Despedidas Impossíveis, de Han Kang, é o mais recente romance da autora sul-coreana vencedora do Nobel de Literatura em 2024, e publicado no original ainda em 2023, antes do anúncio do prémio. Foi ainda vencedor do Prémio Médicis 2023, ex-aequo com a tradução de Misericórdia, de Lídia Jorge – as autoras na altura encontraram-se. Ver artigo
Lições de Grego, de Han Kang, com tradução de Maria do Carmo Figueira, é o mais recente livro da autora coreana publicada pela Dom Quixote, e de que tenho lido tudo. Como foi recentemente noticiado, a atribuição do Prémio Médicis Étranger (pois passou-se a contemplar autores estrangeiros) foi em ex-aequo, a Lídia Jorge e a Hang Kang. O Médicis Étranger premeia a edição francesa de Impossibles Adieux que a Dom Quixote já anunciou que será publicado em 2024. Ver artigo
Misericórdia, o novo livro de Lídia Jorge, chega amanhã às livrarias. Depois de Estuário ter anunciado uma nova fase na sua escrita, este é um livro inteiramente novo na obra da autora, que está integralmente publicada pela Dom Quixote. Ver artigo
O Jardim sem Limites, de Lídia Jorge, conhece agora a 5.ª Edição, pelas Publicações Dom Quixote. Romance de matriz urbana, cuja acção parte de um caso real e decorre em espaços reconhecíveis de Lisboa, publicado pela primeira vez em 1995, consolidou a carreira da autora algarvia, representa um dos seus mais ambiciosos trabalhos e concedeu-lhe o Prémio Bordallo Pinheiro de Literatura da Casa da Imprensa. Ver artigo
Em junho deste ano, foi publicada a biografia de José Cardoso Pires, intitulada Integrado Marginal, publicado pela Contraponto. Resultado de três anos de trabalho do premiado escritor Bruno Vieira Amaral, representa o terceiro volume da coleção de Biografias de Grandes Figuras da Cultura Portuguesa Contemporânea, onde figuram O Poço e a Estrada – Biografia de Agustina Bessa-Luís, de Isabel Rio Novo (já apresentada no Cultura.Sul). A sinopse do livro dá bem conta de como Cardoso Pires foi visto de formas tão desencontradas: «Notívago, boémio, brigão. Receoso de que a imagem pública lhe ensombrasse os méritos literários. Crítico do marialvismo. Acusado de ser marialva. Bem relacionado. Obcecado com a própria independência. O maior escritor da segunda metade do século XX. Um escritor datado e sem a mesma projeção internacional de um Lobo Antunes ou de um Saramago. Um espírito insubmisso. Um casamento duradouro. A convicção e a crença no próprio trabalho.» Ver artigo
Se Os Memoráveis encerrava um ciclo, iniciado com a obra de estreia sobre a Revolução de Abril, O Dia dos Prodígios, e fechado com esse trabalho de reconstrução ou resgate da memória da Revolução em Os Memoráveis, então este Estuário pode bem marcar uma nova fase na escrita da autora, como se pode ler na passagem: «Então, alguém teria de escrever esse livro, um livro que fosse, ao mesmo tempo, o último do passado e o primeiro do futuro.» (p. 15) Ver artigo
Entrevista a Lídia Jorge
Em Todos os Sentidos, uma compilação de crónicas da autora, foi publicado em Abril deste ano, pela Dom Quixote. A propósito desses 41 textos, entre o conto e o testemunho, entrevistámos a autora que foi também agraciada entretanto com o Prémio da Feira Internacional do Livro de Guadalajara para Línguas Românicas. Nada mais merecido, além de que se assinala este ano os 40 anos de vida literária de Lídia Jorge, cujo romance de estreia foi publicado em 1980 e marca uma cisão na literatura portuguesa pós-25 de Abril.
No primeiro texto, «A Caminho do Bosque», leva tempo até chegar à questão fulcral. Será o ritmo calmo desta primeira crónica próprio de quem tenta encontrar o seu tempo de escrita?
R – Essa é uma observação curiosa, relacionar o ritmo espaçado na descrição do movimento das árvores com a busca de um modelo de construção da crónica. Mas a questão é ligeiramente diferente. Estas crónicas são construídas a partir de uma imagem, um tema, em geral anódino ou quase, que depois se desenvolve e alcança um outro sentido no final. Foram-me chamando a atenção para isso, e acabei por verificar que era assim. Suspeito que seja a contaminação da estrutura narrativa, a fórmula do conto emprestada à crónica.
A ordem de publicação das crónicas respeita a ordem pela qual foram transmitidas?
R- Sim, respeita. Além das poucas alterações que vêm mencionadas na nota final do livro, as crónicas publicadas seguem a ordem e o texto que lhes deram origem.
A Casa do Bosque, rodeada pelas árvores de frutos, que refere diversas vezes corresponde à casa da sua mãe, o seu refúgio predilecto de escrita?
R – De facto, corresponde. Um título alternativo para estas crónicas seria “Crónicas da Casa do Bosque”. Foram escritas no ambiente desta casa. Uma casa no meio do mato, como aqui lhe chamam. Uma floresta de árvores de sequeiro, uma floresta esparsa. Ao longo dos anos este local tem permitido concentrar-me.
Teve receio de que lhe acontecesse o mesmo do que a Clarice Lispector, despedida por não saber escrever crónicas?
R – Claro que sim, mas não foi isso que aconteceu. João Almeida, director da Antena 2 da Rádio Pública parece ter achado graça a estas crónicas. Falámos algumas vezes sobre elas. Entendemo-nos bem. Acabámos por colaborar com gosto. O título “Em Todos os Sentidos” foi o João Almeida quem o criou. Acabámos até por fazer um audiolivro em colaboração. Mas é preciso ser justo, as minhas crónicas são longas, descritivas, narrativas. Clarice era genial, bastavam-lhe duas linhas ou pouco mais para criar um monumento.
Existem vários temas recorrentes, mas nenhum tão presente como o tempo ou uma sensação de espanto, ou cautela, face aos novos tempos.
R – Claro que sim. Estamos no fundo da vaga que faz o nosso tempo. Não vemos o cimo da ondulação, não sabemos onde estamos. A nossa geração passou por uma revolução digital e encaminha-se para uma outra, a revolução da inteligência artificial. São mudanças rápidas que apresentam ganhos formidáveis para a Humanidade. Ao mesmo tempo, trazem consigo não só a perturbação que todos os saltos civilizacionais desencadeiam como albergam riscos que contradizem o progresso criado pelo desenvolvimento tecnológico. O princípio grego do homem como medida de todas as coisas está em risco de desaparecer. Quando os jovens clamam nas ruas de que não há Planeta B, eles estão a expressar o receio de que embarquemos não só na exploração assassina da Terra, mas também o medo de que a vida humana em vez de melhorar, deixe simplesmente de o ser. Implicitamente, também estão a dizer que não há Humanidade B.
Atendendo ao ofício da escrita como acto de natureza solitária, ter os seus textos difundidos na rádio permitiu-lhe ter retorno dos ouvintes?
R – A participação em rádio ou televisão desencadeia uma comunicação imediata muito interessante. O diálogo torna-se mais rápido, a opinião e o juízo de valor faz-se sobre o momento. As pessoas podem trocar experiências entre si a propósito dos temas e dos casos relatados. Depois da crónica «A Rapariga dos Fósforos», que relata um caso de burla nunca bem explicado, muitos amigos me contaram outros casos semelhantes. O conto de Hans Christian Andersen estava sempre como pano de fundo.
Reencontramos personagens e histórias, em especial do seu primeiro livro O Dia dos Prodígios. Algumas já conhecidas como José Jorge Júnior (seu avô) ou as vítimas que se fundiram na porteira do conto Marido. Mas a de Manuel Gertrudes é uma completa novidade ou a do Grande Hotel que se metamorfoseou no Stella Maris de A Costa dos Murmúrios.
R – Os livros têm histórias paralelas que constituem o seu substrato. Milan Kundera diz evitar falar da sua biografia porque os seus dados pessoais são apenas os tijolos do edifício da sua obra. Mas sobre “A Insustentável Leveza do Ser” Kundera contou como lhe surgiu a ideia, e como a transfigurou. Nem ele nem o livro ficaram diminuídos, pelo contrário. O soldado Manuel Gertrudes teve importância de vários modos na minha vida e a sua história pessoal entrou de várias formas para o interior dos meus livros. “A Costa dos Murmúrios” foi escrito porque a casa onde esse antigo soldado da Grande Guerra tinha morado ia ser transformada para sempre. Eu tive a ideia de que o derrube das paredes era o último murmúrio da sua história. Tinham acabado as palavras. Esse facto levou-me a escrever esse livro e além do mais sugeriu-me o próprio título. A escrita é uma aventura entre seres humanos. De certa forma, em cada livro, há muita gente de mãos dadas.
Fala-nos ainda de um menino chamado Guilherme, que tal como Jesuína Palha agarrou uma serpente com as mãos para a matar: «Não avaliava a imagem que haveria de criar para sempre em alguém que tinha estado presente. Ainda hoje, ele não sabe que a sua imagem permaneceu como uma imagem inapagável em quem viria a escrever O Dia dos Prodígios, tão inapagável que se mantém como a base dessa história, e a partir de então pinta a portada de todos os seus livros.»
A serpente alada de O Dia dos Prodígios é um símbolo que é também a sua imagem de marca, o que já vem da primeira edição da obra na Europa-América, e se manteve na Dom Quixote (aparece em todas as suas obras). Sabemos que é a serpente do seu primeiro romance mas há aí outra história por detrás… E porquê a cobra como símbolo?
R- Foi acontecendo. O Dia dos Prodígios está construído em torno desse mito. O mito ofídico estava muito vivo no Algarve, quando eu era criança. Pelo menos no centro do Algarve. A ideia que se passava era de que, quando as serpentes tinham muita idade, criavam asas e voavam. Passei a infância com receio de que não fossem pássaros as aves que vinham beber nas pias da nossa casa mas serpentes voadoras. Depois, a edição da Europa-América apresentava a cobra voadora, a olhar para nós, bem assanhada, terrível. Eu gostei. Achei que olhava para ela e a vencia. Depois a serpente foi-se estilizando e tornou-se anémica. Agora é já só um arabesco. Mas eu sinto-me sempre diante do bicho feroz e a figura do Guilherme defende-me.
Nas suas crónicas parece sempre preferir problematizar em vez de apontar e opinar. A certa altura, refere «Não me quero intrometer em assunto tão delicado…».
R – Não me eximo a dar opinião, mas gosto de ouvir a opinião dos outros. A ficção deu-me a capacidade de escutar, julgo. A leitura e a prática da ficção ajudam a deslocar-nos do nosso ponto de vista para o ponto de vista dos outros. O que não significa fraqueza de opinião, bem pelo contrário. O contraditório é o nervo que estimula e sustenta a opinião própria.
Há outros momentos em que a ironia predomina, como quando fala do Brexit remetendo-nos para a imagem de A Jangada de Pedra de Saramago. Até porque também cabe à literatura iluminar a realidade…
R – A megalomania resulta sempre num triste espectáculo, quando não em tristes situações como as que estão a acontecer no mundo de hoje. Os Estados Unidos, o Reino Unido, o Brasil, a Turquia, e muitos mais, padecem dessa doença infernal que é o infantilismo. O slogan do Great Again que se espalhou pelo mundo anglo-saxónico é a reprodução do pensamento de Hitler que galvanizou a Alemanha para a trágica aventura da Segunda Guerra Mundial e do Holocausto. O momento delicado que atravessamos ora nos faz chorar, ora nos faz rir. Por vezes, eu gosto de sorrir.
Serve-nos alguns pormenores da sua vida mais privada, como a referência ao Carlos. Foi uma partilha arriscada ou uma espontaneidade consciente?
R – Foi para brincar com o Ignácio de Loyola Brandão, amigo do Carlos. Foi o Carlos Albino quem me apresentou o Ignácio há muitos anos. Nunca mais deixámos de estar próximo. O Ignácio é um grande escritor e um bom amigo. Na crónica “Tempestade”, eu quis descrever-lhe a situação climática do Algarve e ao mesmo tempo celebrar a sua obra.
Sei que passou um momento difícil recentemente, à semelhança de muitos portugueses. Não sei se quer falar-nos sobre isso.
R – A minha mãe faleceu com Covid 19. Estava muito débil, o vírus entrou nela e levou-a. Foi muito duro. Ao contrário da Gripe Espanhola que atingia os jovens saudáveis, este vírus atinge os mais frágeis. Estamos perante a força da Natureza que não olha a quem. E nós somos débeis, soberbos mas débeis. Este é um momento de tomada de consciência da nossa vulnerabilidade. Deveria juntar-nos.
Houve uma onda calorosa de felicitações a propósito do prémio que lhe foi recentemente atribuída, por parte dos leitores e dos escritores. Temos uma geração jovem que lhe está reconhecida. Como vive essa boa nova?
R – Cada geração traz a sua luz muito própria. Como dizia o Eduardo Lourenço, as gerações mais novas sempre são parricidas, matricidas. Por isso, em geral, os mais velhos leem mais os mais novos do que o seu contrário. É natural. Mas quando nos encontramos e nos reconhecemos, com propostas diferentes, porque saídas de tempos diferentes, e nos respeitamos mutuamente, temos mais possibilidades de fazer vingar uma Literatura. Eu gosto de ler os jovens e de falar deles. Obrigada àqueles que por acaso já tenham lido uma página minha, e que estejam contentes com o significado do Prémio FIL de Guadalajara.
Sei que já falámos noutra entrevista sobre isto, mas anos depois não resisto a perguntar. Ainda sente que Estuário marca uma nova fase na sua escrita? Imagino aliás que deve estar para sair um novo romance…
R- Quando um livro sai, se acreditamos nele, sentimo-nos em estado de êxtase durante um tempo. Uma tendência para se ser fanfarrão, como dizia o John Sheever. Em relação a Estuário ainda estou nessa fase. Mas ela vem sobretudo de Os Memoráveis. Nesses dois livros a subversão do plano real é o seu suporte. O que estou a escrever vai de novo por aí. Magritte dizia que só pintava sobre o além. Posso não o conseguir, mas é o que tento fazer.
Na sua crónica sobre a Beira, não tenho uma pergunta mas uma possível resposta. Quando escreve: «Agora, vêem‑se as imagens e não se consegue acreditar. A cidade, os arredores da cidade, todo o rio Buzi, todo esse espaco geográfico raso, ficou em convulsão». Percebemos que a passagem do ciclone Idai foi algo que a tocou particularmente até porque viveu na Beira. Refere depois «A cada dia que passa, o que acontece lá é como se acontecesse aqui, o que acontece aos outros é o mesmo que pode acontecer na nossa rua. A Terra é um só espaço, e todos os países estão unidos pelo mesmo traço de convivência necessária. (…) Que palavra temos para chamar a isto?»
A minha resposta é cooperação. Portugal reagiu tão prontamente à tragédia que os próprios beirenses acolhiam-nos com um sorriso imenso. Foi palpável a sua gratidão pela ajuda que procurámos dar naqueles momentos críticos.
R – O seu comentário dá razão ao que penso. A palavra que utiliza está certa, cooperação. Cooperação é mais forte do que solidariedade. A solidariedade ainda mantém a conotação de que passa da mão que tem para a mão que recebe. Cooperação fala do que também se recebe em troca quando se dá. E do que se dá quando se recebe. Fala da dádiva recíproca, e da responsabilidade mútua. Como se fôssemos só um povo. Não se trata de palavras piedosas, mas de puro resgate. Ao mal e ao bem assiste o dever de partilha. A Literatura, disciplina de beleza por excelência, criada para júbilo do poder das palavras, promove esse encontro. Se isto não for assim, então não sei nada sobre este mundo.
Adiei a leitura, como quem guarda um chocolate para uma emergência, do mais recente livro de Lídia Jorge. Em Todos os Sentidos foi publicado em Abril deste ano, pela Dom Quixote, durante a fase em que o mundo parou e entrou em quarentena. Mas a propósito de a autora ter sido recentemente agraciada com o Prémio da Feira Internacional do Livro de Guadalajara para Línguas Românicas (a 2.ª autora portuguesa a vencer o prémio, depois de António Lobo Antunes), agarrei finalmente no livro.
«As crónicas que se seguem resultam de um convite que João Almeida me fez, em Dezembro de 2018, para que aceitasse colaborar com a Rádio Pública num programa para o qual ele já tinha criado o título – Em Todos os Sentidos.» (p. 11)
Ao longo de 2019, durante 10 meses, foram transmitidas 43 crónicas da autora nesse programa difundido na Antena 2 – dois dos textos já existiam e foram adaptados; a crónica de Agustina foi lida 2 vezes, pois foi repetida a transmissão como homenagem na altura do seu falecimento; uma das crónicas («Tempestade») acabou por não ser lida. Do total dessas crónicas, este livro resulta em 41 textos aqui publicados.
Nestas crónicas, se é que assim lhe podemos chamar, são abordados vários temas, alguns deles recorrentes, como o tempo, o futuro, a velocidade dos nossos tempos, a tecnologia, a literatura, quem engoliu a literatura, o cinema, a definição da Europa, etc.
(…)
«Dizem‑me que estas crónicas não são verdadeiras crónicas porque têm contos na sua origem. Aceito essa declaração de impureza. Infiel seria eu se assim não fosse. Pois, na verdade, escrevo contos desde que aprendi a redigir, e penso contos que não escrevo como uma forma própria de pensar sobre tudo aquilo que causa intriga ou espanto. Porque um conto é um raciocínio colorido. Se me perguntam sobre o sentido do passado, eu começo por responder – Era uma vez. Se me perguntam sobre as tensões do presente, começarei de novo por – Era uma vez. E nada poderei desejar sobre o futuro que não inclua essa fórmula de adivinhação – Sim, era uma vez, no futuro será assim…» (pág. 149)
«As crónicas que se seguem resultam de um convite que João Almeida me fez, em Dezembro de 2018, para que aceitasse colaborar com a Rádio Pública num programa para o qual ele já tinha criado o título – Em Todos os Sentidos.» (p. 11)
Ao longo de 2019, durante 10 meses, foram transmitidas 43 crónicas da autora nesse programa difundido na Antena 2 – dois dos textos já existiam e foram adaptados; a crónica de Agustina foi lida 2 vezes, pois foi repetida a transmissão como homenagem na altura do seu falecimento; uma das crónicas («Tempestade») acabou por não ser lida. Do total dessas crónicas, este livro resulta em 41 textos aqui publicados.
Nestas crónicas, se é que assim lhe podemos chamar, são abordados vários temas, alguns deles recorrentes, como o tempo, o futuro, a velocidade dos nossos tempos, a tecnologia, a literatura, quem engoliu a literatura, o cinema, a definição da Europa, etc.
(…)
«Dizem‑me que estas crónicas não são verdadeiras crónicas porque têm contos na sua origem. Aceito essa declaração de impureza. Infiel seria eu se assim não fosse. Pois, na verdade, escrevo contos desde que aprendi a redigir, e penso contos que não escrevo como uma forma própria de pensar sobre tudo aquilo que causa intriga ou espanto. Porque um conto é um raciocínio colorido. Se me perguntam sobre o sentido do passado, eu começo por responder – Era uma vez. Se me perguntam sobre as tensões do presente, começarei de novo por – Era uma vez. E nada poderei desejar sobre o futuro que não inclua essa fórmula de adivinhação – Sim, era uma vez, no futuro será assim…» (pág. 149)
O Dia dos Prodígios é um dos livros mais importantes para mim. É uma das obras que eu trabalhei, durante mais de 8 anos, na minha vida académica.
É o romance de estreia de Lídia Jorge, uma das maiores autoras da Literatura Portuguesa contemporânea.
Foi publicado em 1980, por acaso no mesmo ano em que eu nasci, e na altura marcou uma grande mudança na literatura portuguesa, numa sociedade que também mudou com a Revolução do 25 de Abril.
Uma das personagens favoritas do romance, e de todos os romances que conheço, é Branca.
Branca está a bordar um dragão numa colcha branca mas começa a ter medo do desenho, pois sente o dragão a mover-se pela casa como um monstro, uma assombração. Como se todo o tempo e energia que ela gastou no bordado lhe tivessem conferido algum poder vital e dado vida: «Agora o dragão começa a ter uma forma de verdadeiro animal réptil voante. Porque o contorno da asa cinza vivo se abre em leque no meio do pano e o corpo do bicho de escamas miúdas. (…) Sendo potente e metalizado enrosca pelo tecido, e as patas abertas parecem agarrar seres vivos.» (p. 88).
É o romance de estreia de Lídia Jorge, uma das maiores autoras da Literatura Portuguesa contemporânea.
Foi publicado em 1980, por acaso no mesmo ano em que eu nasci, e na altura marcou uma grande mudança na literatura portuguesa, numa sociedade que também mudou com a Revolução do 25 de Abril.
Uma das personagens favoritas do romance, e de todos os romances que conheço, é Branca.
Branca está a bordar um dragão numa colcha branca mas começa a ter medo do desenho, pois sente o dragão a mover-se pela casa como um monstro, uma assombração. Como se todo o tempo e energia que ela gastou no bordado lhe tivessem conferido algum poder vital e dado vida: «Agora o dragão começa a ter uma forma de verdadeiro animal réptil voante. Porque o contorno da asa cinza vivo se abre em leque no meio do pano e o corpo do bicho de escamas miúdas. (…) Sendo potente e metalizado enrosca pelo tecido, e as patas abertas parecem agarrar seres vivos.» (p. 88).
A reler a obra O Jardim sem Limites, de Lídia Jorge (Dom Quixote), para ultimar um artigo.
Tal como a autora invoca recorrentemente, a propósito da personagem de Leonardo, o Static Man, a música de Einstein on the beach (1979), de Philip Glass, a par da alusão constante ao martelar das teclas na sua Remington, com a constante onomatopeica do clap clap clap, também eu me senti impelido, ainda mais por ser um amante da música deste compositor minimalista, a escrever exclusivamente ao som deste seu álbum. O que na verdade não é assim tão estranho, se eu confessar que Glass me acompanha e me serve de banda sonora há vários anos.
Quando me propus trabalhar a relação entre cinema e literatura, ocorreram-me diversas obras da minha escritora predilecta, como o óbvio A Costa dos Murmúrios, devido à adaptação ao grande ecrã por Teresa Cardoso, ou O Vento Assobiando nas Gruas, também extremamente visual, tendo já recebido várias propostas de uma realizadora e sido submetido a concursos, sem que depois se avance, aparentemente por falta de fundos . Contudo desde um primeiro momento que comecei a relembrar o impacto da leitura de O Jardim sem Limites sobre mim, talvez porque a recorrência de motivos na sua insistência quase obsessiva possa deixar realmente marcas no leitor, como um pulsar subliminar.
Esta é possivelmente uma das obras mais complexas da autora e que assinalou aliás a sua maturidade literária, ainda que não pareça ser a obra que mais impacto teve na crítica ou junto do público leitor. É um labirinto de múltiplas entradas, a que me interessa destacar a sua vertente metaficcional que se concretiza, também, na relação entre escrita e cinema, por diversas vias, como pretendo ilustrar no trabalho em curso…
Tal como a autora invoca recorrentemente, a propósito da personagem de Leonardo, o Static Man, a música de Einstein on the beach (1979), de Philip Glass, a par da alusão constante ao martelar das teclas na sua Remington, com a constante onomatopeica do clap clap clap, também eu me senti impelido, ainda mais por ser um amante da música deste compositor minimalista, a escrever exclusivamente ao som deste seu álbum. O que na verdade não é assim tão estranho, se eu confessar que Glass me acompanha e me serve de banda sonora há vários anos.
Quando me propus trabalhar a relação entre cinema e literatura, ocorreram-me diversas obras da minha escritora predilecta, como o óbvio A Costa dos Murmúrios, devido à adaptação ao grande ecrã por Teresa Cardoso, ou O Vento Assobiando nas Gruas, também extremamente visual, tendo já recebido várias propostas de uma realizadora e sido submetido a concursos, sem que depois se avance, aparentemente por falta de fundos . Contudo desde um primeiro momento que comecei a relembrar o impacto da leitura de O Jardim sem Limites sobre mim, talvez porque a recorrência de motivos na sua insistência quase obsessiva possa deixar realmente marcas no leitor, como um pulsar subliminar.
Esta é possivelmente uma das obras mais complexas da autora e que assinalou aliás a sua maturidade literária, ainda que não pareça ser a obra que mais impacto teve na crítica ou junto do público leitor. É um labirinto de múltiplas entradas, a que me interessa destacar a sua vertente metaficcional que se concretiza, também, na relação entre escrita e cinema, por diversas vias, como pretendo ilustrar no trabalho em curso…
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