O Jaime é uma Sereia, livro de estreia da norte-americana Jessica Love publicado pela Fábula, é uma incursão em temas delicados, complexos e controversos, se nos ativermos aos pormenores, pelo que optamos por ler esta obra a partir de uma perspectiva mais ampla, como uma fulgurante e colorida celebração da individualidade, da aceitação e do amor incondicional, mais particularmente do amor entre uma avó e o seu neto.
Num momento em que ainda há quem continue isolado e distanciado dos seus entes queridos, procuramos destacar uma de entre várias obras possíveis (como, por exemplo, Nuvens na Cabeça, de Elena Val, publicada pela Akiara, aqui apresentada há semanas) que permitem assinalar o Dia dos Avós, no próximo dia 26 de Julho.
Todos os sábados de manhã, o Jaime vai com a avó à natação. E «o Jaime ADORA sereias».
Um dia, quando vê três mulheres vestidas de sereias no metro, tudo muda. O Jaime fica fascinado e, quando chega a casa, só consegue pensar numa coisa: «- Avó, eu também sou uma sereia.»
E, como se sabe, ou como alguns de nós poderão ainda lembrar-se, do querer de criança ao ser vai um pequeno passo dado pela sua gigante imaginação que, conforme crescemos, vai definhando.
O livro é composto por cerca de 20 frases e 40 páginas. É de destacar o trabalho genial da autora, na forma como conta a história sem narrar, julgar ou descrever, limitando-se às falas das personagens, como se o livro fosse uma curta metragem de animação. É particularmente intrigante a forma como no próprio livro, apenas pelas imagens, se cria um momento de suspense quando a avó vê a transfiguração de Jaime, sem sabermos o que ela irá dizer, como irá reagir, pois as ilustrações desta obra contam a sua própria história, como um verdadeiro arco-íris de iridescente imaginação e celebração da vida e da felicidade de podermos ser amados por quem somos. Pois alguns de nós, tal como as sereias, somos seres híbridos ou pertencemos a dois mundos diferentes.
Esta obra venceu o prémio Opera Prima da Feira do Livro Infantil de Bolonha (BolognaRagazzi) em 2019.
Jessica Love cresceu no sul da Califórnia. Estudou Gravura e Ilustração na Universidade da Califórnia. Mais tarde, estudou Teatro na Juilliard School, em Nova Iorque. Vive e trabalha em Brooklyn. Ver artigo
«Ouvi dizer que a avó tem pássaros na cabeça.
Não é de estranhar que as aves se aproximem dela, pensando que é uma nuvenzinha.»
Assim inicia a história deste belíssimo livro infantil, a ser lido não só pelos pais mas especialmente pelos avós, cuja sinopse lê: «Dizem que não temos os pés bem assentes na terra. Dizem que eu tenho a cabeça nas nuvens e que a avó tem nuvens na cabeça.»
Nuvens na Cabeça, de Elena Val, é um livro poético, onde o jogo de palavras começa logo com as nuvens e os pássaros na cabeça (diz-nos a autora que desenha «também com palavras»), pois enquanto esta menina tem uma imaginação muito fértil – e um leão como amigo imaginário –, a avó vive no seu próprio mundo de fantasia, conforme a sua saúde mental se esvanece como uma nuvem no céu. Este «álbum ilustrado» permite-nos assim abordar temas delicados, como a demência ou o Alzheimer na terceira idade, com crianças de tenra idade, pois a autora dá-nos também a ver o mundo com olhos de criança:
«Explicaram-me que não tem nada a ver com os seus cabelos brancos e fofinhos; simplesmente, às vezes parece que a cabeça dela começa a voar, como quando eu me distraio e trepo aos troncos mais altos e longínquos da imaginação.»
E para nós, crianças leitoras presas em corpos desajeitados de adultos, treparmos com esta menina até aos confins da imaginação basta observar como as ilustrações deste livro se repartem entre imagens «cheias de força e muito sugestivas, que alter¬nam o lápis (para representar o mundo confuso da avó) com o guache colorido (para representar o mundo de fantasia da criança)». Mas além da cor associada ao mundo da menina e dos traços a lápis, isto é, o preto e branco do mundo da avó, outro belíssimo pormenor do livro é o modo como uma paisagem ou cenário urbano, mesmo quando peca pela fealdade, podem ser transfigurados na nossa cabeça para passar a ser vistos como um animal escondido. Escreve-nos Elena Val, autora que nasceu e vive em Barcelona, que lhe interessam «os mundos oníricos como reflexo do comportamento humano» e, nas palavras da menina do livro, podemos escolher ver o fumo como aquilo que ele é ou imaginar que são nuvens.
Este livrinho delicioso, da autora e ilustradora Elena Val, com tradução de Catarina Sacramento, incluído na colecção Akialbum, é mais um título da editora Akiara (já aqui apresentada e cujo catálogo completo pode ser consultado no site da editora, https://akiarabooks.com/pt/editora/, com livros em português, espanhol e catalão). Ver artigo
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