“A vida imaginária de Pessoa era como que infinita” Ver artigo
Apneia, o mais recente romance de Tânia Ganho foi publicado o ano passado pela Casa das Letras e é agora um dos nomeados na categoria Melhor Livro de Ficção Lusófona do Prémio Bertrand Livreiros. Ver artigo
O regresso de Júlia Mann a Paraty, de Teolinda Gersão, cuja obra é publicada pela Porto Editora, foi lançado em Janeiro deste ano, em simultâneo com a publicação da 7.ª edição da colectânea de contos A mulher que prendeu a chuva e outras histórias. A autora, que completa agora 81 anos e celebra os seus 40 anos de vida literária, foi leitora de português na Universidade Técnica de Berlim, e professora catedrática da Universidade Nova de Lisboa, onde ensinou Literatura Alemã e Literatura Comparada. Ver artigo
Entrevista a Lídia Jorge
Em Todos os Sentidos, uma compilação de crónicas da autora, foi publicado em Abril deste ano, pela Dom Quixote. A propósito desses 41 textos, entre o conto e o testemunho, entrevistámos a autora que foi também agraciada entretanto com o Prémio da Feira Internacional do Livro de Guadalajara para Línguas Românicas. Nada mais merecido, além de que se assinala este ano os 40 anos de vida literária de Lídia Jorge, cujo romance de estreia foi publicado em 1980 e marca uma cisão na literatura portuguesa pós-25 de Abril.
No primeiro texto, «A Caminho do Bosque», leva tempo até chegar à questão fulcral. Será o ritmo calmo desta primeira crónica próprio de quem tenta encontrar o seu tempo de escrita?
R – Essa é uma observação curiosa, relacionar o ritmo espaçado na descrição do movimento das árvores com a busca de um modelo de construção da crónica. Mas a questão é ligeiramente diferente. Estas crónicas são construídas a partir de uma imagem, um tema, em geral anódino ou quase, que depois se desenvolve e alcança um outro sentido no final. Foram-me chamando a atenção para isso, e acabei por verificar que era assim. Suspeito que seja a contaminação da estrutura narrativa, a fórmula do conto emprestada à crónica.
A ordem de publicação das crónicas respeita a ordem pela qual foram transmitidas?
R- Sim, respeita. Além das poucas alterações que vêm mencionadas na nota final do livro, as crónicas publicadas seguem a ordem e o texto que lhes deram origem.
A Casa do Bosque, rodeada pelas árvores de frutos, que refere diversas vezes corresponde à casa da sua mãe, o seu refúgio predilecto de escrita?
R – De facto, corresponde. Um título alternativo para estas crónicas seria “Crónicas da Casa do Bosque”. Foram escritas no ambiente desta casa. Uma casa no meio do mato, como aqui lhe chamam. Uma floresta de árvores de sequeiro, uma floresta esparsa. Ao longo dos anos este local tem permitido concentrar-me.
Teve receio de que lhe acontecesse o mesmo do que a Clarice Lispector, despedida por não saber escrever crónicas?
R – Claro que sim, mas não foi isso que aconteceu. João Almeida, director da Antena 2 da Rádio Pública parece ter achado graça a estas crónicas. Falámos algumas vezes sobre elas. Entendemo-nos bem. Acabámos por colaborar com gosto. O título “Em Todos os Sentidos” foi o João Almeida quem o criou. Acabámos até por fazer um audiolivro em colaboração. Mas é preciso ser justo, as minhas crónicas são longas, descritivas, narrativas. Clarice era genial, bastavam-lhe duas linhas ou pouco mais para criar um monumento.
Existem vários temas recorrentes, mas nenhum tão presente como o tempo ou uma sensação de espanto, ou cautela, face aos novos tempos.
R – Claro que sim. Estamos no fundo da vaga que faz o nosso tempo. Não vemos o cimo da ondulação, não sabemos onde estamos. A nossa geração passou por uma revolução digital e encaminha-se para uma outra, a revolução da inteligência artificial. São mudanças rápidas que apresentam ganhos formidáveis para a Humanidade. Ao mesmo tempo, trazem consigo não só a perturbação que todos os saltos civilizacionais desencadeiam como albergam riscos que contradizem o progresso criado pelo desenvolvimento tecnológico. O princípio grego do homem como medida de todas as coisas está em risco de desaparecer. Quando os jovens clamam nas ruas de que não há Planeta B, eles estão a expressar o receio de que embarquemos não só na exploração assassina da Terra, mas também o medo de que a vida humana em vez de melhorar, deixe simplesmente de o ser. Implicitamente, também estão a dizer que não há Humanidade B.
Atendendo ao ofício da escrita como acto de natureza solitária, ter os seus textos difundidos na rádio permitiu-lhe ter retorno dos ouvintes?
R – A participação em rádio ou televisão desencadeia uma comunicação imediata muito interessante. O diálogo torna-se mais rápido, a opinião e o juízo de valor faz-se sobre o momento. As pessoas podem trocar experiências entre si a propósito dos temas e dos casos relatados. Depois da crónica «A Rapariga dos Fósforos», que relata um caso de burla nunca bem explicado, muitos amigos me contaram outros casos semelhantes. O conto de Hans Christian Andersen estava sempre como pano de fundo.
Reencontramos personagens e histórias, em especial do seu primeiro livro O Dia dos Prodígios. Algumas já conhecidas como José Jorge Júnior (seu avô) ou as vítimas que se fundiram na porteira do conto Marido. Mas a de Manuel Gertrudes é uma completa novidade ou a do Grande Hotel que se metamorfoseou no Stella Maris de A Costa dos Murmúrios.
R – Os livros têm histórias paralelas que constituem o seu substrato. Milan Kundera diz evitar falar da sua biografia porque os seus dados pessoais são apenas os tijolos do edifício da sua obra. Mas sobre “A Insustentável Leveza do Ser” Kundera contou como lhe surgiu a ideia, e como a transfigurou. Nem ele nem o livro ficaram diminuídos, pelo contrário. O soldado Manuel Gertrudes teve importância de vários modos na minha vida e a sua história pessoal entrou de várias formas para o interior dos meus livros. “A Costa dos Murmúrios” foi escrito porque a casa onde esse antigo soldado da Grande Guerra tinha morado ia ser transformada para sempre. Eu tive a ideia de que o derrube das paredes era o último murmúrio da sua história. Tinham acabado as palavras. Esse facto levou-me a escrever esse livro e além do mais sugeriu-me o próprio título. A escrita é uma aventura entre seres humanos. De certa forma, em cada livro, há muita gente de mãos dadas.
Fala-nos ainda de um menino chamado Guilherme, que tal como Jesuína Palha agarrou uma serpente com as mãos para a matar: «Não avaliava a imagem que haveria de criar para sempre em alguém que tinha estado presente. Ainda hoje, ele não sabe que a sua imagem permaneceu como uma imagem inapagável em quem viria a escrever O Dia dos Prodígios, tão inapagável que se mantém como a base dessa história, e a partir de então pinta a portada de todos os seus livros.»
A serpente alada de O Dia dos Prodígios é um símbolo que é também a sua imagem de marca, o que já vem da primeira edição da obra na Europa-América, e se manteve na Dom Quixote (aparece em todas as suas obras). Sabemos que é a serpente do seu primeiro romance mas há aí outra história por detrás… E porquê a cobra como símbolo?
R- Foi acontecendo. O Dia dos Prodígios está construído em torno desse mito. O mito ofídico estava muito vivo no Algarve, quando eu era criança. Pelo menos no centro do Algarve. A ideia que se passava era de que, quando as serpentes tinham muita idade, criavam asas e voavam. Passei a infância com receio de que não fossem pássaros as aves que vinham beber nas pias da nossa casa mas serpentes voadoras. Depois, a edição da Europa-América apresentava a cobra voadora, a olhar para nós, bem assanhada, terrível. Eu gostei. Achei que olhava para ela e a vencia. Depois a serpente foi-se estilizando e tornou-se anémica. Agora é já só um arabesco. Mas eu sinto-me sempre diante do bicho feroz e a figura do Guilherme defende-me.
Nas suas crónicas parece sempre preferir problematizar em vez de apontar e opinar. A certa altura, refere «Não me quero intrometer em assunto tão delicado…».
R – Não me eximo a dar opinião, mas gosto de ouvir a opinião dos outros. A ficção deu-me a capacidade de escutar, julgo. A leitura e a prática da ficção ajudam a deslocar-nos do nosso ponto de vista para o ponto de vista dos outros. O que não significa fraqueza de opinião, bem pelo contrário. O contraditório é o nervo que estimula e sustenta a opinião própria.
Há outros momentos em que a ironia predomina, como quando fala do Brexit remetendo-nos para a imagem de A Jangada de Pedra de Saramago. Até porque também cabe à literatura iluminar a realidade…
R – A megalomania resulta sempre num triste espectáculo, quando não em tristes situações como as que estão a acontecer no mundo de hoje. Os Estados Unidos, o Reino Unido, o Brasil, a Turquia, e muitos mais, padecem dessa doença infernal que é o infantilismo. O slogan do Great Again que se espalhou pelo mundo anglo-saxónico é a reprodução do pensamento de Hitler que galvanizou a Alemanha para a trágica aventura da Segunda Guerra Mundial e do Holocausto. O momento delicado que atravessamos ora nos faz chorar, ora nos faz rir. Por vezes, eu gosto de sorrir.
Serve-nos alguns pormenores da sua vida mais privada, como a referência ao Carlos. Foi uma partilha arriscada ou uma espontaneidade consciente?
R – Foi para brincar com o Ignácio de Loyola Brandão, amigo do Carlos. Foi o Carlos Albino quem me apresentou o Ignácio há muitos anos. Nunca mais deixámos de estar próximo. O Ignácio é um grande escritor e um bom amigo. Na crónica “Tempestade”, eu quis descrever-lhe a situação climática do Algarve e ao mesmo tempo celebrar a sua obra.
Sei que passou um momento difícil recentemente, à semelhança de muitos portugueses. Não sei se quer falar-nos sobre isso.
R – A minha mãe faleceu com Covid 19. Estava muito débil, o vírus entrou nela e levou-a. Foi muito duro. Ao contrário da Gripe Espanhola que atingia os jovens saudáveis, este vírus atinge os mais frágeis. Estamos perante a força da Natureza que não olha a quem. E nós somos débeis, soberbos mas débeis. Este é um momento de tomada de consciência da nossa vulnerabilidade. Deveria juntar-nos.
Houve uma onda calorosa de felicitações a propósito do prémio que lhe foi recentemente atribuída, por parte dos leitores e dos escritores. Temos uma geração jovem que lhe está reconhecida. Como vive essa boa nova?
R – Cada geração traz a sua luz muito própria. Como dizia o Eduardo Lourenço, as gerações mais novas sempre são parricidas, matricidas. Por isso, em geral, os mais velhos leem mais os mais novos do que o seu contrário. É natural. Mas quando nos encontramos e nos reconhecemos, com propostas diferentes, porque saídas de tempos diferentes, e nos respeitamos mutuamente, temos mais possibilidades de fazer vingar uma Literatura. Eu gosto de ler os jovens e de falar deles. Obrigada àqueles que por acaso já tenham lido uma página minha, e que estejam contentes com o significado do Prémio FIL de Guadalajara.
Sei que já falámos noutra entrevista sobre isto, mas anos depois não resisto a perguntar. Ainda sente que Estuário marca uma nova fase na sua escrita? Imagino aliás que deve estar para sair um novo romance…
R- Quando um livro sai, se acreditamos nele, sentimo-nos em estado de êxtase durante um tempo. Uma tendência para se ser fanfarrão, como dizia o John Sheever. Em relação a Estuário ainda estou nessa fase. Mas ela vem sobretudo de Os Memoráveis. Nesses dois livros a subversão do plano real é o seu suporte. O que estou a escrever vai de novo por aí. Magritte dizia que só pintava sobre o além. Posso não o conseguir, mas é o que tento fazer.
Na sua crónica sobre a Beira, não tenho uma pergunta mas uma possível resposta. Quando escreve: «Agora, vêem‑se as imagens e não se consegue acreditar. A cidade, os arredores da cidade, todo o rio Buzi, todo esse espaco geográfico raso, ficou em convulsão». Percebemos que a passagem do ciclone Idai foi algo que a tocou particularmente até porque viveu na Beira. Refere depois «A cada dia que passa, o que acontece lá é como se acontecesse aqui, o que acontece aos outros é o mesmo que pode acontecer na nossa rua. A Terra é um só espaço, e todos os países estão unidos pelo mesmo traço de convivência necessária. (…) Que palavra temos para chamar a isto?»
A minha resposta é cooperação. Portugal reagiu tão prontamente à tragédia que os próprios beirenses acolhiam-nos com um sorriso imenso. Foi palpável a sua gratidão pela ajuda que procurámos dar naqueles momentos críticos.
R – O seu comentário dá razão ao que penso. A palavra que utiliza está certa, cooperação. Cooperação é mais forte do que solidariedade. A solidariedade ainda mantém a conotação de que passa da mão que tem para a mão que recebe. Cooperação fala do que também se recebe em troca quando se dá. E do que se dá quando se recebe. Fala da dádiva recíproca, e da responsabilidade mútua. Como se fôssemos só um povo. Não se trata de palavras piedosas, mas de puro resgate. Ao mal e ao bem assiste o dever de partilha. A Literatura, disciplina de beleza por excelência, criada para júbilo do poder das palavras, promove esse encontro. Se isto não for assim, então não sei nada sobre este mundo.
Juliet Marillier, publicada em Portugal pela Planeta Editora, é uma autora best-seller, estatuto que mantém desde o seu primeiro romance, A Filha da Floresta.
A Harpa dos Reis é o primeiro livro da nova série Bardos Guerreiros.
Mundialmente conhecida na área da fantasia histórica celta, a autora nasceu em Dunedin, Nova Zelândia, a cidade mais escocesa fora da Escócia. Os seus livros combinam romance e história, drama e fantasia, folclore e mitologia, no contexto do universo celta. Já venceu 15 prémios literários, como o prestigiado Aurealis Award. Entre diversas trilogias, destacam-se três séries de imenso sucesso: Sevenwaters, Shadowfell e Blackthorn e Grim.
Foi professora de música, responsável por um grupo coral e cantora de ópera. Começou a publicar depois dos 40 anos e nunca mais parou. A autora é membro da ordem druídica OBOD (Ordem dos Bardos, Ovates e Druidas) e os seus valores espirituais reflectem-se muito na sua ficção – onde a relação das personagens humanas com o mundo natural desempenha um papel importante, assim como o poder da contação de histórias para ensinar e para curar.
Juliet Marillier já visitou Portugal e é fã dos livros de Saramago.
A Harpa dos Reis é o primeiro livro da nova série Bardos Guerreiros.
Mundialmente conhecida na área da fantasia histórica celta, a autora nasceu em Dunedin, Nova Zelândia, a cidade mais escocesa fora da Escócia. Os seus livros combinam romance e história, drama e fantasia, folclore e mitologia, no contexto do universo celta. Já venceu 15 prémios literários, como o prestigiado Aurealis Award. Entre diversas trilogias, destacam-se três séries de imenso sucesso: Sevenwaters, Shadowfell e Blackthorn e Grim.
Foi professora de música, responsável por um grupo coral e cantora de ópera. Começou a publicar depois dos 40 anos e nunca mais parou. A autora é membro da ordem druídica OBOD (Ordem dos Bardos, Ovates e Druidas) e os seus valores espirituais reflectem-se muito na sua ficção – onde a relação das personagens humanas com o mundo natural desempenha um papel importante, assim como o poder da contação de histórias para ensinar e para curar.
Juliet Marillier já visitou Portugal e é fã dos livros de Saramago.
Esta nova série iniciada com A Harpa dos Reis retoma duas personagens da saga anterior. Blackthorn e Grim (as suas personagens mais complexas) foram assim tão poderosas para a fazer continuar a sua história?
Adorei escrever a história de Blackthorn e Grim, personagens complexas e feridas, e quando pensei na trilogia dos Bardos Guerreiros apercebi-me que podia incluir “o que acontece depois” ao escrever sobre a geração seguinte: os seus filhos. Blackthorn e Grim foram absolutamente reais para mim, por isso foi um prazer continuar a sua história.
Os seus livros seguem uma fórmula, em que cada nova história é absolutamente original e apaixonante.
«As histórias são como bolos de mel. Mal provamos um, queremos outro e outro e sempre mais.» (p. 208)
Há elementos consistentes, em particular nos primeiros livros. Gosto de incluir uma história de amor; geralmente uma jovem protagonista feminina que descobre a sua força interior ao enfrentar um desafio; e muitas das histórias situam-se em culturas célticas dentro do mesmo período histórico. Mas não acredito que os livros sigam uma fórmula, até porque muitas vezes distancio-me.
Tem razão quanto aos bolos de mel. Uma história pode ser contada e recontada de muitas formas diferentes, e alterar-se-á para se adaptar ao tempo e cultura em que se insere. Dou valor ao papel da contação de histórias como meio de ensino e de cura, o que aliás influencia a minha escrita. Recorri a um conto tradicional como ponto de partida para 5 dos meus 23 livros, mas há temas e motivos de contos tradicionais, folclore e mitologia em todos. A minha estratégia tem-se desenvolvido nestes 20 anos como autora. Nas 2 obras mais recentes o tom foi mais negro. Tenho descido mais fundo na complexidade psicológica das personagens, e criar uma perspectiva partilhada entre os protagonistas feminino e masculino.
Concilia aqui vários aspectos dos seus livros, como se tudo convergisse neste universo ficcional.
Existem definitivamente afinidades entre A Harpa dos Reis e várias das minhas séries, como Sevenwaters e Blackthorn & Grim. O exército de guerreiros tatuados que primeiro apareceu em O Filho das Sombras ganha um papel mais relevante nesta série. Essas 3 trilogias situam-se no norte da Irlanda no mesmo período temporal (ainda que esta história com elementos sobrenaturais seja inspirada na mitologia e folclore local).
Pela primeira vez fornece informações sobre o mundo dos druidas. Contudo, o tema não lhe é novo.
Tenho personagens druidas noutros livros – Broichan em As Crónicas de Bridei, e Conor em Sevenwaters. Mas entrar nos nemetons, onde vivem os druidas, e experienciar um pouco da sua vida diária é uma novidade. Não sabemos como realmente era naquele tempo, uma vez que os druidas não deixaram muitos registos por escrito, mas acredito que as cenas da vida na comunidade druídica sejam bastante fidedignas, construídas com base em pistas históricas que temos sobre o treino dos druidas, crenças e rituais da época, e no Druídismo contemporâneo.
O que significa ser um druida hoje?
Há várias ordens druídicas activas hoje, espalhadas por todo o mundo. Sou um membro da Ordem dos Bardos, Ovates e Druidas. Enquanto caminho espiritual, o druídismo moderno é bastante flexível nas suas práticas e crenças. Os elementos que considero essenciais são a valorização do poder da contação de histórias como forma de ensinar e de curar; a compreensão do papel da humanidade na vastidão da natureza, o que leva a trabalho ambiental e de conservação; e a crença de que Deus ou a Deusa ou o Espírito existem em cada entidade viva, incluindo nos seres humanos, unindo-nos e sustendo-nos. Alguns druidas mantêm a sua prática de forma solitária, outros em grupos; uns praticam rituais, outros não. Quase todos adoram música, poesia e contar histórias.
«O mundo muda. As pessoas não praticam os costumes antigos nas suas vidas diárias como outrora faziam».
Parece falar dos seus livros.
É possível que uma história – numa época antiga, num mundo imaginário, ou no futuro – tenha um significado profundo e ressoe no íntimo do leitor. Ser uma história com elementos mágicos não a torna menos relevante para as nossas vidas. As velhas histórias de monstros e magia contadas há muito tempo em torno da fogueira não serviam apenas para entreter – eram igualmente concebidas para demonstrar às pessoas como podiam viver com bravura e sagacidade. Estou a contar esse mesmo género de histórias, e mesmo que chegue a um único leitor – se ele se sentir mais forte e sábio depois de ler um livro meu –, já me permite sentir que fiz o meu trabalho, como druida e como ser humano.
Os seus livros estão tão imbutidos de influências do folclore escocês e contos tradicionais que é quase errado considerá-los fantasia.
Cresci numa parte da Nova Zelândia fundada por imigrantes escoceses, e os meus antepassados são escoceses e irlandeses. Os elementos sobrenaturais dos meus livros baseiam-se sempre naquilo em que as pessoas acreditavam na época. Faço imensa pesquisa. Ainda que o mundo onde as personagens habitam seja cheio de magia, trata-se do nosso mundo real no referente à geografia, cultura, contexto histórico. Os desafios e provações que as personagens enfrentam, por exemplo a injustiça ou a tirania, são essencialmente os mesmos que enfrentamos hoje.
Existe frequentemente ajuda sobrenatural, sim, mas as histórias são sobre personagens humanas que encontram a sua própria força e sabedoria.
Quando foi a primeira vez que ouviu essas histórias?
Os meus pais eram músicos e leitores ávidos. Lembro-me de me contarem histórias do folclore e da mitologia. Ao aprender a ler essas eram as histórias que preferia. A minha família provém de países de tradição céltica pelo que tenho uma forte ligação a essas histórias e à música. Havia uma biblioteca fabulosa para crianças onde vivíamos, e eu requisitava imensos livros, particularmente as colecções de contos tradicionais de todo o mundo de Andrew Lang. Esses aspectos tiveram um forte impacto na minha escrita.
Ainda que este livro seja anterior à pandemia, transmite a mensagem de nos reconectarmos com a natureza, a fé, a arte.
«Esta canção deve constituir uma ponte entre o Povo Encantado e o povo humano. (…) Deve recordar a todos que em épocas de dificuldades sobreviveremos apenas se confiarmos e nos respeitarmos um ao outro.» (p. 212)
Vivemos tempos muito difíceis – não só pela pandemia, mas pela ameaça iminente das mudanças climáticas. Estamos à beira de um precipício, perto de destruir este mundo precioso e belo devido à ganância e à intolerância. A confiança e o respeito são essenciais para um trabalho colaborativo da humanidade face à crise, em vez de continuarmos com jogos de poder e nos recusarmos a aceitar o quão séria é a situação. Devemos respeitar-nos mutuamente e respeitar o mundo. Pode ser essa a mensagem. Gostaria que os políticos a ouvissem.
Perguntavam muitas vezes a Marion Zimmer Bradley: «De onde vêm as ideias para as suas histórias?». De onde vêm os seus sonhos – aqueles que nos faz sonhar com a sua ficção?
Penso que os sonhos nascem do meu amor pelo folclore e pela mitologia, da minha crença de que existe magia e mistério no mundo real – basta abrirmos as nossas mentes. Houve grandes períodos da vida em que enfrentei imensos desafios, mas consegui preservar (ou redescobrir) a sensação de maravilhamento que tinha em criança ao ler, e isso transparece nas minhas histórias. Talvez eu tenha algum ADN de contadora de histórias, transmitido pelos meus antepassados celtas.
Começou a escrever relativamente tarde. Agora escreve um livro a cada 2 anos.
Escrevo desde que tenho idade para assentar uma caneta num papel, e fui uma escritora bastante assídua em criança. Na universidade decidi estudar músicas e línguas, depois estive ocupada a criar 4 filhos enquanto mantinha diversos trabalhos, e só voltei à escrita criativa aos 40. Sempre gostei de ler, e como professora de música e como funcionária pública, continuei a escrever. Depois do meu casamento terminar, decidi escrever uma versão de um conto de que gostava muito, e nos 3 anos seguintes, enquanto mantinha a tempo inteiro um trabalho administrativo, escrevi o meu primeiro livro, A Filha da Floresta, escolhido pela editora Pan Macmillan. Foi o início da minha carreira de autora. Em média, escrevo um livro por ano desde então. Tive sorte em poder abdicar do meu trabalho, 4 anos depois do meu primeiro livro, e tornei-me escritora a tempo inteiro.
É muito activa – com trabalho comunitário, a socorrer cães, aulas de escrita. Como é que consegue tempo para escrever.
Escrever é a minha principal ocupação e encaixo as outras actividades conforme posso. Como trabalho em casa, as outras actividades permitem-me deixar regularmente a secretária e interagir com pessoas. Devido à pandemia não tenho feito oficinas de escrita ou eventos públicos, mas interajo bastante com os meus leitores através do Facebook. O jardim e os cães que resgato ajudam-me a centrar. Infelizmente, a minha pequena matilha está agora reduzida a um cão… os dois mais velhos morreram este ano.
Autores e livros favoritos?
Tenho lido imensas histórias de crimes. Sou uma grande fã de Anne Cleeves, autora das séries Shetland e Vera, adaptadas a séries populares. Também gosto de Elly Griffiths. Gosto de romances que combinem excelente prosa com uma história cativante. Dois dos mais recentes que li de fantasia são Circe, de Madeline Miller, e The Binding, de Bridget Collins – complexos, memoráveis, maravilhosamente escritos.
Esteve em Portugal em 2013. Foi a única vez? Que memórias levou?
Visitei Portugal 2 vezes a convite da minha editora. Viajei até Sintra com leitores do grupo Mundo Marillier. Adorei os antigos palácios e a beleza natural envolvente. Os edifícios em Lisboa com os seus mosaicos decorativos são lindíssimos. É uma cidade magnífica debruçada sobre o rio. Adorei poder conversar com os meus entusiásticos leitores, não só nas sessões promovidas, mas também em contextos mais informais. O café português é fantástico! Especialmente com um pastel de nata. Tenho pena de que as actuais condições excluam a possibilidade de viajar.
Imagina alguém capaz de adaptar as suas histórias ao cinema? Ou a uma série?
É possível, mas é difícil ter realizadores interessados – financiar um filme é bastante dispendioso. Adorava que fosse a Jane Campion ou o Peter Jackson.
O segundo livro da saga está publicado (mas ainda não em Portugal), pelo que o terceiro deve vir a caminho…
Definitivamente! Estou a trabalhar arduamente no livro, provisoriamente intitulado A Song of Flight. Está quase terminado. A edição original em inglês deve ser publicada em Agosto de 2021.
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