Mitos Gregos Recontados, de Charlotte Higgins, publicado pela Minotauro, com desenhos originais de Chris Ofili, não é um romance. Nos últimos anos, diversos romances, muitas vezes premiados, inspiraram-se nos mitos gregos, e colocam personagens femininas no centro da intriga, como é o caso de O Silêncio das Mulheres, de Pat Barker, ou Circe, de Madeline Miller. Simultaneamente, diversas obras clássicas, como a Eneida, têm conhecido novas traduções e reedições. Neste livro, Charlotte Higgins compila e reconta alguns dos mitos mais falados e relembrados, mas que nem sempre são devidamente relembrados ou compreendidos. Neste “compêndio de mitologia antiga”, a autora reconta os mitos da criação que se centram quase exclusivamente na figura do herói – Héracles, Teseu, Perseu, a guerra de Tróia, Tebas, Argos e Atena. Aqui a autora escolheu que fossem as mulheres a recontar os mitos, evocados justamente a partir da arte da tecelagem, profundamente ligada à técnica narrativa. Por isso mesmo, este livro começa com Atena, pois foi ela quem inventou o tear, e a sua imensa tapeçaria, cujos pormenores nos vão contando as grandes histórias do princípio dos tempos. Numa introdução escrita pela própria autora, entrelaçam-se assim o tear e a teia narrativa, o tecido têxtil e o texto das histórias que nos moldam. Ver artigo
O Silêncio das Mulheres, da autoria de Pat Barker, vencedora do Booker Prize, com tradução de Tânia Ganho, foi recentemente publicado pela Quetzal.
Pat Barker dá voz na primeira pessoa a Briseida, rainha de Lirnesso – cidade tomada anos antes de Tróia –, que é reclamada como troféu de guerra por Aquiles, tornando-se sua escrava, e reconta no feminino a Ilíada dos guerreiros gregos e troianos, que conta os feitos e façanhas dos heróis masculinos sobejamente conhecidos, como Aquiles, Pátroclo, Ájax, Odisseu (Ulisses), Páris, Agamémnon, Menelau ou Heitor: «diz-me a experiência que os homens são estranhamente cegos à agressividade nas mulheres. Eles é que são os guerreiros, com os seus elmos e couraças, as suas espadas e lanças, e parecem não ver as nossas batalhas; ou preferem não as ver. Se tomassem consciência de que não somos as criaturas brandas por que nos tomam, talvez isso lhes perturbe a paz de espírito.» (p. 18)
A narrativa flui como se se tratasse de um depoimento prestado por Briseida, em que a interpelam e questionam, e onde não faltam interjeições, como «Ai» e «Oh». Em alguns capítulos, contudo, percebemos que a perspectiva descentra-se de Briseida e centra-se em Aquiles, ainda que a narração seja na terceira pessoa.
A prosa foca-se mais na narração do que na descrição, mas há passagens absolutamente arrebatadoras, mesmo quando se trata de descrever o grotesco da guerra: «Durante uns momentos, os cães arreganhariam os dentes e rosnariam aos pássaros negros, que descreviam círculos no céu,e aos abutres desajeitados e expectantes. De quando em vez, os pássaros erguer-se-iam todos no ar e, depois, pousariam lentamente, assentando como farrapos de tecido queimado, restos carbonizados das sumptuosas tapeçarias que antes forravam as paredes do palácio. Os cães empaturrar-se-iam até vomitarem e, em seguida, escapulir-se-iam da cidade, fugindo dos incêndios a cidade, e então seria a vez dos pássaros.» (p. 30)
Guerra essa que tem tanto de desumano como de entediante, também feita de momentos raros, mesmo quando se arrastam por 10 anos: «Por vezes, em plena batalha, há um momento de acalmia, em que o tempo abranda, os gritos e o clamor esmorecem e uma pessoa vê as veias vermelhas nos olhos de um inimigo e sabe – não é acredita, nem tem esperança – sabe que é impossível falhar. Esses momentos são raros. Nos restantes noventa e cinco por cento do tempo, a guerra não passa de uma labuta entediante e sangrenta, composta em partes iguais de tédio e horror, mas depois surge novamente esse momento brilhante, em que o estridor da batalha se esbate e o corpo se torna uma vara que liga céu e terra.» (p. 234)
O Silêncio das Mulheres reescreve a Guerra de Tróia no feminino. Esta reconstrução de uma das histórias basilares da civilização ocidental, contada a partir da perspectiva da mulher, não é todavia inédita. Tal como fez em As Brumas de Avalon, ao reescrever a lenda do Rei Artur a partir da perspectiva de Morgana, a bruxa, Marion Zimmer Bradley também recontou o mito da guerra de Tróia, em Presságio de Fogo – um romance de grande fôlego, centrando a narrativa em Cassandra, a profetisa, irmã de Páris, o que raptou Helena e desencadeou a guerra dos mil navios, provocando a ruína da cidade de Tróia, que se achava inexpugnável.
Pat Barker dá voz na primeira pessoa a Briseida, rainha de Lirnesso – cidade tomada anos antes de Tróia –, que é reclamada como troféu de guerra por Aquiles, tornando-se sua escrava, e reconta no feminino a Ilíada dos guerreiros gregos e troianos, que conta os feitos e façanhas dos heróis masculinos sobejamente conhecidos, como Aquiles, Pátroclo, Ájax, Odisseu (Ulisses), Páris, Agamémnon, Menelau ou Heitor: «diz-me a experiência que os homens são estranhamente cegos à agressividade nas mulheres. Eles é que são os guerreiros, com os seus elmos e couraças, as suas espadas e lanças, e parecem não ver as nossas batalhas; ou preferem não as ver. Se tomassem consciência de que não somos as criaturas brandas por que nos tomam, talvez isso lhes perturbe a paz de espírito.» (p. 18)
A narrativa flui como se se tratasse de um depoimento prestado por Briseida, em que a interpelam e questionam, e onde não faltam interjeições, como «Ai» e «Oh». Em alguns capítulos, contudo, percebemos que a perspectiva descentra-se de Briseida e centra-se em Aquiles, ainda que a narração seja na terceira pessoa.
A prosa foca-se mais na narração do que na descrição, mas há passagens absolutamente arrebatadoras, mesmo quando se trata de descrever o grotesco da guerra: «Durante uns momentos, os cães arreganhariam os dentes e rosnariam aos pássaros negros, que descreviam círculos no céu,e aos abutres desajeitados e expectantes. De quando em vez, os pássaros erguer-se-iam todos no ar e, depois, pousariam lentamente, assentando como farrapos de tecido queimado, restos carbonizados das sumptuosas tapeçarias que antes forravam as paredes do palácio. Os cães empaturrar-se-iam até vomitarem e, em seguida, escapulir-se-iam da cidade, fugindo dos incêndios a cidade, e então seria a vez dos pássaros.» (p. 30)
Guerra essa que tem tanto de desumano como de entediante, também feita de momentos raros, mesmo quando se arrastam por 10 anos: «Por vezes, em plena batalha, há um momento de acalmia, em que o tempo abranda, os gritos e o clamor esmorecem e uma pessoa vê as veias vermelhas nos olhos de um inimigo e sabe – não é acredita, nem tem esperança – sabe que é impossível falhar. Esses momentos são raros. Nos restantes noventa e cinco por cento do tempo, a guerra não passa de uma labuta entediante e sangrenta, composta em partes iguais de tédio e horror, mas depois surge novamente esse momento brilhante, em que o estridor da batalha se esbate e o corpo se torna uma vara que liga céu e terra.» (p. 234)
O Silêncio das Mulheres reescreve a Guerra de Tróia no feminino. Esta reconstrução de uma das histórias basilares da civilização ocidental, contada a partir da perspectiva da mulher, não é todavia inédita. Tal como fez em As Brumas de Avalon, ao reescrever a lenda do Rei Artur a partir da perspectiva de Morgana, a bruxa, Marion Zimmer Bradley também recontou o mito da guerra de Tróia, em Presságio de Fogo – um romance de grande fôlego, centrando a narrativa em Cassandra, a profetisa, irmã de Páris, o que raptou Helena e desencadeou a guerra dos mil navios, provocando a ruína da cidade de Tróia, que se achava inexpugnável.
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