um dos cem melhores romances africanos do século XX, e As Mulheres do Imperador, uma nova novela deste autor moçambicano que constitui um regresso a este universo romanesco. Este livro assinala assim trinta anos de escrita ao mesmo tempo que o autor parece fechar um ciclo. Ualalapi narra o fim do império de Ngungunhane, último imperador de Gaza que resistiu ferozmente aos portugueses, entre 1884 e 1895, até que foi feito prisioneiro por Mouzinho de Albuquerque, levado para Lisboa e depois exilado para os Açores.
Ungulani Ba Ka Khosa explora nesta obra, na linha dos sul-americanos, o imaginário mítico do seu país. A obra situa-se entre o conto e o romance, constituída por seis partes, mas sem ser uma narrativa fragmentária. As seis narrativas entretecem-se como unidades in(ter)dependentes, cada uma antecedida por um pequeno texto, intitulado «Fragmentos do fim», textos esses que se encontram numerados de um a seis, numeração essa que parece marcar também a própria evolução histórica que se sente até chegar à queda do império. Esses pequenos fragmentos constituem um levantamento feito a partir de fontes históricas, escritas na óptica do colonizador. Contribuem para esta paródia intertextual o acrescento de citações bíblicas (Job 2, Apocalipse 3, Mateus 6), na precedência de quatro dos contos, frases aforísticas referentes a Ngungunhane, citações de fontes fictícias da autoria do próprio autor e um dos textos trata-se de um fragmento mínimo do discurso de Ngungunhane, antes de embarcar para o exílio. Através da intertextualidade entramos assim no domínio da metaficção historiográfica, como modo de questionar o passado e o presente. Há ainda uma valorização da oralidade, patente no próprio facto de o narrador ser um jovem que mexe em papéis e ouve um velho, junto a uma fogueira, a transmitir uma estória que, por sua vez, lhe foi contada pelo avô.
As Mulheres do Imperador, uma novela com pouco menos de cem páginas, é – conforme anunciado na contracapa – um tributo ao papel das mulheres na História, neste caso as favoritas da corte do imperador, «sempre secundarizadas pela História». Mas, na verdade, as mulheres já estavam bem presentes em Ualalapi, até porque é quase sempre a partir da perspectiva do outro que o autor constrói aos nossos olhos a figura do mítico imperador. O que se configura nesta nova novela é o fim definitivo do império, quinze anos depois, quando as mulheres do imperador regressam do seu exílio em S. Tomé a Lourenço Marques, para testemunhar o início de uma nova época, quando os nativos vivem completamente subjugados e dominados pelo colono, e novos bairros começam a surgir em torno da cidade, conforme os pretos vão sendo empurrados para bairros fora da cidade, como o da Mafalala, ao mesmo tempo que assimilam uma nova cultura. O narrador esquece muitas vezes essas mulheres que toma como personagens centrais, para nos dar, uma vez mais, uma perspectiva dispersa e fragmentada ou complementada por diversos olhares. As características que tornam a escrita de Ungulani Ba Ka Khosa tão peculiar e interessante estão também bem presentes nesta obra, como, por exemplo, a forma como muitas vezes recorre a termos das línguas locais para designar algo, explicando depois ao leitor o equivalente semântico da palavra ou qual o significado e/ou origem da palavra, ou ainda os diálogos entre as personagens, que muitas vezes consistem numa réplica sucessiva de provérbios, geralmente alusivos aos animais e à natureza. A linguagem de Khosa é imaginativa, visual, densa, violenta, o que por vezes se revela de forma chocante, de forma a transluzir uma forte carga simbólica e mito-poética, conforme à tecitura poética do maravilhoso e do realismo mágico. Ver artigo
Chegam boas notícias da Porto Editora de que partilhamos a nota de imprensa: Ver artigo
Este livro publicado agora pela Porto Editora cuja capa pode apelar aos mais jovens traz temas bem prementes e actuais e transversais a todas as idades. Com distinções como a nomeação para a Carnegie Medal, seleccionado para o National Book Award, nomeado pelo Goodreads Choice Awards categorias de Autor Estreante e Ficção Jovem-Adulto) e premiado em 2016 como Melhor Estreia Jovem-adulto pelo Williams C. Morris Award, O coração de Simon contra o mundo não choca com o coração de ninguém, antes enternece e deleita qualquer leitor.
Foi lido de um fôlego durante uma tarde com algumas ocasionais risadas que não passaram despercebidas às pessoas em redor e a segunda metade do livro é tão enternecedora que deixa um sorriso na cara de qualquer leitor, por isso cuidado pois corre seriamente o risco de parecer inebriado ou apaixonado enquanto o lê. Não pretendo exagerar, e tomando nesta recensão um registo bastante pessoal para variar um pouco e sair de formalismos literários, devo dizer que o livro surpreendeu especialmente por isso, por esse condão mágico de me fazer recuar uns 20 anos e sentir-me a reviver a minha adolescência.
Tem havido grande burburinho em torno da série da Netflix, 13 reasons why, que narra o testemunho deixado por uma jovem de um liceu americano que se suicidou numa série de cassettes àqueles que terão contribuído para o seu sofrimento. Simon é um jovem do 11.º ano, tem quase 17 anos e vive algures na Georgia, numa cidade que não é inteiramente progressista mas que já revela outra abertura. E por um pequeno lapso, que é deixar a sua conta secreta de email aberta num computador da escola, Simon vê-se a ser chantageado por um colega até que, ironicamente por ser vítima do ciúme desse mesmo colega que está apaixonado por uma das melhores amigas de Simon, este acaba por revelar a toda a escola numa espécie de mural público da vergonha. O romance narra assim de forma actual uma história de descoberta da homossexualidade que é também a descoberta de um outro não muito diferente de nós e do amor numa tenra idade que deveria ser inocente e livre, alternando entre o registo na primeira pessoa do que se vai sucedendo na escola e em casa na vida de Simon e os emails trocados entre Simon e Blue, um amigo virtual que é alguém do seu ano de escola mas que evita deixar pistas quanto à sua verdadeira identidade. É nesta tensão, enquanto vítima de bullying, que Simon se vê denunciado e obrigado a revelar aos pais, amigos e colegas a sua homossexualidade.
Como escreve Nuno Pinto, Presidente da Direcção da ILGA Portugal, a história de Simon é a de muitos de nós: «a descoberta da homofobia, do preconceito, do insulto, do isolamento e da invisibilidade», mas O coração de Simon contra o mundo é também um livro que mostra que já estamos noutros tempos e que a homossexualidade já não significa a vergonha de outros tempos. Sem querer desvelar muito da narrativa, mas para mostrar como este livro escrito por uma psicóloga clínica (a mãe de Simon também é psicóloga) que acompanhou dezenas de jovens, inclusive em questões de género, pode ser útil e pertinente para tantos jovens, pais e professpres, deixo-vos com as palavras do próprio Simon quando ele se vê obrigado a “sair do armário” (e não nos esqueçamos que a própria adolescência era também ela conhecida como a idade do armário): «Tipo, acho que era disto que eu esperava. A minha mãe a perguntar-me o que estou a sentir, o meu pai a transformar tudo numa piada, a Alice a tornar tudo político e a Nora a ficar de boca fechada.» (p. 136).
Depois de rebentar a bomba já não há propriamente expulsões de casa ou pais a perguntarem-se “Oh Meu Deus onde é que eu errei?» mas Simon ainda assim se verá obrigado a enfrentar a humilhação de alguns colegas. Todavia, Simon mantém um humor delicioso (note-se que o título original do livro é Simon vs the Homo Sapiens agenda) enquanto narra o seu périplo e num registo cuidado e por vezes claramente cuidado mas sem cair na pieguice dá-nos conta do que significa ser homossexual nos tempos que correm e assumir o risco de se apaixonar por alguém que nem se conhece pessoalmente: «O que sinto por ele é como o batimento do coração: suave e persistente, subjacente a tudo.» (p. 207).
Este tipo de relação virtual, sabemos, acontece muito hoje, tal como noutras gerações relações e casamentos se construíam quase completamente através de correspondência. É ainda particularmente curioso como na escrita da obra a autora opta em relação a duas personagens por nunca dizer expressamente a sua cor de pele. Só mais tarde é que o leitor acaba por perceber em certo contexto de conversas, o que demonstra um cuidado em abolir qualquer ideia de identidade como etiqueta genérica. Pode haver platonismos ou pode haver concepções romanceadas de como será o outro, mas ainda há quem se veja obrigado a esconder atrás de identidades falsas, até conseguir encontrar alguém que lhe estenda a mão e o faça perceber que o nosso coração também pode bater com o mundo. Ver artigo
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