O Sexo da Música – As surpreendentes ligações entre música e sexualidade, de Étienne Liebig é uma obra original e única, que procura evidenciar uma relação extremamente pessoal mas também universal – procedendo a uma abordagem científica, histórica, psicológica e antropológica – e tão intemporal quanto o tempo de vida da humanidade: «A música, tal como o sexo, é um assunto de corpo e coração; a música, tal como o sexo, é universal.» (p. 11)
O maestro Miguel Graça Moura tomou a iniciativa da tradução, cuja edição foi acolhida pela Temas e Debates e o Círculo de Leitores, e pontua as notas do autor com os seus próprios contributos, ciente da «crescente incultura geral», nomeadamente entre as gerações mais novas, como os estudantes universitários.
Étienne Liebig afirma que a música «é uma vibração que sacode o meio ambiente pondo as moléculas em movimento, como todos os sons.» (p. 13) e que acciona «uma aparelhagem complexa nos nossos ouvidos. Estes transformam a vibração em impulsos elétricos para que diferentes áreas do nosso cérebro os recebam, os leiam e os interpretem segundo diferentes parâmetros para nos dar o sentimento da música.» (p. 17)
Sentimos a música antes de a ouvir e essa sensação é tão cerebral quanto física, como sucede quando de súbito a pele do braço se arrepia e os pêlos se eriçam. O prazer que sentimos com a música vem da identificação da sua complexa estrutura, mas também de dois elementos tão antagónicos quanto centrais à música: a antecipação e a surpresa.
«Os compositores conhecem muito bem este fenómeno da espera que deixa o auditor em estado de transe auditivo («vem, não vem?») e um certo tipo de satisfação quando por fim se ouve o refrão, o chorus, a entrada da orquestra, o ritmo tão esperado.» (p. 18)
A música pode ser um catalisador da memória, como a madalena de Proust, pois como se explica que quando ouvimos certas músicas somos transportados para a idade em que as ouvimos pela primeira vez?
«Esta necessidade de reescutar, seja a mesma coisa, seja algo de semelhante, está ligada à nossa memória auditiva que armazena os timbres, os ritmos, as vozes, as tonalidades que nos deram prazer e que procuramos durante toda a vida com o objetivo de “curtir” de novo. (p. 19)
A ligação entre música e sexo parece natural, mas Étienne Liebig – nascido em Montreuil (França) em 1955, músico, musicoterapeuta de crianças com autismo, animador social, membro de um quarteto de jazz, autor de várias obras e ensaios – é um dos poucos que se dedicou a estudar o assunto: «quando se vê no cinema uma cena erótica, escuta-se um certo tipo de música e não outro. Se se recorda um lugar de sedução e de encontros amorosos, ouve-se mentalmente o baile, a orquestra ou a aparelhagem sonora. As canções falam de amor, de desejo. As estátuas gregas apresentam flautas ou liras na nudez branca do mármore, e quando se lê biografias de músicos de rock (e não só), quase nem é surpresa descobrir nelas apetites sexuais insaciáveis!»
Dividido em três partes, o livro começa por analisar a afinidade fisiológica e psicológica entre o prazer sexual e sensorial de ouvir música, em que o nosso corpo pode ser tocado como um instrumento musical; percorre a história da música desde os primórdios da humanidade, de um ponto de vista antropológico e histórico, procurando demonstrar como em todas as épocas e culturas a música e o sexo estiveram intimamente ligados; e termina com um esboço de um estudo (deixando pontas soltas para futuras leituras) sobre todas as formas de arte – pintura, escultura, dança, teatro, literatura, cinema, ópera, etc. – em que a música exprime a sexualidade. A obra contém ainda breves biografias de músicos e compositores, com revelações e curiosidades surpreendentes, e imensas referências – do erudito ao popular, dos videoclips aos filmes – onde a cultura e o humor são parceiros. Ver artigo
Em O Sexo da Música – As surpreendentes ligações entre música e sexualidade, publicado pelas Temas e Debates, Étienne Liebig afirma que a música «é uma vibração que sacode o meio ambiente pondo as moléculas em movimento, como todos os sons.» (p. 13); «uma vibração que vai acionar uma aparelhagem complexa nos nossos ouvidos. Estes transformam a vibração em impulsos elétricos para que diferentes áreas do nosso cérebro os recebam, os leiam e os interpretem segundo diferentes parâmetros para nos dar o sentimento da música.» (p. 17)
Sentimos a música antes de a ouvir. Recordo-me que quando vivia na Beira sentia no próprio corpo uma espécie de vibração, como se o ar começasse a chegar em ondas, até que efectivamente o som se começava a discernir, vindo de longe, até que, subitamente, como um trovão que estalava no seio da casa, o vidro de uma das janelas (uma das paredes da casa era toda em vidro) começava a estremecer ao som da música, o que significava que ia haver um concerto nessa noite nalgum bairro vizinho e eu teria de conseguir dormir apesar do barulho. A música chega-nos em ondas de som, como quando certos carros passam por nós e o nosso carro estremece e vibra com o som, apesar de quase não conseguirmos ouvir a música com as janelas fechadas.
O prazer que sentimos com a música vem da identificação da sua complexa estrutura, mas também de dois elementos tão antagónicos quanto centrais à música: a antecipação e a surpresa.
«Os compositores conhecem muito bem este fenómeno da espera que deixa o auditor em estado de transe auditivo («vem, não vem?») e um certo tipo de satisfação quando por fim se ouve o refrão, o chorus, a entrada da orquestra, o ritmo tão esperado.» (p. 18)
Em suma, também a música pode ser um catalisador da memória, como a madalena de Proust…
Jonah Lehrer, em Proust era um neurocientista – Como a arte antecipa a ciência (Lua de Papel), num misto de biografia, ensaio e escrita científica, procura demonstrar como a arte antecipou a ciência, através da obra de 8 artistas, designadamente de Proust e a sua famosa madalena, feita de açúcar, farinha e manteiga, que espoleta no narrador a rememoração de todo o seu passado ao longo de 7 volumes. E sabe-se hoje que Proust estava certo, pois está provado que o paladar e o olfacto são os únicos sentidos que se ligam directamente ao hipocampo, o centro da memória de longo prazo do cérebro.
Contudo, se assim é, como se explica que quando ouvimos certas músicas somos transportados para a idade em que as ouvimos talvez pela primeira vez? Aconteceu-me uma vez, com o Concerto para Piano n.º 1 de Tchaikovsky, em que quando um dia o ouvi por acaso num CD que meti no carro, senti-me projectado para a primeira vez que o ouvi, mais de 20 anos antes… Ou hoje, quando ao ouvir um álbum de êxitos de Elton John me lembrei de uma música que não ouvia há mais de 10 anos, sem exagero: Believe… e a forma como, apenas pelos primeiros segundos, consigo reconhecer de imediato e a pele dos meus braços se arrepia e os pêlos se eriçam…
«Esta necessidade de reescutar, seja a mesma coisa, seja algo de semelhante, está ligada à nossa memória auditiva que armazena os timbres, os ritmos, as vozes, as tonalidades que nos deram prazer e que procuramos durante toda a vida com o objetivo de “curtir” de novo. (p. 19) Ver artigo
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