Elogio do Amor, de Alain Badiou e Nicolas Truong, publicado pela Edições 70, chancela das Edições Almedina, é aquilo que o próprio título revela: uma elegia do amor. E cumprindo o espírito dos primórdios da filosofia, conforme aos diálogos socráticos, este elogio ao amor surgiu sob a forma de uma conversa pública, pois o texto do livro reelabora o discurso do autor proferido em Julho de 2008, no âmbito do Teatro das Ideias, um ciclo de encontros intelectuais e filosóficos do Festival de Avinhão. A discussão filosófica aqui reproduzida corre com a espontaneidade e clareza de um diálogo entre amigos, e bebe da energia complexa e profunda de uma conversa que brota entre a mente de dois intelectuais: Alain Badiou, licenciado em Filosofia, um dos fundadores da Faculdade de Filosofia da Universidade de Paris VIII com Gilles Deleuze, Michel Foucault e Jean François Lyotard, e Nicolas Truong, interrogador-sábio e jornalista (dirige a secção «Ideias – debates» do jornal Le Monde), e organizador do Teatro das Ideias.
Alain Badiou cita Platão, defendendo que «quem não começar pelo amor nunca saberá o que é a filosofia», até porque, como se sabe, o sentido etimológico da palavra Filosofia é amor à sabedoria.
A definição de amor permanece fugidia e ilusória. Curiosamente, a conversa do autor inicia pela noção enganosa de que seja possível um amor seguro, sem riscos, como acontece com certas redes sociais que prometem a união perfeita entre pessoas com o mínimo de dor e de desilusão. O autor defende então como o amor vive do acaso e de encontros fortuitos, sendo «aquilo que dá intensidade e significado à vida» (p. 16), pelo que uma pesquisa cuidadosa na internet em demanda do parceiro perfeito é tão passível de resultar como quando um país anuncia uma guerra sem mortos. Parece extrema a comparação entre amor e guerra (ainda que não seja inédita), mas para este filósofo compete também à filosofia manter a necessidade de um amor em que o risco e a aventura se reinventam, pois só isso traz sentido à vida e à milagrosa união entre duas pessoas. Se a sexualidade é egoista e solitária – mesmo que implique vislumbrar no corpo do outro a ideia do Belo –, o amor concentra-se sobretudo nesse outro, tal como ele nos aparece, invadindo-nos o ser, reformulando e subvertendo a nossa vida: «o que é o mundo quando o experienciamos a partir de dois e não a partir de um? O que é o mundo, analisado, praticado e vivido a partir da diferença e não a partir da identidade?» (p. 29) Ver artigo
Frente ao Contágio, de Paolo Giordano, publicado pela Relógio d’Água, tem este título um pouco mais genérico mas é, de facto, sobre a actual pandemia, em 27 fragmentos ou breves capítulos. O autor e físico italiano, autor de outros livros como A Solidão dos Números Primos, escreve este ensaio num «raro dia 29 do mês de Fevereiro», um dia extra de um ano bissexto que está, pelas piores razões, a ser “extra-ordinário” e, por isso também, esperamos nós, raro. Nessa data, a partir da qual o autor nos escreve este ensaio, os contágios confirmados em todo o mundo já são mais de oitenta e cinco mil», ou seja, o contágio estava ainda no seu início pois agora, quando vos escrevo sobre este ensaio, e Portugal prepara o regresso à normalidade possível, com a saída do confinamento e a reabertura do mundo, a pandemia atingiu já mais de 3 milhões e 500 mil pessoas infectadas, mais de 250.000 mortes, mais de 1 milhão de casos recuperados. A Itália, hoje, supera os 200 mil casos e os Estados Unidos da América ultrapassam 1 milhão… Se nos detemos nestas contagens aparentemente macabras é porque, conforme escreve o autor neste ensaio desenvolvido a partir de um artigo publicado num jornal italiano «Há pelo menos um mês que esta estranha contabilidade é a música de fundo dos meus dias», enquanto observa um mapa-mundo aberto no seu ecrã de computador, «todo o mundo está coberto de picadas, e a erupção só pode agravar-se», num planisfério digital em que as zonas vermelhas marcam os focos da doença, pois, «como é sabido, os vírus são vermelhos, as emergências são vermelhas» (pág. 10).
O «SARS‑CoV‑2 é o primeiro novo vírus a manifestar‑se tão velozmente à escala global» e revela «a multiplicidade dos níveis que nos ligam uns aos outros, assim como a complexidade do mundo que habitamos, das suas lógicas sociais, políticas, económicas, e também interpessoais e psíquicas» (p. 9): «Este contágio dá‑nos a medida do grau em que o nosso mundo se tornou global, interconectado, inextrincável.» (p. 10)
Paolo Giordano usa a escrita para manter os pés bem assentes na terra, num tempo de silêncio, «um espaço vazio inesperado», que é, contudo, hostil à criatividade e à produtividade, devido à incerteza dos dias. Uma das poucas certezas é a de que os números continuarão a crescer e serão completamente outros quando o leitor ler essas suas páginas. E a principal certeza a que se agarra é que estas «reflexões que o contágio suscita agora continuarão a ser válidas. Porque tudo o que está a acontecer não é um acidente casual nem um flagelo. E não é realmente novo: já aconteceu e tornará a acontecer» (p. 11). E é sobre a matemática, a mesma ciência exacta que nos seus anos de secundário lhe permitia sanar a angústia, que o autor se debruçará, desenvolvendo a tese de que as «epidemias, antes ainda de emergências médicas, são emergências matemáticas. Porque a matemática não é de facto a ciência dos números, é a ciência das relações: descreve as ligações e as trocas entre seres diferentes, procurando esquecer de que são feitos (…), tornando-os abstratos sob a forma de letras, vetores, pontos e superfícies. O contágio é uma infeção da nossa rede de relações.» (p. 14)
Em suma, escreve-nos o autor que a única arma que temos não é uma vacina mas a paciência, essa “forma um tanto antipática de prudência”… Ver artigo
A colecção Retratos, da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), traz-nos «um olhar próximo sobre a realidade do país». Cobras, lagartos e baratas – Os melhores amigos do homem? é um retrato contado por Ana Daniela Soares, que viu, ouviu e viveu de perto como os portugueses cada vez mais escolhem répteis, insectos ou anfíbios como animais de estimação, naquele que é um mercado em crescimento – além de que o tráfico de vida selvagem é um dos mais lucrativos, depois do tráfico de drogas e de pessoas (p. 91). Ainda que a companhia doméstica de bichos exóticos possa surpreender e até arrepiar alguns dos leitores – até porque um animal de estimação hoje pode também considerado um parceiro –, este pequeno livro é um trabalho surpreendentemente isento de qualquer juízo de valor, em que a autora reparte em diversos capítulos o que resultou da sua pesquisa, nomeadamente das conversas com tutores, criadores, biólogos (como Élio Vicente, do parque temático Zoomarine), consultores em bem-estar animal, proprietários de lojas de animais e veterinários, de modo a revelar este «admirável mundo novo dos animais exóticos de estimação» (p. 10).
Em Portugal, onde se chegou a vender 400 mil tartarugas por ano, há até quem tenha ouriços ou furões. Hoje é legal «ter como animais de companhia determinadas espécies de aranhas, escorpiões, lagartos, cobras, mamíferos como suricatas ou petauros-do-açúcar e até baratas-de-madagáscar, as quais podem atingir 10 cm» (p. 10)…. Contudo, neste Retrato descobriremos histórias bastante mais insólitas que ocorrem em Portugal: pitões encontradas abandonadas na natureza, com 20 kg de peso e 1,70 m; crocodilos recolhidos na Barragem de Castelo de Bode com 1,5 m; uma mulher que passeava um elefante pelo Algarve (para sermos claros, tinha 4 m de altura e 4.000 kg); clientes que compram enganosamente mini pigs (moda que começou com George Clooney) que atingem os 100 kg; um senhor, em Portugal, que tinha um casal de leões adultos na sala (apesar das fiscalizações que ocorrem quando surgem denúncias para a apreensão de grandes felinos é preciso ter um mandado; nos EUA, por exemplo, vivem 300 tigres como animais de estimação); pode comprar uma formiga por 500 euros e colónias a vários milhares de euros
É bom ressalvar que estes animais exóticos são, muitas vezes, sobretudo para contemplação, até porque não se deixam manear, pois são de gerações de cativeiro ainda muito recentes, ao contrário de animais domésticos, como os cães, que co-evoluíram com o homem ao longo de centenas de milhares de anos. São animais selvagens, cuja proximidade podem dar aos seus cuidadores, erradamente, a sensação errada de que podem manifestar afecto (p. 12). Além de que, quando se tornam demasiado grandes para estarem contidos num apartamento, e são libertados na Natureza, há que ter em conta que eles não estão preparados, depois de criados em cativeiro, para viver livremente e são um risco biológico e ecológico para o nosso ecossistema, inclusive os aparentemente inofensivos peixes vermelhos de aquário ou as tartarugas que podem colocar em risco espécies endémicas como o cágado…. Hoje, aliás, gasta-se mais a erradicar espécies exóticas do que na prevenção dos cuidados a ter com a natureza… (p. 52)
Ana Daniela Soares é licenciada em Enfermagem e em Ciências da Comunicação. Integrou os quadros da RTP em 2004. Apresentou e fez reportagem em vários programas, concertos e emissões especiais na Antena 1 e Antena 2. Apresenta desde 2010 a rubrica À Volta dos Livros, transmitida de segunda-feira a sexta-feira, às 17h40 e às 21h20, na Antena 1. Em 2013, foi distinguida com o Prémio Pró-Autor, atribuído pela Sociedade Portuguesa de Autores. Desde 2015 integra o canal de informação RTP 3 onde coordena e apresenta o programa Todas as Palavras. Ver artigo
As questões de género e de sexo continuam (in)felizmente a dar que falar, o que apenas comprova que ainda há mitos a desmentir e asserções a destruir. Se for homem, é possível que já tenha ouvido algo como “Tu pensas como uma mulher!” ou inclusive dito a outro “Não sejas menina!”. Pelas redes sociais pululam ainda (pseudo)artigos que comprovam como as mulheres trabalham mais com o hemisfério direito ou gerem tarefas de forma múltipla enquanto que os homens não conseguem sequer ouvir alguém ao seu lado quando estão focados num jogo de futebol…
Publicado pela Temas e Debates, este manifesto de Daphna Joel, neurocientista de renome internacional, e de Luba Vikhanski, redactora especializada em ciência, procura contribuir para um mundo sem estereótipos de género, desmontando uma série de verdades impostas por uma ciência essencialmente dominada por homens até muito recentemente. Daphna Joel procede a uma revisão de diversos estudos conduzidos por terceiros, onde confluem pequenas histórias e episódios conhecidos, e explica, na primeira pessoa, de forma acessível e divertida, como chegou às inovadoras descobertas, conduzidas no laboratório que dirige em Telavive, de que o cérebro de cada ser humano se revela como um mosaico único de características tanto masculinas como femininas: «a descrição da estrutura cerebral humana como um mosaico, ao invés de um conjunto de características só «masculinas» ou só «femininas», condiz na perfeição com a ideia de que cada um de nós tem traços femininos e masculinos, e que é raro os seres humanos serem completamente femininos ou completamente masculinos.» (p. 90)
A autora começa por analisar a história, feita de factos distorcidos, em que se tomou o tamanho supostamente inferior do cérebro de indivíduos do sexo feminino para comprovar como os homens seriam cognitivamente mais desenvolvidos.
«Segundo uma versão popular da história, o cérebro feminino tem um grande centro de comunicação e um grande centro de emoções, e está programado para a empatia. O cérebro masculino, por seu lado, tem um grande centro de sexo e um grande centro de agressão, e está programado para construir sistemas.» (p. 12)
Mas diversos estudos que abrangeram comportamentos e actividades altamente estereotipados por género chegam a conclusões surpreendentes, em que menos de 1 % dos indíviduos revelou ter características apenas masculinas ou femininas. Isto tem, naturalmente, óbvias consequências práticas para a maneira como ainda hoje se entende o mundo que nos rodeia, fundamentado em mitos culturais tratados como verdades. A própria noção de género pode muito bem ser um dos maiores mitos de toda a História – o que não significa que não exista: «Claro que existe, não como um conjunto intrínseco de qualidades, mas como um sistema social que atribui significado ao sexo, conferindo diferentes papéis, estatutos e poderes aos homens e às mulheres. Tal sistema exerce uma influência preponderante nas nossas vidas, impondo uma divisão binária a uma população de mosaicos humanos.» (p. 107)
Não se pense, contudo, que rapazes e homens não podem ser igualmente prejudicados por constituírem o grupo do género dominante do sistema num mundo generizado de forma binária… Ver artigo
A Pergaminho, chancela da Bertrand Editora, publica geralmente livros de espiritualidade ou desenvolvimento pessoal. A Nação das Plantas, de Stefano Mancuso, bem como o anterior A Revolução das Plantas, é um livro que foge a essa regra, mas nem por isso menos premente e pertinente, ainda mais numa era em que o homem compreende como é, de facto, pequeno face ao poder imprevisível da Natureza. O autor pretendeu redigir com este fascinante e original tratado uma constituição escrita pelas plantas e para as plantas onde define os seus 8 pilares principais de sabedoria.
Demonstrando que o homem não é de todo o dono da terra mas sim um inquilino desagradável e ingrato, o autor explana como o nosso planeta, que na verdade deveria chamar-se Gaia, como ser vivo e inteligente que é. O homem, apesar dos seus 7,5 mil milhões de espécimes, representa somente um décimo de milésimo da biomassa total do planeta, enquanto que as 450 gigatoneladas de plantas correspondem a 80 % em contraposição com o 0,01 % da humanidade. As relações ecológicas são ligações infindas e complexas e qualquer quebra nessa rede de comunidades, como as extinções provocadas pelo homem, pode trazer consequências nefastas. Além disso, as plantas são seres vivos profundamente inteligentes que «veem, ouvem, respiram e raciocinam com todo o corpo» (p. 54), da mesma forma que a sua comunidade funciona num modelo organizacional difuso, como um sistema radicular, em que o poder nunca se concentra num só ser. Por isso mesmo, apesar de não poderem deslocar-se como os animais, ou migrar como os homens (ou será que afinal até se movem?), as plantas conseguem adaptar-se às alterações do terreno e do ambiente em que se inserem: «Em condições de escassez de nutrientes ou de água, conseguem transformar de forma substancial a sua própria anatomia, adaptando-a ao meio alterado.» (p. 108)
Assumindo-se como uma Cassandra – a profetisa da desgraça que, afinal, tinha razão –, Mancuso explana, de forma acessível, diversos dados científicos relevantes que alertam para a nossa pequenez face a uma comunidade inteligente como a das plantas, proporcionando, inclusive, comparações extremamente acutilantes entre a vida das plantas e a dos homens, como, por exemplo, a forma como o mundo vegetal só se desenvolve em função dos recursos que tem disponíveis, enquanto o homem continua a dilapidar a Terra dos seus recursos. A nação das plantas, capaz de criar as mais surpreendentes formas de cooperação, desenvolveu em poucos milhões de anos florestas arbóreas que permitiram alterar o ambiente terrestre de modo a proporcionar o surgimento de vida animal, removendo quantidades astronómicas de dióxido de carbono, usando esse mesmo carbono para criar substâncias orgânicas e fixando essa enorme quantidade de carbono desnecessário nas profundidades da Terra, transformado em carvão e petróleo… «E ali teria ficado para sempre, intocada e inócua, se nós, tal como no mais assustador dos filmes de terror, não tivéssemos ido perturbar o sono deste monstro.» (p. 91)
Stefano Mancuso é uma das autoridades de maior renome na área da Neurobiologia Vegetal. Professor associado na Universidade de Florença, dirige o Laboratório Internacional de Neurobiologia Vegetal e é membro fundador da International Society for Plant Signaling and Behavior. Autor de vários bestsellers internacionais de divulgação científica e de centenas de artigos académicos. A revista New Yorker considerou-o um dos «world changers» da década e o La Repubblica assinalou-o como um dos 20 italianos destinados a transformar as nossas vidas. Ver artigo
Fábrica de mentiras – Viagem ao mundo das fake news, de Paulo Pena, é um livro de leitura urgente, publicado pela Objectiva. Jornalista premiado e investigador do Diário de Notícias, o autor nasceu em Lisboa em 1973, foi editor da revista Visão, e conduziu uma investigação cuidada em que disseca notícias falsas, que são usualmente as mais amplamente difundidas e comentadas nas redes sociais, e denuncia alguns sítios electrónicos que se dedicam à desinformação.
Hoje aquilo que é considerado viral no mundo digital significa que é um êxito, o que não deixa de ser curioso se considerarmos estes tempos estranhos em que é decretada uma pandemia. E o que Paulo Pena faz é justamente demonstrar como as notícias falsas são, também elas, uma epidemia global, capaz de destabilizar sistemas democráticos e alimentar o ódio que engrossa as fileiras da extrema-direita. Essa é aliás uma das prioridades que deveria ser em conta actualmente pelos governos: controlar a desinformação viral, que pode ser fatal, sobre este novo vírus. Até porque fenómenos como o Brexit, a eleição de Trump ou de Bolsonaro são justamente sintomas do efeito da desinformação e das mentiras propagadas como verdades, determinantes para decidir eleições e provocar resultados inimagináveis.
Em Portugal, onde 63% das pessoas afirmam manter-se informadas consultando as notícias disseminadas nas redes sociais, existem mais de 40 sites especialmente destinados a produzir informação falsa, além de também se dedicam a copiar o que outros jornais escrevem. Mas para que as fake news se propaguem e cheguem a um número estimado em 2,5 milhões de utilizadores de redes sociais é preciso que esta informação seja partilhada pelas massas. A publicidade já era a principal fonte de receitas do jornalismo, além do público que paga e subscreve o acesso à informação, mas hoje qualquer anunciante pode recorrer directamente ao Facebook ou à Google para chegar ao público específico que lhe interessa, e por isso, uma mentira eficaz, ou um título inexacto e enganoso numa notícia é o melhor garante para um maior número de clicks que, por conseguinte, se traduzem em mais dinheiro para os autores.
Os nossos dados privados são hoje mercadoria valiosa, uma espécie de novo petróleo. E estão disponíveis online, podendo ser analisados por algoritmos que trabalham num sistema de inteligência artificial que filtram a informação que “sabem” que nos pode interessar, enredando-nos nas malhas desta rede digital: «o negócio somos nós. Ao entregarmos a estas plataformas, gratuitamente, os nossos dados, informação não editada sobre nós e sobre a vida que levamos, permite-lhes oferecer-nos, em troca, os serviços que elas criaram. Pode parecer justo e inconsequente, mas, na verdade, é o equivalente moderno daqueles encontros comerciais entre europeus e nativos americanos no século XVI: um colar de contas de vidro em troca de ouro.» (p. 16) Ver artigo
A gripe espanhola matou dezenas de milhões em 1918, possivelmente até cem milhões.
A turberculose, doença que hoje quase esquecemos (se bem que eu e toda a minha família tivemos de fazer um rastreio, quando um familiar foi identificado com tuberculose) mata 1,5 a 2 milhões de pessoas por ano.
Existem actualmente 7000 doenças genéticas. Há 20 anos conheciam-se 5000.
Uma pessoa, em cada 17 pessoas, pode ser portadora de uma das 7000 doenças raras que existem hoje.
A gripe mata, num ano bom, 30.000 a 40.000 pessoas por ano. Em 2017-2018 matou 80.000 pessoas. E isto é porque se fala apenas de um país: os Estados Unidos da América.
Com o que agora se vive, com pessoas e países em quarentena, senti-me impelido a abrir O Corpo – Um guia para ocupantes, de Bill Bryson, publicado pela Bertrand, em alguns capítulos essenciais.
Na linha de êxitos anteriores, como o aclamado Breve História de Quase Tudo, Bill Bryson volta-se para o corpo humano, numa brilhante investigação, em que debita informação científica, dados, estatísticas, e aproveita para contar histórias curiosas, sempre num tom ligeiro, e mantendo o bom humor, conforme explica aos mais leigos como funciona o corpo humano, como se chegou ao conhecimento que hoje se tem sobre o corpo, aquilo que ainda aguarda resposta, como cresce, como se cura e regenera, como se reproduz noutro corpo humano. Contudo, apesar de tudo o que se sabe, «os detalhes são, muitas vezes, surpreendentemente inconstantes» (p. 14).
São precisos 59 elementos para fazer um corpo humano. E apesar de a Humanidade partilhar 99,9 % do mesmo ADN, não há dois seres humanos iguais. Somos o resultado de 3 mil milhões de anos de evolução. E há mais de 8000 coisas que nos podem matar.
Bill Bryson escreve ainda sobre o vírus: «Um vírus bem-sucedido é aquele que não mata demasiado bem e consegue circular com um grande raio de alcance. É isso que torna a gripe uma ameaça constante. Uma gripe típica deixa as pessoas contagiosas cerca de um dia antes de começarem a ter sintomas e durante uma semana ainda depois de recuperarem, o que transforma cada vítima num vetor de contágio.» (p. 397)
E cita um especialista que refere que «não estamos mais bem preparados hoje para um surto grave» (p. 410) do que estávamos há 100 anos com a gripe espanhola. Apenas temos tido sorte. Ver artigo
Paolo Cognetti, nascido em Milão em 1978, é uma das mais recentes descobertas da Dom Quixote. Um dos escritores italianos mais aclamados pela crítica e apreciado pelos leitores, escreveu As Oito Montanhas (2016). Escrito com «o fólego de um clássico», esse livro tem ecos de outros grandes que subiram a montanhas para se tornarem maiores do que a vida, e talvez por isso esteja também dividido em três partes mais ou menos correspondentes às três fases de vida de um homem. Em O rapaz selvagem, o segundo romance do autor, deixa-nos um relato na montanha entre o autobiográfico e o romanceado. Paolo, que nunca se designa, embora narre na primeira pessoa, tem trinta anos e sente-se sem rumo ou esperança quando decide partir para a montanha, inclusive na esperança de voltar a escrever.
Sem nunca chegar ao cimo, de Paolo Cognetti, com o subtítulo Viagem aos Himalaias, é um diário da viagem do autor, no final de 2017, a um planalto no Nepal de onde se propõe subir aos cinco mil metros de altitude, até a um remoto Tibete que permaneceu a salvo do tempo. O autor refere, aliás, que no Nepal «a sensação de estarmos a perder tempo transforma-se na necessidade de nos habituarmos a um ritmo diferente da passagem do tempo.» (p. 19)
Mais à frente, o autor volta aos conceitos de «ganhar e perder», cuja valoração pressupõe uma perspectiva ocidental, que não se coaduna com o modo de vida não só do Nepal ou do Tibete mas de toda a montanha a que o homem, alpinista ou montanhista, se propõe desafiar, onde o que aí importa verdadeiramente é que «altitude e distância são capitais que acumulamos com o nosso esforço, sendo que não nos agrada nada desperdiçar esse investimento» (p. 125).
A viagem durou cerca de um mês e prosseguiu ao longo da fronteira tibetana, mas nós podemos ler o seu registo num único dia. Para Paolo esta viagem é ainda um desafio ao seu insuperável medo das alturas… Assim como uma despedida do que ainda considera ser a sua juventude, agora atingidos os 40 anos de vida, ao partir nesta demanda com mais 2 amigos de longa data: «Eu sabia que na montanha, mesmo quando caminhamos acompanhados, caminhamos sempre sozinhos, mas estava feliz por partilhar a minha solidão com estes companheiros.» (p. 17)
Uma vez mais, este livro de Paolo Cognetti fala-nos do «maldito apelo da montanha», desse chamamento mágico que contraria até o seu próprio instinto de sobrevivência: «Mas que faço eu aqui? Porque é que estou aqui a tremer a cinco mil metros de altitude, nada mais em redor senão gelo e escuridão, com o estômago a contorcer-se?» (p. 114) Ver artigo
Se já deu por si a olhar uma sala cheia de gente em que subitamente todos estão a olhar para o telemóvel, ou a sentir ansiedade assim que o telefone toca enquanto está no banho, ou a entrar numa torrente de mensagens com uma conversa que se podia resolver com um telefonema de 1 minuto, ou a achar que não precisa de visitar aquele amigo doente ou o bebé recém-nascido de uma amiga, porque afinal estão em contacto nas redes sociais e já viu fotos e deixou um comentário banal, então este pode ser o livro certo para si. Com o selo da Actual (Grupo Almedina), Minimalismo Digital – Viver melhor com menos tecnologia, de Cal Newport, é um estudo que prossegue a senda de Deep Work – A concentração máxima num mundo de distrações, onde o autor faz uma análise premente de como a tecnologia interfere actualmente com o nosso comportamento e interacção social. Baseado em diversa bibliografia, em estudos de caso e numa experiência que o próprio autor orientou enquanto escrevia este livro, em que 1600 pessoas se comprometeram a uma redução ou «desatafulhar digital», Cal Newport apresenta-nos pedaços de informação preocupante ao mesmo tempo que nos deixa algumas práticas de desintoxicação digital. Por exemplo, quando se verificou que a ansiedade cresceu entre os jovens a única variável que o podia explicar era o aumento do número de jovens com smartphone, sendo que a comunicação digital persistente está a perturbar a sua química cerebral. Quando damos por nós a deslizar o polegar ao longo dos ecrãs estamos no fundo a adquirir vícios comportamentais tão nocivos como o uso de substâncias químicas ou a agir como um jogador num casino agarrado a uma slot machine, sempre à espera de mais qualquer coisa, mais um gosto, mais um vídeo, mais uma distracção ou um reforço emocional vazio. O Homem é, por natureza, um animal social (Aristóteles dixit) e evoluiu ao longo dos tempos até conseguir fazer uma leitura atenta da mente do outro, pois os nossos cérebros são capazes de processar «enormes quantidades de informação acerca de pistas analógicas subtis como a linguagem corporal, as expressões faciais e o tom de voz» (p. 126». Paradoxalmente, nunca o Homem esteve tão ligado ao mundo como agora, o que torna impossível difícil viver momentos de solidão com tudo o que ela acarreta de regenerativo.
O objectivo deste livro não é fazê-lo voltar atrás no tempo e viver como um amish mas sim ajudá-lo a tirar o máximo partido do imenso potencial das novas tecnologias sem se deixar governar por estas. Até porque quando olhamos para o ecrã do telefone não o fazemos apenas como resposta reflexa ao tédio, mas também porque temos vindo a ser subtilmente manietados pelos interesses dos conselhos de administração de empresas de um grupo restrito de investidores em tecnologia digital. Ver artigo
Se o combate à ignorância pode ser considerado como um dos propósitos da filosofia, disciplina que promove a saúde moral e a busca do conhecimento através do debate e do livre pensamento, podemos então encarar os preconceitos, o orgulho, a intolerância ou a superstição como algo menos do que manifestações de estupidez? Maxime Rovere defende, paradoxalmente, que os estúpidos, por um lado, perturbam a vida social, mas por outro são também eles produto de uma sociedade doente; são até, muitas vezes, aqueles que mandam e estão ao serviço do poder. Contudo, quando identificamos um estúpido, através dos seus comportamentos desadequados, como alguém que se situa num «grau inferior de uma escala moral», nós, seres imperfeitos que se esforçam por alcançar a realização plena, devemos também ter a noção de que pertencemos a essa mesma escala (p. 29). E, infelizmente, a via mais fácil para responder a um estúpido é tornarmo-nos nós próprios estúpidos – até porque, aos olhos deles, somos nós os verdadeiros estúpidos, e «considerar a nossa própria opinião como algo absoluto é uma das definições subjetivas do estúpido, a imagem divina que têm de si mesmo» (p. 41).
Neste livro publicado pela Quetzal, Maxime Rovere, especialista em História da Filosofia que lecciona na Universidade Católica do Rio de Janeiro, define a estupidez como «a verdade das relações humanas» (p. 30) e relembra-nos o que podemos aprender com eles, pois somos nós quem tenta perceber a sua lógica de comportamento. Composto por capítulos breves, com máximas e conselhos que os resumem, o autor deste ensaio sobre a ética de interacção constrói a sua tese, cheia de humor, ironia e sarcasmo, mas sempre com base na filosofia, com o fito de nos ajudar a melhor compreender a estupidez humana, de modo a evitar o confronto e dar espaço àquele companheiro de casa insuportável, ao colega de trabalho com opinião sobre tudo, ou escapar à negatividade daquele amigo insuportavelmente crítico… «Sabem muito bem que é melhor nunca insultar quem quer que seja – nem mesmo os parvalhões. Logo, a emoção que sentem no momento em que se deparam com um monte de esterco colide naturalmente com a representação mental do dever de reserva, a que não gostariam de falhar. Quanto mais essa força encontrar em vós um obstáculo tanto mais se transformará em violência.» (p. 60) Ver artigo
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