Uma Vida no Nosso Planeta – O meu testemunho e a minha visão para o futuro de Sir David Attenborough, publicado pela Temas e Debates, acompanha o documentário com o mesmo título disponível na Netflix. Mas não se tome este livro como um balanço da vida deste naturalista, pois este senhor, um dos rostos mais conhecidos da televisão, toma o seu mediatismo como uma responsabilidade acrescida de, aos 94 anos, nos dar um retrato do declínio numa vertiginosa espiral da biodiversidade como consequência da sobre-exploração dos recursos naturais do nosso planeta.
Dividido em três partes, o autor passa em revista, na primeira parte, os últimos 80 anos, de 1937 a 2020 (ano em que o livro foi terminado e publicado), começando quando aos 11 anos vagueava em busca de fósseis como amonites. Passando por diversos anos cruciais na sua vida, do seu percurso de estudante de Ciências Naturais a produtor da BBC, o autor cinge-se sobretudo à sua relação com o mundo natural, no que foi observando nas suas várias expedições, enquanto testemunha de um mundo que se tornou cada vez mais pequeno e menos selvagem, conforme o ser humano continuou a assumir que este era o seu planeta e podia explorar os seus recursos ilimitadamente. Na segunda parte, a mais breve, é feita uma projecção da evolução do nosso impacto no mundo nas próximas décadas, se não encontrarmos forma de aligeirar a nossa pegada. Na terceira parte, e a mais cativante, revela como podemos ajudar a repor a biodiversidade do planeta, de modo a alcançar uma estabilidade autosustentável, num período em que começámos finalmente a perceber que existe uma associação entre vírus emergentes e a morte do Planeta (p. 132). Com exemplos fascinantes de diversos países, como a Nova Zelândia, e com dados precisos e actuais de vários relatórios, o autor deixa-nos neste livro, de leitura fácil e acessível, um derradeiro apelo. Depois de anos a falar em sítios como as Nações Unidas ou o Fundo Monetário Internacional, o autor dirige-se directamente a cada um de nós numa chamada final à consciência que ainda podemos revelar nos mais pequenos passos de forma a salvar não o mundo mas a nós mesmos, pois o mundo, esse, é certo que encontrará forma de nos sobreviver, regenerando-se, como já aconteceu nas anteriores 5 extinções.
Uma nota final para este livro enquanto objecto. Um belíssimo livro, pesado, em papel reciclado, de páginas densas, olorosas, enriquecido por belíssimas fotografias coloridas e diversas outras ilustrações. Ver artigo
Diário de viagens, ensaio antropológico e registo zoológico, onde não faltam fotos, as Aventuras de um Jovem Naturalista – As Expedições Zoológicas são contadas em 448 páginas de puro deleite, neste livro publicado pela Temas e Debates. David Attenborough está na sua sétima década de carreira televisiva e é uma voz inconfundível que acompanhou muitos de nós desde a tenra infância em que às manhãs de domingo de desenhos animados se seguiam os programas de vida animal. Estudou Ciências Naturais em Cambridge, começou a trabalhar na BBC em 1952 como produtor estagiário, até que aos 26 anos, com a sua licenciatura em zoologia e dois anos de experiência como produtor de televisão novato, concebe o plano de recolher animais, numa expedição conjunta organizada pela BBC e pelo Zoo de Londres, e filmar a sua captura e recolha, para por fim mostrá-los em estúdio. Em Março de 1955 parte para a Guiana Britânica e desde aí desenvolve o hábito de escrever as suas experiências nessas expedições, cujo relato das três primeiras nos chega agora, actualizado e abreviado, onde se encontram animais para todos os gostos (como uma pitão, uma preguiça, um tamanduá, uma cria de urso, um orangotango, dragões-de-komodo e tatus). Este método de captura de animais poderá parecer ultrapassado e gerar controvérsia no revisionismo constante que vivemos na actualidade, contudo o maravilhamento e o respeito do autor pela vida animal e pela sua preservação são inegáveis, bem como o interesse pelos povos que vai conhecendo e a importância da preservação do seu meio – se bem que, ao longo dos relatos, sentimos que a ocidentalização já tinha chegado, com maior ou menos impacto, às mais remotas comunidades visitadas. E curiosamente perceberemos como é comum estas pessoas terem animais domesticados, como as duas capivaras que foram criadas juntas com duas crianças e só entram no rio quando estão todos juntos.
Tão inconfundível quanto a voz de David Attenborough, é a ironia e sentido de humor que transparece nestas páginas que, a certa altura, se afigura uma recriação do episódio bíblico da Arca de Noé:
«A viagem de regresso pelo rio abaixo começou bem. Tínhamos construído uma caixa grande para o pecari com troncos finos de árvores jovens atados com tiras de casca, e colocámo-la na proa da canoa. Houdini [um porco] portou-se muito bem na primeira meia hora; o mutumporanga, de patas amarradas com um pedaço de fita, estava calmamente empoleirado na lona que cobria o nosso equipamento; as tartarugas passeavam pelo fundo da canoa, papagaios e araras guinchavam amigavelmente aos nossos ouvidos e os macacos-capuchinhos estavam sentados todos juntos numa caixa de madeira, catando afetuosamente o pelo uns dos outros.» (p. 98) Ver artigo
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