Ann Patchett nasceu em Los Angeles em 1963 e cresceu no Tennessee, onde continua a viver. Publicou o seu primeiro romance em 1992, destacado pelo New Yok Times como um dos melhores do ano. Tem recebido diversos prémios e encontra-se traduzida em mais de trinta línguas.
Bel Canto é um dos poucos romances da autora que se pode encontrar traduzido em português – assim Comunidade (Minotauro), já apresentado aqui – e foi publicado pela Gradiva em 2002, um ano imediatamente após a publicação do original. O romance parece ter passado despercebido por cá, mas recebeu os prémios Orange e Pen/Faulkner, e pode agora ser lido a propósito da adaptação cinematográfica que estreou recentemente nas salas de cinema portuguesas.
O livro começa com um beijo roubado na escuridão, um beijo invisível, mas que todos estão seguros de ter visto. Esse é o primeiro indício de uma estranha realidade que se começa a desenhar no romance, havendo até a sensação de que a narrativa vagabundeia um pouco até se centrar naquilo que se torna a intriga principal. Num país não nomeado da América do Sul, onde se fala espanhol e quechua, o Vice-Presidente dá uma festa na sua casa em honra de Mr. Hosokawa como forma de celebrar o seu aniversário, sendo Roxane Coss, cantora lírica americana, a estrela convidada como forma de aliciar este empresário a estar presente. Foi no seu décimo primeiro aniversário que Mr. Hosokawa foi levado pela mão do pai a ver o Rigoletto em Tóquio e desde então ficou apaixonado pela ópera, descobrindo depois, pela mão da filha que lhe oferece um álbum, a voz daquela que se considera ser a melhor soprano da época e que ele irá seguir incansavelmente ao longo dos próximos 5 anos, assistindo a 18 dos seus espectáculos: «a voz maravilhosa de Roxane Coss está a cantar Gilda para o jovem Katsumi Hosokawa, fazendo vibrar os ossos minúsculos dos seus ouvidos. A voz dela permanece dentro dele, transforma-se nele. Ela está a cantar aquela personagem para ele, e para mais mil pessoas. Ele é anónimo, igual aos outros, amado.» (p. 55)
Contudo, rapidamente o cenário de festa após o concerto se altera, quando os convidados são tomados como reféns por um grupo de guerrilheiros. Mais tarde, mulheres, crianças e alguns homens com a saúde mais debilitada são libertados, restando cerca de 50 reféns, mas os dias sucedem-se, até que duas semanas depois continua a não haver qualquer perspectiva de se superar o impasse deste rapto que começa a ganhar laivos surreais, em que os próprios reféns parecem preferir manter-se dentro daquela casa. O quotidiano na casa e as relações que se estabelecem entre os reféns e com os próprios raptores começam a afigurar-se uma metáfora da vida, à semelhança de Os Inconsolados, de Kazuo Ishiguro. Há alguns elementos pouco “realistas”, como Mr. Hosokawa e o seu intérprete Gen Watanabe, quase um assistente pessoal, serem estranhamente idênticos, na aparência e na voz. Gen Watanabe é o intérprete que estabelece a comunicação entre os diversos reféns, pois são de nacionalidades distintas e estão num país estrangeiro. Há guerrilheiros que revelam ser mulheres. A própria Roxanne Coss, que se julgaria ser a protagonista, dado o fascínio que exerce sobre todos, pela voz e pela presença que o seu canto irradia nela, só “entra em cena” já no terceiro capítulo, o que lembra a Turandot de Puccini, em que a princesa japonesa, apesar de omnipresente, apenas entra (que é como quem diz canta) na segunda cena. E não falta, principalmente nos primeiros capítulos, uma deliciosa ironia que denuncia a intrusão do humor da autora.
Este é um livro sobre o amor e a amizade, em que a música é enaltecida como alimento da alma e como uma magia capaz de quebrar as convenções do real: «Nunca tinha pensado, nem só uma vez, que pudesse existir uma mulher assim, uma mulher que estivesse tão perto de Deus que a voz Dele era decantada através dela. Quão fundo teria ido dentro de si própria para invocar aquela voz. Era como se a voz viesse do centro da Terra, e ela, só com um ligeiro esforço e com a diligência da sua vontade, conseguisse puxá-la através da terra, das pedras, pelo chão da casa, pelos pés, perpassando-a, pairando com o calor do seu corpo, até sair pelo lírio branco da sua garganta directamente para Deus lá no céu. Era um milagre, e a dádiva de o testemunhar fê-lo chorar.» (p. 59)
O filme conta com a interpretação de Julianne Moore e de Ken Watanabe. Ver artigo
A autora nasceu em Los Angeles em 1963 e cresceu no Tennessee, onde continua a viver. Publicou o seu primeiro romance em 1992 que foi destacado pelo New Yok Times como um dos melhores do ano. Tem recebido diversos prémios e encontra-se traduzida em mais de trinta línguas. Comunidade, com o título original de Commonwealth, é o seu sétimo e mais recente romance, publicado pela Minotauro.
Num domingo à tarde, no sul da Califórnia, terra das laranjas, um membro da comunidade aparece na festa de baptizado de Franny Keating, filha de Beverly e Fix Keating, e leva como presente impróprio para a ocasião uma garrafa de gim. Bert Cousins decide aparecer sem ter sido convidado como forma de fugir à confusão do seu próprio lar, onde estão os seus três filhos e a mulher grávida.
A partir deste acontecimento fortuito, aparentemente muito pouco relevante, precipitam-se consequências drásticas na vida de dois casamentos e duas famílias, cujo impacto se arrastará durante cinco décadas. Pois foi também nesse dia que se despoletou uma forte atracção de Bert por Beverly, o que leva a um beijo e depois a um caso entre os dois que anos mais tarde motiva o divórcio dos seus cônjuges, um novo casamento e a sua mudança para a Virgínia, onde os filhos de ambos se passarão a encontrar nas férias de Verão. O destino de seis crianças com muito pouco em comum é assim unido à força, apesar de entre elas não existir qualquer animosidade, embora todas partilhem um ódio reverente aos pais.
Mais tarde, quando Franny, a bebé, se torna uma mulher adulta e se envolve com Leon, um aclamado escritor, ao nível de Roth ou Updike, é a história dos verões da juventude da namorada que irão alimentar o tão aclamado romance que os leitores de Leon há muito aguardavam, romance esse que se intitula justamente Comunidade e dará depois origem a um filme. A autora parece assim explorar a questão da validade ou justiça do aproveitamento da matéria real da vida de algumas pessoas para a criação de uma história que se faz passar por ficção, quando na verdade o que se faz a exposição pública de segredos de família.
O romance está magistralmente narrado, sem tecer juízos ou considerações, deixando a interpretação a cargo do leitor, e construído de modo a deixar pistas de que algo trágico terá ocorrido entretanto mas só ao progredir na leitura é que se poderá juntar a informação em falta. Além disso, a autora nunca procura subsumir a complexidade das personagens de forma ligeira, como na passagem: «A filha do primeiro casamento estava sempre a precisar de dinheiro, na realidade precisava de muito mais do que dinheiro, mas esta era a forma mais fácil de ela expressar as suas necessidades.» (p. 183). Ou como acontece por exemplo com a personagem de Albie, a criança mais nova e particularmente irritante que era drogada pelos irmãos com antialérgicos para que não os incomodasse. Afirma o pai que «É possível relacionar muitos dos problemas daquele miúdo com o nome.» (p. 39), mas se Albie se revela um adolescente problemático, podemos também remontar o que mais tarde acontece e que resulta na morte de uma das crianças como culpa dos pais, como no episódio emblemático do motel, em que os pais decidem dormir até tarde e as crianças ficam por sua conta, decidindo ir a pé até a um lago que fica a 3 km de distância, não sem se fazerem acompanhar de uma arma que estava no porta-luvas do carro cuja porta Caroline consegue destrancar, pois Fix, o pai, ensinara-lhe a destrancar um carro com um cabide de arame.
Uma belíssima narrativa que se pode ler como uma alegoria da família e das relações humanas como elos inquebráveis, mesmo quando apesar dos laços sanguíneos muito pouco os parece unir, e em que uma acção por muito inconsequente que pareça, tem repercussões em todos os outros, mesmo que entretanto se tenham passado cinco décadas, à semelhança de uma liga de países ou aos membros de uma comunidade que se unem apesar das suas (des)identidades distintas. Ver artigo
Pesquisar:
Subscrição
Artigos recentes
Categorias
- Álbum fotográfico
- Álbum ilustrado
- Banda Desenhada
- Biografia
- Ciência
- Cinema
- Contos
- Crítica
- Desenvolvimento Pessoal
- Ensaio
- Espiritualidade
- Fantasia
- História
- Leitura
- Literatura de Viagens
- Literatura Estrangeira
- Literatura Infantil
- Literatura Juvenil
- Literatura Lusófona
- Literatura Portuguesa
- Música
- Não ficção
- Nobel
- Policial
- Pulitzer
- Queer
- Revista
- Romance histórico
- Sem categoria
- Séries
- Thriller
Arquivo
- Novembro 2024
- Outubro 2024
- Setembro 2024
- Agosto 2024
- Julho 2024
- Junho 2024
- Maio 2024
- Abril 2024
- Março 2024
- Fevereiro 2024
- Janeiro 2024
- Dezembro 2023
- Novembro 2023
- Outubro 2023
- Setembro 2023
- Agosto 2023
- Julho 2023
- Junho 2023
- Maio 2023
- Abril 2023
- Março 2023
- Fevereiro 2023
- Janeiro 2023
- Dezembro 2022
- Novembro 2022
- Outubro 2022
- Setembro 2022
- Agosto 2022
- Julho 2022
- Junho 2022
- Maio 2022
- Abril 2022
- Março 2022
- Fevereiro 2022
- Janeiro 2022
- Dezembro 2021
- Novembro 2021
- Outubro 2021
- Setembro 2021
- Agosto 2021
- Julho 2021
- Junho 2021
- Maio 2021
- Abril 2021
- Março 2021
- Fevereiro 2021
- Janeiro 2021
- Dezembro 2020
- Novembro 2020
- Outubro 2020
- Setembro 2020
- Agosto 2020
- Julho 2020
- Junho 2020
- Maio 2020
- Abril 2020
- Março 2020
- Fevereiro 2020
- Janeiro 2020
- Dezembro 2019
- Novembro 2019
- Outubro 2019
- Setembro 2019
- Agosto 2019
- Julho 2019
- Junho 2019
- Maio 2019
- Abril 2019
- Março 2019
- Fevereiro 2019
- Janeiro 2019
- Dezembro 2018
- Novembro 2018
- Outubro 2018
- Setembro 2018
- Agosto 2018
- Julho 2018
- Junho 2018
- Maio 2018
- Abril 2018
- Março 2018
- Fevereiro 2018
- Janeiro 2018
- Dezembro 2017
- Novembro 2017
- Outubro 2017
- Setembro 2017
- Agosto 2017
- Julho 2017
- Junho 2017
- Maio 2017
- Abril 2017
- Março 2017
- Fevereiro 2017
- Janeiro 2017
- Dezembro 2016
- Novembro 2016
- Outubro 2016