Adoecer (Relógio d’Água, 2010) tem sido extremamente bem recebido e comentado, além de premiado. Esta obra pode ser classificada como uma biografia romanceada, pois a autora parte de uma figura histórica da segunda metade do século XIX inglês. Elizabeth Siddal (Lizzie), uma mulher também ela portadora da marca da diferença, pelo seu ar exangue e pela sua cabeleira ruiva, vive de forma marginalizada, em parte pela sua doença, em parte por ter uma relação que quebrava as convenções da época com Dante Gabriel Rossetti, poeta e pintor excessivo e inconformista. Além disso, Lizzie provinha de origens humildes mas ainda conseguiu frequentar a Escola de Artes de Sheffield, sendo que era quase impossível na altura o acesso das mulheres ao ensino das artes. Foi pintora e poeta, e tornou-se a modelo mais famosa da época e musa inspiradora dos pré-rafaelitas, tendo posado para o quadro Ofélia de John Millais, que a imortalizou. Lizzie foi também poeta. Desta obra pode-se destacar como a autora opta por mais uma vez se focar na figura do artista e do poeta, como alguém à margem da sociedade, e subverte ainda, especialmente no início, as convenções cronológicas do romance, iniciando a narrativa pelo ano de 2005, relatando como visitou o cemitério de Highgate, a fim de visitar a campa de Lizzie, a protagonista do romance que terá iniciado nessa mesma data (o que lembra o início de Lillias Fraser). Hélia Correia não se coíbe de adoptar um tom confessional e confrontar directamente o leitor, além de recorrer a diversos registos, inclusive o diarístico, e constrói um romance que resulta de uma confluência de fontes diversas, como cartas, diários, artigos de jornal, memórias, poemas. São igualmente referidas e aproveitadas como personagens diversas figuras da época vitoriana, como Charles Darwin, Charles Dickens, Byron, a Rainha Vitória, Mary Shelley ou Emily Brontë. Este é o romance mais extenso de Hélia Correia, o mais complexo e ambicioso, numa narrativa extremamente documentada e que requer leitura atenta, até pela prosódia lírica própria da escrita da autora. Ver artigo
O Número dos Vivos (1982), considerado o primeiro romance da autora, sendo as restantes obras usualmente consideradas novelas, situa-se mais uma vez num contexto de província, sendo as personagens principais mulheres, das quais se destacam Romana e Maria Emília, que parecem formar um binómio. Maria Emília recebe de presente da madrinha um espelho aos dezasseis anos, objecto simbólico – «foi aquele pequeno espelho que lhe abriu o destino» (p. 23) – que parece, primeiro, conferir uma nova identidade à jovem, que abandona a vida pobre no campo para passar a viver com uma família em Sangréus, como acompanhante de Romana, a única filha do casal. Maria Emília vai ganhando posição dentro da casa, enquanto que Romana acaba por desaparecer com um grupo de ciganos. Mais tarde, casa-se com Henrique e aos elementos neo-fantásticos do romance alia-se o que pode ser uma reescrita paródica de Madame Bovary. Maria Emília parece condensar em si certos traços de vampira, o que pode ser uma forma de evidenciar a vampirização social que realiza, ao ascender de posição. Entretanto numa atitude de revolta para com aquele mundo de pequena burguesia em que se vê encurralada, entre a sogra e o marido, envolve-se com o sogro, e é também nessa relação incestuosa que parece recuperar do desprezo a que se sentia votada pelo marido, enquanto que o sogro vai definhando. Maria do Rosário, a filha ilegítima, nasce muda, o que Maria Emília acredita ser punição divina, e acaba por enlouquecer – «riso ácido dos loucos» (p. 177) – enquanto crê ser visitada por Romana em visões e aparições. Romana aparece aliás, por diversas vezes, descrita de forma ambígua, como uma presença fantasmática: «Tinha o rosto marmóreo e os olhos parados, muito claros e lisos, como que desprovidos de toda a consistência.» (p. 71); «Por onde ela passava, os móveis, os objectos, os quadros das paredes resplandeciam num luar de fósforo.» (p. 78). Ver artigo
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