O segundo e último volume de A Morte do Comendador do autor japonês Haruki Murakami foi publicado pela Casa das letras em Março, e depois de se ter apresentado aqui o primeiro volume podemos agora fazer um balanço desta obra, sem repetir as ideias já expressas referentes ao volume anterior, da mesma forma que Murakami continua a publicar regularmente, há mais de 30 anos, e com pelo menos 30 livros já publicados, sem que se repita, mesmo que o seu universo seja relativamente identificável e fiável.
O retratista, ocasionalmente pintor, personagem sem nome, continua a narrar as suas aventuras durante uma espécie de exílio que dura algo como 8 meses, em que ele se isola do mundo na casa de um pintor famoso, pai do seu amigo. Sem incorrer no risco de contar demasiado sobre a narrativa, há sinos que tocam em câmaras de pedra todas as madrugadas por volta das 2 h, existem Metáforas Duplas e as Ideias tornam-se personagens, à semelhança dos modelos saídos de um quadro que ganham vida, e falam de forma rebuscada como nos tempos clássicos, mesmo que não ultrapassem os setenta centímetros de altura. Nesta narrativa, Murakami dá mais ênfase à ópera, talvez por haver um episódio da história da Europa que aqui surge em pano de fundo, muito ao de leve, e por isso não é agora o jazz que serve de banda sonora, mas sim O Cavaleiro da Rosa, de Richard Strauss, enquanto o quadro que dá nome ao livro ressoa ecos de Mozart, com Don Giovanni. Murakami procura cruzar, ainda que de forma muito ligeira, a cidade de Viena quando ocupada pelos nazis com a Noite de Cristal, e enche este romance de homens sofridos que encontraram na arte o seu único escape, como é o caso do protagonista, mas não a salvação, como pianistas que interpretam Chopin ou pintores que dão corpo a episódios de ópera num quadro que o mundo nunca conheceu. À semelhança do nosso herói, que se procura refazer de um divórcio e vive como um eremita, apesar de sempre rodeado de várias pessoas que encontram nele um farol ou um bom ouvinte, Murakami leva-nos a entrar numa toca, como quem segue um coelho branco, e enreda-nos nas suas densas narrativas onde ficam sempre mais perguntas do que certezas e a premonição e as coincidências parecem tecer o véu do real.
O autor continua a ser traduzido a partir do inglês por Maria João Lourenço (agora com uma ajuda de Ana Lourenço), numa tradução que melhorou bastante desde livros anteriores como Kafka à beira-mar. Compreende-se que a tradução procura corresponder a uma leitura dos livros fluída, intentando respeitar o espírito de uma prosa escorreita e oralizante, por vezes, em que o narrador interpela directamente o leitor em vários momentos. Contudo, apesar de já não nos depararmos com expressões como “meter o Rossio na Betesga” e “nos cus de Judas” ainda assim talvez a tradução pudesse fazer um uso menos recorrente de outras expressões coloquiais que podem desvirtuar a narrativa, como “a ponta de um corno”, “acto contínuo” ou “dar um abalo ao pífaro”… Ver artigo
Pesquisar:
Subscrição
Artigos recentes
Categorias
- Álbum fotográfico
- Álbum ilustrado
- Banda Desenhada
- Biografia
- Ciência
- Cinema
- Contos
- Crítica
- Desenvolvimento Pessoal
- Ensaio
- Espiritualidade
- Fantasia
- História
- Leitura
- Literatura de Viagens
- Literatura Estrangeira
- Literatura Infantil
- Literatura Juvenil
- Literatura Lusófona
- Literatura Portuguesa
- Música
- Não ficção
- Nobel
- Policial
- Pulitzer
- Queer
- Revista
- Romance histórico
- Sem categoria
- Séries
- Thriller
Arquivo
- Novembro 2024
- Outubro 2024
- Setembro 2024
- Agosto 2024
- Julho 2024
- Junho 2024
- Maio 2024
- Abril 2024
- Março 2024
- Fevereiro 2024
- Janeiro 2024
- Dezembro 2023
- Novembro 2023
- Outubro 2023
- Setembro 2023
- Agosto 2023
- Julho 2023
- Junho 2023
- Maio 2023
- Abril 2023
- Março 2023
- Fevereiro 2023
- Janeiro 2023
- Dezembro 2022
- Novembro 2022
- Outubro 2022
- Setembro 2022
- Agosto 2022
- Julho 2022
- Junho 2022
- Maio 2022
- Abril 2022
- Março 2022
- Fevereiro 2022
- Janeiro 2022
- Dezembro 2021
- Novembro 2021
- Outubro 2021
- Setembro 2021
- Agosto 2021
- Julho 2021
- Junho 2021
- Maio 2021
- Abril 2021
- Março 2021
- Fevereiro 2021
- Janeiro 2021
- Dezembro 2020
- Novembro 2020
- Outubro 2020
- Setembro 2020
- Agosto 2020
- Julho 2020
- Junho 2020
- Maio 2020
- Abril 2020
- Março 2020
- Fevereiro 2020
- Janeiro 2020
- Dezembro 2019
- Novembro 2019
- Outubro 2019
- Setembro 2019
- Agosto 2019
- Julho 2019
- Junho 2019
- Maio 2019
- Abril 2019
- Março 2019
- Fevereiro 2019
- Janeiro 2019
- Dezembro 2018
- Novembro 2018
- Outubro 2018
- Setembro 2018
- Agosto 2018
- Julho 2018
- Junho 2018
- Maio 2018
- Abril 2018
- Março 2018
- Fevereiro 2018
- Janeiro 2018
- Dezembro 2017
- Novembro 2017
- Outubro 2017
- Setembro 2017
- Agosto 2017
- Julho 2017
- Junho 2017
- Maio 2017
- Abril 2017
- Março 2017
- Fevereiro 2017
- Janeiro 2017
- Dezembro 2016
- Novembro 2016
- Outubro 2016
Etiquetas
Akiara
Alfaguara
Annie Ernaux
Antígona
ASA
Bertrand
Bertrand Editora
Booker Prize
Caminho
casa das Letras
Cavalo de Ferro
Companhia das Letras
Dom Quixote
Editorial Presença
Edições Tinta-da-china
Elena Ferrante
Elsinore
Fábula
Gradiva
Hélia Correia
Isabel Allende
Juliet Marillier
Leya
Lilliput
Livros do Brasil
Lídia Jorge
Margaret Atwood
Minotauro
New York Times
Nobel da Literatura
Nuvem de Letras
Pergaminho
Planeta
Porto Editora
Prémio Renaudot
Quetzal
Relógio d'Água
Relógio d’Água
Série
Temas e Debates
Teorema
The New York Times
Trilogia
Tânia Ganho
Um Lugar ao Sol