Contra a barbárie – um alerta para os nossos dias, de Klaus Mann
Como governar um país, de Cícero, Um Verão com Montaigne, de Antoine Compagnon, ou Contra a barbárie, de Klaus Mann são alguns dos títulos reunidos pela colecção da «Gradiva breve», onde não falta ainda um texto do Papa Francisco.
O que é que estes pequenos livros que integram esta colecção – com um fantástico formato de bolso como já raramente se vê – têm em comum? Dar a conhecer reflexões de figuras dos nossos dias bem como evidenciar a actualidade de pensadores de tempos mais remotos. É o que acontece com este pequeno livro que se pode transportar no bolso do casaco e folhear nos momentos livres em qualquer lugar. Reúnem-se diversos textos, aparentemente bastante díspares, deste jovem escritor (que se suicidou com cerca de 43 anos, em 1949) que, a par do seu pai Thomas Mann, é considerado um dos mais importantes escritores alemães. Estes textos e intervenções de um escritor politicamente empenhado estão coligidos de forma coesa por anos, desde 1930 a 1945, dando conta da escalada do partido nazi, da ascensão de Hitler (quando, dada a sua «mediocridade» ninguém podia prever que esta «caricatura» de homem pudesse vencer de facto e tornar-se tão perigoso), da desertificação intelectual da Alemanha pelos poetas, músicos, e do seu exílio noutros países, e do preço necessário a outros artistas para puderem permanecer no seu país. Desfilam nestes textos referências a figuras como Einstein, Stefan Zweig, Wagner, Richard Strauss, e não falta ao autor um fino sentido de humor para falar de assuntos bastante preocupantes que chega mesmo a tornar-se cáustico, nomeadamente quando escreve acerca de Hitler: «Relativamente ao estilo de Hitler podemos constatar que ele maltrata tanto a língua alemã como maltrata os seus adversários políticos. A única coisa que Mein Kampf prova é a ignorância e a arrogância do seu autor.» (pág. 88). Ver artigo
A construção do vazio, de Patrícia Reis (autora já aqui apresentada) chega às livrarias no dia 21 de Março e fecha um tríptico iniciado com Por Este Mundo Acima (2011) (um magnífico livro que foi recenseado para o Cultura.Sul – cujo texto podem consultar no blog). A obra da autora, jornalista e directora da Revista Egoísta, tem sido publicada pela Dom Quixote. Ver artigo
O livro-ensaio «A flor amarela – ímpeto e melancolia em Machado de Assis», de Anabela Mota Ribeiro, publicado pela Quetzal, é uma óptima desculpa para se (re)ler uma das grandes obras da literatura de língua portuguesa, Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis, que é considerado o maior escritor brasileiro de sempre.
Um ensaio, como a própria autora esclarece em jeito de conclusão, é sobretudo uma interrogação, um tactear caminho, onde não se procura o encerrar definitivo em concha da obra em análise mas sim o ressoar da obra, como um búzio, uma caixa de ressonância onde outras obras e outros autores encontram ou despertam ecos.
Por isso mesmo ainda que partindo de uma ideia em torno da imagem da flor amarela, que simboliza a melancolia da personagem de Brás Cubas, e do seu reverso que é o ímpeto cesariano, «um ímpeto conquistador mais ligado ao fazer social», isto é, deixar algo que perdure para lá da vida, a autora deste ensaio vai lançando pistas e deixando pontas soltas para depois as voltar a atar, ou não. Porque a literatura se mantém viva enquanto aberta a várias leituras, a autora opta por se ir questionando para depois aventar respostas possíveis, sempre com base no texto em análise, que segue de forma mais ou menos sequencial ao início, mas do qual depois acaba por se descolar, conforme as questões que o texto lança se tornam cada vez mais complexas. A melancolia, essa «miséria», «relação não-quite com a vida», que Brás Cubas tenta suprir ao querer deixar um legado que lhe dê nomeada lembra a apatia ou o diletantismo que encontraremos num dos seus seguidores ou confessos admiradores, Eça de Queirós, mais precisamente na personagem de Carlos da Maia.
Em linguagem escorreita e concisa, e frases breves, o livro é composto por 45 capítulos/fragmentos, por vezes de duas páginas apenas, à semelhança dos capítulos breves de Memórias Póstumas de Brás Cubas, todos eles igualmente intitulados de forma sugestiva, para no final, e mais uma vez tal como em Machado de Assis, interpelar directamente o leitor.
Se Brás Cubas, esse narrador que nos fala do sepulcro, segue um fio cronológico, procurando não deixar pontas soltas na obra, ainda que deixe por resolver algumas linhas melódicas que depois retoma apenas para concluir (não há personagem introduzida que não seja posteriormente recuperada), Anabela Mota Ribeiro sem procurar responder a tudo aquilo a que se propõe, nem procurar impôr uma interpretação única, vai conduzindo o leitor pela obra, em certos avanços e recuos, à medida que tenta comprovar a sua tese e enquanto vai desvendando a forma como certos acontecimentos narrados se encadeiam. Pelo caminho, mostra-nos ainda como Machado de Assis foi lido por outros (Harold Bloom e Susan Sontag, por exemplo), quais as ideias que dele retiveram, e conduz-nos ao terreno puro da filosofia de Schopenhauer – de quem bebe o pessimismo –, Nietzsche, Freud… E a partir da metade do ensaio, principalmente quando se desvela esse substrato filosófico que assiste à obra de Machado de Assis, a autora ganha mais ímpeto e este ensaio sobre uma obra literária torna-se, tal como a boa literatura, um texto sobre a vida, o sentido da vida e de como a escrita pode ser o «ímpeto cesariano» que tira sentido da vida, que lhe confere sentido, que transcende a vida:
«entretecidas com fio pessimista, há uma respiração afirmativa, motivada, a nosso ver, pelo ato da escrita. Brás Cubas, ao decidir narrar as suas memórias, e numa cirscunstância post mortem, nega desse modo a morte e a contingência inelutável do humano. Escrever transforma-se num exercício de superação.» (pág. 134).
Este ensaio é um óptimo guia de redescoberta de uma obra prima da literatura em português, onde se exploram influências, imagens recorrentes – como a da flor, metáfora de sentidos vários –, símbolos e presságios, num texto que a certa altura quase se institui como narrativa autónoma e que de forma circular, como a obra que o inspirou, deixa em aberto várias portas de entrada, insinuando que numa leitura não há fim que não remeta para o princípio (o que está magistralmente ilustrado nas Memórias), que ler um livro puxa outras leituras e é no acto da leitura que reside a continuidade da obra. Ver artigo
Este livro estava desaparecido há anos das livrarias pelo que este lançamento da terceira obra publicada por Eco (um dos nossos autores de eleição) em 1994 (na edição original italiana) são óptimas notícias que chegam da Gradiva, e com uma belíssima capa. Ver artigo
Fragmentos de uma análise:
Insânia (Relógio d’Água, 1996) é possivelmente o romance mais enigmático de Hélia Correia. O livro está dividido em duas partes e percebemos logo no início da segunda parte que se aproxima o Natal e que o primeiro livro corresponde ao período de um ano e do que se sucede na Levada desde o estranho aparecimento de uma menina sem nome que passam a chamar de Natalina. No início do segundo capítulo refere-se aliás que o freixo sob o qual Francisco Amor encontra a menina numa «dobra do caminho» «dantes, pelos fins de Dezembro, ofereceria já rebentos de folhagem» (pág. 11). Nunca se percebe bem quem dá nome à menina mas haverá certamente uma correlação entre o período em que aparece e o nome que lhe é atribuído. Também não parece inocente que quem a acolhe sejam Francisco e a esposa Mercês, de seu apelido Amor – Amor de pai, de mãe, de espírito natalício que os leva a acolher a menina por uma noite enquanto alguém não aparece para a reclamar. A associação entre o título do livro e a menina sem nome pode parecer demasiado simplista, mas a isso alia-se a estranheza em torno da menina. A descrição física de Natalina, considerada «atrasada», recorrentemente comparada a um animal («como se fosse o animal da aldeia») pela sua mudez e jeito arisco, é insólita: «olhar de água», «a sua mudez», a sua «ausência de alma», «os seus grandes olhos tão claros que podia disfarçar-se de cega e pôr-se a mendigar», «bonita como um anjo», «o quanto era suspeita a sua luz, a sua palidez» (Mas lembremo-nos de que Lillias Fraser será também descrita como uma estranha criatura).
Insânia é o ambiente que se vive na aldeia da Levada, afigurando-se esta narrativa de Hélia Correia como uma distopia em que se vive, como noutros textos da autora, um prenúncio de fim dos tempos. João Barrento escreveu que a autora cria aqui «um entre-mundo meio mágico, meio absurdo, perpassado apenas por uma ténue vontade racional, onde as personagens vagueiam entre a permanência de forças atávicas e fenómenos inexplicáveis e um processo civilizacional descaracterizado que ameaça sufocar e erradicar o velho mundo.» (pág. 73) .
Mais uma vez sem indicações temporais precisas, delineia-se um tempo de desordem, assinalado por «transtornos da terra e da humanidade» (pág. 11), que antecipa o «termo do milénio» (pág. 13), e é ominosa, através das notícias que passam nos ecrãs televisivos, a presença de uma «guerra que se via progredir à distância» mas que podia, segundo os rumores, encontrar-se já «ali a cem quilómetros», enquanto que as linhas telefónicas parecem praticamente inoperacionais, exitem «estados inteiros a arder» e a Levada vive apartada do mundo, o que pode aliás ser a razão da sobrevivência desta comunidade. Este tempo de fim do mundo (referir-se-á mesmo a palavra «apocalipse») tem também, no entanto, uma dimensão mítica de princípio dos tempos, não faltando no texto referências bíblicas: «E o vento transportava, sem fronteiras, aquela nova cólera de Deus. Qualquer coisa, chegada do princípio dos tempos, qualquer coisa sem forma e sem ideia, ia encobrindo a luz em todo o lado.» (pág. 22). Respira-se o medo, vapores tóxicos e a alimentação parece toda ela artificial, feita de cápsulas – Tito Lívio, considerado o louco da aldeia por andar livremente pelos campos, chega mesmo a arriscar comer os frutos de uma macieira que encontra e cujo sabor já esquecera…
O contacto que há com o mundo é aliás quase sempre passivo, através da televisão ou dos jogos de computador a que a juventude se dedica, claramente interrompido o ritmo normal dos dias, pois ninguém parece trabalhar, nem os jovens vão à escola, nem o Café funciona: «Sabiam, pois, que estavam esquecidos pelo mundo, apesar das cinquenta e tais maneiras com que o mundo lhes ia diariamente a casa» (pág. 129). O tempo que se vive na Levada é aliás um tempo morto e regressivo, como acontece noutras narrativas do segundo quarto do século XX (O Dia dos Prodígios, por ex.): «Parecia-lhes que ouviam escoar-se o próprio tempo, tão vagaroso que ganhara peso e assentava nas coisas como um pó.» (pág. 41); «dir-se-ia dar o tempo gigantescas passadas para trás» (pág. 56). Mas «ninguém esquecia o tempo e o som do seu pulsar» (pág. 57) referindo-se mesmo, páginas adiante, um «tédio português» (pág. 59).
Quanto ao espaço, sabemos que a acção é localizada em Portugal, designado como «País», o que lembra essa indeterminação temporal e espacial que assiste às narrativas do realismo mágico. Refere-se ainda a cidade de Lisboa e os dois outros grandes pólos são Canadá e França, o que configura no romance a temática de uma diáspora portuguesa, da emigração que desertificou certas zonas do país e reforça um sentimento de isolamento da Levada, de lugar abandonado: «À medida que os cérebros concebiam melhor a noção de estrangeiro, limpando-a do fascínio que ainda se lhe agarrava, restos das eras de ouro do turismo, mais se firmavam na intransigência, apaladada ainda pelo facto de se sentirem levemente atraiçoados, eles, que permaneceram fiéis ao seu torrão e agora entendiam que o fizeram por razões merecedoras de elogio» (pág. 64).
A afirmação da diferença através da marginalidade ou da loucura, como temos visto, são dois grandes temas dos romances de Hélia Correia, mas a insânia pode estar ainda associada ao acto da escrita. Primeiramente, ressalve-se que pela primeira vez a voz autoral se impõe como uma narradora mulher: «por isso é que eu falo de harmonia»; «estou»; «Confesso»; «Por mim, direi»; «palavra que aqui avanço como narradora» (pág. 178).
A propósito da linguagem, Agustina Bessa-Luís e José Saramago, mais uma vez, surgem como figuras tutelares da escrita da autora. Tal como José Saramago, a narradora fala com o leitor, ou consigo mesma, enquanto procura as palavras certas e se debate com o desenrolar do fio da história, usando de expressões populares, e brincando com a língua (uso de forma abusiva a expressão cratilismo da linguagem em José Saramago) de que darei apenas dois exemplos que parecem justos: «vestíbulo, palavra que aqui avanço como narradora para já a retirar, chamando hall à zona que antecede as divisões» (pág. 178); ou quando fala na família de apelido Valadios, «Como bem se imagina, convidava a que a pronúncia se economizasse para melhor proveito da língua maliciosa. E não era ali caso de ter a sugestão e a praga da palavra conseguido atraír a vítima para si, transformando-a naquilo que dela se dissesse. Pois nada tinha de vadia aquela gente, só de excessivamente confiada e indulgente com todos, até consigo própria.» (pág. 206). Há depois as frases lapidares que respiram um tom agustiniano: «E o seu sangue ganhava velocidade, tocado por aqueles sentimentos de tribo que facilmente se confundem com princípios.» (pág. 64); «É plausível que andasse ali essa mistura de susto e de ócio de onde comummente saem as mais potentes convicções» (pág. 160); «Há coisas mais potentes que a curiosidade, mesmo na alma feminil que, com a felina, reparte essa lendária acusação.» (pág. 180). Ver artigo
Este livro, acessível a qualquer leitor, recentemente publicado pela Bertrand Editora, tem como corpo central um conjunto de textos do Professor João Barrento apresentados, em alemão, nas conferências de Frankfurt e que deram origem a uma obra originalmente publicada em alemão em 1999, cujo título pode ser traduzido como “Cravos e Perpétuas. A literatura portuguesa contemporânea”.
Lê-se também na contracapa que em todos os textos, aqui devidamente revistos e adaptados mais especificamente ao contexto nacional, o ensaísta e tradutor se detém «sobre a situação da literatura portuguesa no início do século XXI e do seu lugar no meio literário e social, na escola e na universidade. Naturalmente, todos os escritos originais foram reformulados, desenvolvidos e completados para poderem integrar um corpo coerente numa edição que se constitui como síntese, naturalmente aberta e pessoal, do panorama mais recente da nossa literatura.».
O livro está dividido em cinco partes. O primeiro capítulo é justamente uma reflexão sobre a nossa contemporaneidade – balizando-a, claro que de forma conscientemente arbitrária, a partir da Revolução do 25 de Abril –, que se estende pelo segundo capítulo, onde se apura o papel social da literatura como meio privilegiado de reflexão e revisão da História, que é aliás a matéria mais tratada no romance português pós-revolução, segundo o autor, mesmo quando entra no domínio do fantástico. Partindo de algumas das premissas da Poética aristotélica, Barrento postula que «A pretensão de verdade do romancista não será então tão «rigorosa» como a do historiador, mas em compensação é bastante mais ampla (já Aristóteles dizia: mais universal). O romance amplifica as muitas variáveis que constituem a complexidade das acções inter-humanas, comenta-as e interpreta-as. O narrador assume aqui, na sua relação com o texto da História, um papel próximo do do leitor no acto de leitura propriamente dita.» (pág. 33). No final, há um excurso em torno do Memorial do Convento.
No terceiro capítulo, sugestivamente intitulado «A nova desordem narrativa: escrita feminina», o autor considera, à semelhança de outros críticos como Isabel Allegro de Magalhães, como O Sexo dos Textos, da existência ou não de uma escrita marcadamente feminina, em virtude da grande profusão de autoras mulheres na literatura pós-25 de Abril e do seu importante contributo na renovação da ficção literária, terminando com um excurso em torno da obra de uma das minhas autoras de eleição, Lídia Jorge.
Em seguida, o autor aborda o conto, para se focar finalmente no «Conto Brevíssimo», de Jorge de Sena, e, no capítulo seguinte, na poesia, terminando desta vez não com um poeta em particular mas com a Europa como tema.
O último capítulo consiste numa intervenção proferida no Brasil em 2005, que constitui uma retrospectiva e balanço do estudo realizado nos textos anteriores.
É um estudo profundo e sólido da ficção e da literatura em geral do último quarto do século passado, à semelhança do que Miguel Real fez em O Romance Português Contemporâneo, mas aqui com maior profundidade analítica, se bem que João Barrento se mostre um pouco “parcial” nos autores que mais considera: Lídia Jorge, Teolinda Gersão, Agustina, Maria Velho da Costa, Hélia Correia, Augusto Abelaira, Jorge de Sena, Saramago, Lobo Antunes, Carlos de Oliveira. Mas claro que esta é uma síntese, e que indica desde logo na capa não considerar os últimos 16 anos da literatura portuguesa (1974-2000), o que pode ter também a sua razão de ser, pois se Miguel Real decidiu, e sabemos que ele é um leitor compulsivo e ecléctico, referir-se a todos os autores hoje conhecidos que se encontram nos escaparates das livrarias (numa época em que certos escritores publicam ao ritmo contratual de um livro por ano), Barrento parece preferir cingir-se aos que terão, e poderão vir a ficar, ficado para a posteridade. Em suma, a chama eterna da verdadeira literatura e as cinzas. Ver artigo
Factotum é o segundo romance do Charles Bukowski e o sétimo deste autor a ser publicado em Portugal pela Alfaguara. Partilho por agora o texto de apresentação da contra-capa:
«Uma cerveja, um engate. Mais um copo, mais uma mulher. Henry Chinaski, um jovem marginal, solitário e irremediavelmente bêbedo, vagueia pela América dos tempos da Segunda Guerra, saltanto de cidade em cidade, de emprego em emprego, cada um mais degradante que o anterior, apenas para poder sustentar as noites de mulheres e álcool. Enquanto se afunda numa espiral de vícios, vai alimentando (ou adiando) o sonho de ser escritor.
Chinaski, alter ego de Bukowski, é a perfeita encarnação de um factorum, um moço de recados ou pau-para-toda-a-obra, tão inconstante e volúvel quanto é eterno o seu criador.
Aventuroso e obsceno, divertido e desesperado, desbocado e ao mesmo tempo lírico, “Factorum” é o segundo romance do grande Charles Bukowski, nunca antes publicado em Portugal. Uma espécia de retrato do artista enquanto jovem, este é decididamente um dos melhores e mais marcantes escritos do autor americano.» Ver artigo
Entrevista a Richard Zimler realizada para o Cultura.Sul de Março de 2017
O Evangelho segundo Lázaro, de Richard Zimler, é o mais recente romance histórico deste autor (publicado pela Porto Editora) com dupla nacionalidade, portuguesa e americana, a residir no Porto desde 1990. Este romance histórico, de escrita elaborada e aturada pesquisa, leva-nos pelo lirismo da sua prosa a entrar no domínio do mítico e a conhecer a vida de Lázaro, o amigo mais amado de Cristo, tão amado que foi por si ressuscitado. Apesar de ainda escrever em inglês, Zimler é certamente um romancista querido aos leitores portugueses e incontornável no panorama cultural nacional e da cultura judaica. Ver artigo
Surge a reedição de O Sistema Periódico, de Primo Levi, pela editora Dom Quixote:
«Na véspera de se retirar do universo da Química para se dedicar exclusivamente à escrita, Primo Levi oferece-nos – ao longo de 21 capítulos, cada um com o nome de um elemento da tabela periódica – um relato da sua vida enquanto cientista, através do qual responde a inúmeras e complexas questões sobre o mundo e sobre si próprio. O Sistema Periódico é, pois, um conjunto de vivências de um químico judeu do Piemonte, combatente antifascista, deportado e escritor, vistas através do caleidoscópio da Química. As histórias cobrem a vida do autor, do nascimento à redação deste livro, passando por momentos fulcrais como a infância, a descoberta da vocação e a sua formação como químico, os amores e as amizades, o crescimento do movimento fascista italiano e o aparecimento das leis raciais, a vida na clandestinidade, a prisão e o encarceramento em Auschwitz, e o regresso aos laboratórios do campo de concentração já no pós-guerra.
Um testemunho autobiográfico único, por um dos principais romancistas do século xx.
Nas livrarias a 14 de Março» Ver artigo
Ao largo da vida – novelas e esboços é o primeiro livro de contos de Rainer Maria Rilke, publicado pela Ítaca. O livro deste autor nascido em Praga é constituído por 11 contos: uns anunciam a morte, outros a doença, enquanto que noutros ainda fica a ideia de um desejo frustrado («A fuga», «A voz»), mas em todos perpassa uma inquietante melancolia, condizente com a vida depressiva de um autor que sofreu ele próprio a tragédia.
No conto que abre o livro, «Festa em Família», assistimos a uma típica reunião familiar se não fosse, e note-se a ironia da designação de festa, o facto de estarem reunidos para celebrar o oitavo aniversário da morte de Anton. O trágico parece no entanto esconder-se sob a circunstancialidade das conveniências e dos ritos sociais, mas subjaz à descrição das cenas uma fina ironia que acusa um tom desencantado e mordaz: «Colocava as palavras como um biombo diante do prato demasiado cheio, e a sua fantasia rivalizava com o estômago na missão de fazer a digestão.» (pág. 11). Ou como na passagem em que o irmão do defunto se prepara para recitar o discurso que repete ano após ano sem nada mudar, a não ser o número de anos que se passaram, e bate com a faca na borda do copo: «Esta pequena causa teve uma série de efeitos poderosos: todas as armas interromperam a sua pressa com maior ou menor alegria, e os guardanapos surgiram como bandeiras brancas parlamentares de diferentes colos e adejaram em sinal de tréguas e paz.» (pág. 11). O que também não parece mudar, à semelhança do discurso que se profere todos os anos, é o mobiliário da casa dos von Wick a partir do qual se pode aliás traçar a história da família, ocorrendo mesmo a dada altura uma espécie de visita guiada para relembrar quem morreu onde: «era uma grande vergonha ser cadeira em casa dos von Wick onde nunca ninguém tivesse morrido» (pág. 13). No final, e por um pequeno lapso da parte de um velho criado, instaura-se um mau presságio que parece anunciar a próxima morte.
E com a velhice desse criado entramos nos próximos contos, pois a velhice – que é em si ela própria descrita como uma doença – é o traço comum a alguns dos próximos contos: «As tremuras da terrina tinham qualquer coisa de frágil, lisonjeiro, quando a aproximou dos cotovelos aguçados da criança pálida. A maioria dos olhares seguia com cuidadoso desvelo os movimentos do velho, pois ele era um raro monumento e, por assim dizer, a encarnação dos restos terrenos de todos os von Wick já falecidos.» (pág. 15).
A velhice surge descrita como uma não-vida mas tem também, para aqueles que a ela assistem ao largo, a vantagem de servir como garantia de que nada muda nos dias: «cada bom cidadão que passasse diante das janelas das duas velhas senhoras ter-se-ia surpreendido muito menos se a velha igreja, o monumento da cidadezinha, tivesse perdido de repente uma das suas torres do que se ao lado do cabelo ralo e branco de Rosinchen não surgisse a cabeça severa, tersa e estranhamente negra de Klothilde» (pág. 21). Neste segundo conto, «O segredo», Rosine parece sobreviver à sua melancolia apenas pela sua expectativa de desvendar o segredo da amiga com quem acaba por viver durante quase toda a vida sem que tivessem sequer entre si uma grande afinidade – note-se o contraste entre a cabeça branca e a cabeça negra da outra. Mas é também a sua curiosidade que a vai corroendo como um cancro.
Em «O menino Jesus», datado de 1893, sente-se uma ressonância do conto «A menina dos fósforos» que é depois confirmada: «E ela era bonita, a mãe, bonita como a fada nos contos de Andresen» (pág. 84). Em «Todas numa só», temos um rapaz que ficou paraplégico, nunca se sabe como, que talha esculturas em madeira da Virgem Maria até que pelos olhos de uma criança percebe afinal quem estava verdadeiramente a representar naquelas figuras num gesto inconsciente em que carpia a sua mágoa e solidão – «Ela é como a saudade». E o rapaz parece conferir-lhes tal importância e amor com as «suas mãos brancas de doente, mãos de rapariga» que estas quase parecem vivas, assistindo à sua infelicidade: «ficavam ao lado umas das outras em espera ociosa no sótão e não conseguiam acreditar que, mesmo unindo-se intimamente, poderiam fazer um milagre» (pág. 98).
No conto que encerra o livro, e penso que não por acaso, «Unidos» datado de 1897, assiste-se ao culminar de um confronto que de alguma forma atravessa quase todos os contos do livro, e que é uma religiosidade desencantada (sem querer entrar em autobiografismos, o autor perdeu uma filha com uma semana de vida) face à crença cega na religião, personificados numa luta entre uma mãe fervorosa e um filho doente que regressa a casa, o que traz grande alegria à mãe, apesar de ele nos dar a entender que apenas voltou para morrer: «eu sou um fruto precocemente apodrecido e cheio de vermes» (pág. 112). Mas no final fica uma nota de esperança, como o título do livro indiciava.
Proliferam os símbolos ligados à morte, como o jacinto, o Outono, o crepúsculo, a palidez das personagens, os dias claros e pálidos, o último bater de asas de uma borboleta, nestes vários contos finamente tecidos em prosa cuidada mas límpida onde as personagens estão sempre ao largo da vida. Mas é também dessa margem que podem olhar com distanciamento e ver com mais clareza aquilo que lhe confere sentido. Ver artigo
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