Maremoto, de Djaimilia Pereira de Almeida, autora publicada pela Relógio d’Água, que relançou inclusivamente o seu primeiro romance, Esse Cabelo (anteriormente publicado pela Teorema), é um pequeno livro, de capítulos em geral curtos, com cerca de 3 páginas cada, de prosa vigorosa, numa voz original despida de pretensões a desfiar uma história cujo impacto e irresolução perdurará no leitor. Num registo predominantemente na primeira pessoa, o leitor partilha do fluxo nem sempre ordenado dos pensamentos do protagonista, ficando a conhecer a vida de um mendigo, nas suas angústias e pequenas alegrias. Boa Morte da Silva é um arrumador de carros, ex-combatente colonial, mais ou menos efetivado na rua António Maria Cardoso, em Lisboa, que escreve para a filha Aurora – note-se o contraste simbólico entre o nome do pai e o da filha. Os papéis que (nos) escreve, e que procura conservar com todo o cuidado (são aliás o seu único bem), as palavras jogadas ao vento, oscilam entre a certeza de querer passar o seu testemunho de vida à filha que nunca viu, e que ora anseia por reencontrar, numa expectativa que o mantém vivo, ora admite poder nunca voltar a ver: «no fundo sei que falo sozinho. É só porque teu nome, tua ideia, é minha respiração. És a minha vírgula, filha.» (p. 66) Ver artigo