Doze Césares, de Mary Beard, com o subtítulo Imagens do Poder da Antiguidade até aos nossos dias, é uma belíssima e cuidada edição publicada no final do ano passado pela Editorial Presença. Quase 400 páginas a cores, profusamente ilustradas com fotografias, e uma delicada capa com subtis relevos e dourados, a emoldurar condignamente o estudo da mais prestigiada classicista da atualidade, que se nos dirige, em linguagem acessível, como quem fala a um público jovem, académico, sem pretender incorrer num discurso árido ou hermético. Este livro tem origem justamente nas Palestras A. W. Mellon de Belas-Artes, proferidas em Washington, D. C., na Primavera de 2011, entretanto aumentadas com a descoberta de novos materiais, o estabelecimento de novas relações, e uma exploração em maior profundidade, e em novas direcções, de alguns dos estudos de casos.
Afirma a autora, em jeito de introdução, que antes da era da reprodução mecânica, a arte ocidental, no que concerne à representação de figuras humanas, era dominada por imagens de imperadores romanos. As únicas figuras que superavam os césares eram, claro, as imagens de Jesus, da Virgem e alguns santos.
Entre ocasionais mergulhos aos textos clássicos, mas, sobretudo, uma profusa análise da estatuária e da arte clássica, a autora procura demonstrar como aqueles que hoje se designam os Doze Césares moldaram mais de dois mil anos de imagens do poder e influenciaram a visão dos Césares de Roma das gerações mais novas (e mesmo das não tão novas). Isto para nem falar do cinema, o que faria correr tinta que chegasse para outro livro, a autora aponta exemplos imediatos como Júlio César com uma coroa de louros ou Nero a tocar lira com Roma a arder ao fundo. Caio Júlio César demarca-se como um dos imperadores mais facilmente reconhecíveis, na arte do mundo moderno, na pintura, na escultura, na cerâmica, na banda desenhada (quem não se lembra de Astérix?), no cinema, e até mesmo em falsificações e contrafacções de arte. Aquilo que é menos imediato é que essa imagem resulta de um estereótipo complexo, que se foi construindo, numa amálgama entre o antigo e o moderno.
O que a autora aqui faz é traçar uma cronologia de algumas obras e dos seus equívocos, demonstrando como é afinal tão difícil ter certezas absolutas relativamente a quem é quem no domínio da arte clássica, mediante a profusão de peças (desde moedas a bustos) que, para chegar aos dias de hoje, sofreram restauros, imitações, hibridez, criando limites incertos entre o antigo e o novo, minando assim qualquer tratamento cronológico absoluto, tornando-se, afinal, anacrónicas.
Esclarece-nos ainda a autora que houve mais de 70 césares, mas estes foram os 12 que se imortalizaram (a partir de uma obra de Suetónio). Mais recentemente, por outro lado, foi publicada uma obra mais recente, em 2 volumes, de Barry Strauss, intitulada Dez Césares (Bertrand Editora).
Mary Beard é professora na Universidade de Cambridge. Apresentou documentários da BBC sobre história romana e arte. Autora de vários livros da área, como o infelizmente esgotado SPQR: Uma História da Roma Antiga (Bertrand Editora) e o recentemente publicado Civilizações – Encontros com a Arte e a História. Do México ao Antigo Pártenon (Gradiva).
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