David Machado nasceu em Lisboa em 1978 e a sua obra é publicada pela Dom Quixote.
O seu livro Índice Médio da Felicidade foi adaptado ao cinema por Joaquim Leitão e vencedor do Prémio da União Europeia para a Literatura. Escreve ainda literatura infanto-juvenil, com obras de destaque como Não te afastes ou O Tubarão na Banheira.
Depois de Debaixo da Pele, aqui recenseado em 2017, David Machado aventura-se num romance sobre 2 jovens, David e Marco, que no Verão de 2001 estão numa road trip pelos Estados Unidos da América. Apesar do narrador na primeira pessoa, o leitor pode sempre levar o seu devido tempo a querer associar o nome da personagem ao do autor. Estes 2 jovens irreverentes e recém-licenciados, que se envolvem em situações por vezes controversas, decidem suspender com esta viagem o desfecho que é convencionalmente esperado ao terminar os seus cursos. A «viagem depois da viagem» é uma espécie de horizonte sem metas, em que se alimenta o sonho de viver sem prisões nem regras. A única certeza que norteia David e Marco é serem livres e não cair na armadilha de uma vida normal, feita de rotinas e hábitos: «Pouco tempo antes, eu também fora assim, orientando-me pelo mesmo guião aborrecido pelo qual toda a gente regia a sua vida, sem questionar nada, uma normalidade convencionada, um logro cómodo para todos, porque tudo o que era diferente exigia um esforço que preferíamos evitar. Olhávamos o mundo através da mesma lente baça. Todos os nossos gestos eram repetidos – embora não soubéssemos explicar porquê. Éramos réplicas perfeitas uns dos outros, ovelhas num rebanho autónomo, sem necessidade de pastor, seguindo-se umas às outras. Eu tinha vinte e três anos: estava na altura de deixar o rebanho.» (p. 10)
Estes dois gafanhotos, aos saltos entre uma cidade e outra – até que subitamente são de tal forma abanados pela realidade que percebem qual é o seu inevitável destino –, transportam consigo muito pouco além dos seus cadernos que servem de diário da viagem. Pois essa é outra certeza a que se agarram: querem ser escritores. Os eventos que lhes ocorrem podem assim ser definidos de duas formas – “isto é muito Faulkner” ou “isto é Hemingway puro”: «Enquanto Hemingway descreve sem grande detalhe os acontecimentos – deixando espaço para o leitor interpretar aquilo que as personagens estão a sentir e a pensar -, Faulkner narra sem freios e de forma exaustiva o caos interior de um ser humano – oferecendo ao leitor todos os ângulos e leituras possíveis. De certa forma, podemos considerá-los pais de toda a literatura que se lhes sucedeu, pois, de maneira mais ou menos consciente, qualquer escritor acaba por escolher uma destas duas abordagens.» (p. 21)
A Educação dos Gafanhotos é ainda isso – um romance que trata a ténue relação entre a literatura e a vida e qual delas pode ser mais verosímil. De como a literatura só interessa quando bebe da vida, apesar de esta por vezes superar qualquer plausibilidade e lógica. De como um escritor pode até ter muito mau génio e detestar pessoas, apesar de escrever para elas – e é sintomático que o jovem David acabe por ser esmurrado algumas vezes em virtude das suas diatribes verbais, pois cospe a verdade como um veneno e nem todos reagem bem quando se vêm confrontados com as mentiras que contam a si próprios. De como alguém sente necessidade de escapar à sua verdade perante os outros e de se redefinir na mentira mediante as mais rocambolescas ficções. E de como a literatura pode ser o derradeiro escape para alcançar a liberdade e reescrever a sua própria história: «Escrever era a minha forma de rejeitar qualquer definição que o mundo me quisesse impingir. Através da literatura, eu mesmo me definiria» (p. 145). E de como a memória pode trair um escritor, ao ponto de as personagens e situações que narra conforme aconteceram parecerem tão inverosímeis que o próprio narrador suspeita se terá realmente acontecido assim ou se agora o imagina. Ver artigo
David Machado nasceu em Lisboa em 1978, e a sua obra tem sido publicada pela Dom Quixote.
O seu Índice Médio da Felicidade foi adaptado ao grande ecrã, com realização de Joaquim Leitão e participação do autor na elaboração do guião. O livro foi vencedor do Prémio da União Europeia para a Literatura, prémio aliás que abriu portas ao autor, pois levou a vendas de direitos para uma dezena de países, tradução dos seus livros anteriores, a premiação da edição italiana e a participação de David Machado em vários festivais e feiras do livro.
Um livro que levou cerca de três anos a ser escrito, conforme se sente na tessitura narrativa, mais burilada, e a procura de uma originalidade no estilo e na forma como tenta cruzar três narrativas diferentes, sem propriamente simplificar a história, cingindo-as a um enredo único. Na segunda parte do livro existe mesmo um jogo literário mais evidenciado, na forma como o autor inova e procura reflectir sobre o processo da própria escrita. Processo esse que «Custa tanto» conforme as suas personagens referem.
O autor inova ainda, particularmente na primeira parte, e naquela que é a narrativa mais forte e que mais marcas deixará certamente no leitor, ao adoptar uma voz narrativa feminina, pois as suas personagens anteriores são maioritariamente masculinas. Apesar de inicialmente a voz da personagem de Júlia nos parecer encaminhar para uma história de violência, pelo modo como deixa perceber, gradualmente e sempre de forma ambígua, como esta adolescente terá sido vítima de maus tratos ou de abuso há cerca de um ano, sem nunca se deter propriamente nesse episódio, para que o leitor o capte e veja na sua totalidade, esta jovem irá revelar como se convive com uma dor profunda, que se tenta camuflar na esperança que adormeça. A história desta adolescente de dezanove anos, emancipada, magoada, que sente repúdio de qualquer contacto físico ao mesmo tempo que, paradoxalmente, sente as lágrimas virem-lhe aos olhos assim que lhe tocam, é um desvelar de como se vive o trauma e a dor, a memória de um acto profundamente doloroso, físico ou emocional, que deixa marcas duradouras e impressões indeléveis, debaixo da pele. Pode até parecer um cliché a forma como uma das constantes da vida de Júlia, mesmo dentro do casulo do seu quarto, ser o barulho constante das discussões acesas do casal vizinho, como um ruído de fundo à história de Júlia, conforme lida com a depressão e o trauma do que lhe aconteceu, e da forma como isso a impele a querer salvar uma menina de cerca de cinco anos, a filha do casal do lado, cujo som de desamor atravessa as paredes e atinge o âmago da dor que Júlia procura disfarçar. Ver artigo
David Machado nasceu em Lisboa em 1978 e a sua obra tem sido publicada pela Dom Quixote.
O seu Índice Médio da Felicidade é uma história já apresentada por mim no Cultura.Sul, foi adaptado ao grande ecrã e vencedor do Prémio da União Europeia para a Literatura. Ver artigo
Ao fechar um ano e abrir outro ciclo, David Machado parece ser a melhor escolha literária para demonstrar o estado da nossa condição. Índice Médio de Felicidade é o terceiro romance deste jovem autor. O Fabuloso Teatro do Gigante (2006) marca a sua estreia, podendo ser lido como uma parábola para adultos, em que o fantástico aí vivido e descrito prende-se com toda uma localidade que passa a representar uma peça maior que a própria vida, montando uma farsa imensa como forma de manter a sanidade mental de um homenzarrão chamado Gabriel (também oriundo da América do Sul, como Gabriel García Márquez, o chamado mestre do realismo mágico?). Este registo do real irá evoluir para um realismo histórico e social mais convencional em Deixem Falar as Pedras (2011). É no seu último romance – depois de ter escrito contos e obras infantis pelo meio – que David Machado procura retratar a realidade portuguesa atual. Os próprios nomes são similares, além de a história ser narrada na primeira pessoa, invocando-se logo na primeira linha um «tu», o amigo Almodôvar que se encontra preso, mas como o próprio autor alerta nas entrevistas que deu acerca do romance, qualquer semelhança entre a ficção e a sua realidade são mera coincidência. Isto porque o próprio autor viveu períodos em que esteve desempregado ou se ausentou do país para trabalhar e amealhar para poder continuar a escrever. Ver artigo
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