Mundo Subterrâneo – Uma viagem pelas profundezas do tempo, de Robert Macfarlane, publicado pela Elsinore, com tradução de Eugénia Antunes, é um dos grandes livros deste ano e há que lhe dar o devido crédito. Dividido em três câmaras, vamos adentrando mais fundo neste ensaio, percorrendo galerias subterrâneas para descobrir as maravilhas que se escondem debaixo do chão que pisamos. Descer é um «acto contraintuitivo» (p. 21), associado ainda a uma «longa história cultural de aversão» (p. 22), em torno de lugares subterrâneos, o que se reflecte inclusive na nossa linguagem e nas muitas metáforas que usamos em que “baixo” é sinónimo de mau, de depressivo, e “catástrofe” significa virar o mundo de cabeça para baixo (p. 23).
Robert Macfarlane cruza neste ensaio único a mitologia, a etimologia, a ciência, conforme narra as suas andanças pelo mundo debaixo do chão que pisamos para trazer à luz o quanto o mundo subterrâneo é «vital para as estruturas físicas da existência contemporânea, bem como para as nossas memórias, mitos e metáforas», «um domínio com o qual contamos diariamente e pelo qual somos diariamente moldados», ainda que nos sintamos avessos a reconhecê-lo (p. 23). O inegável é que nesta era a que se tem vindo a chamar Antropoceno (centrada no Homem), o tempo está profundamente dessincronizado e, revelador dessa crise, são as coisas que se deviam manter enterradas e estão a subir espontaneamente à superfície.
Nesta «crónica de viagens à escuridão, e de descidas encetadas em busca de conhecimento» (p. 27), o autor advoga como «a escuridão pode ser um meio de visão» e a descida «um meio em direção à revelação» (p. 27).
Nesta descida moderna aos infernos somos conduzidos a um laboratório, a um quilómetro de profundidade, montado num estrato de sal-gema argênteo de há 250 milhões de anos, onde um jovem físico observa as estrelas para estudar a matéria negra; à rede florestal global, sistema subterrâneo em que as raízes das árvores se unem e tecem complexas inter-relações em que quando uma árvore adoece ou fica sob stress, as restantes partilham nutrientes, cuidando e regenerando a sua saúde; a uma cripta do juízo final numa ilha do Árctico onde as caves geladas, que se espera que sobrevivam eternamente, albergam 90 milhões de sementes em hibernação; às catacumbas de Paris, que nos lembram como as cidades mais do que horizontais são entidades verticais; a cavernas onde a Lua exerce poder de atracção sobre as rochas, tal como acontece com as marés; à Noruega, onde o petróleo, o “sangue” que permitiu a modernização do país, possibilitou uma combinação singular de infraestruturas e zonas selvagens, contudo, agora que o petróleo se está a esgotar e urge a exploração de novas jazidas, sem incorrer na extracção acelerada que caracterizou a história moderna da espécie humana; à Gronelândia onde o azul do gelo profundo se revela um arquivo de dados, em que a memória do clima do passado pode ser a chave para as alterações climáticas que se prenunciam; até, por fim, chegarmos a uma ilha no sudoeste da Finlândia onde há um túmulo em construção para depositar os resíduos de três centrais nucleares, cerca de 6500 toneladas de urânio gasto, a um profundidade de 450 num leito de rocha com mais de 1900 milhões de anos.
Mundo Subterrâneo foiVencedor do Prémio Stanford Dolman para Melhor Livro de Viagens de 2020, Vencedor do National Outdoor Book Award, Finalista do Prémio Orwell para Escrita Política 2020, Finalista do Prémio RSL Ondaatje 2020, e eleito como um dos Melhores Livros do Século XXI para o Guardian.
Robert Macfarlane é um escritor britânico, nascido em 1976, Fellow da Emmanuel College, em Cambridge. Elogiado pelas suas obras sobre natureza e viagens, estas têm sido traduzidas em várias línguas e adaptadas para televisão, rádio e teatro. Em 2017, foi-lhe atribuído o prestigiado Prémio E.M. Forster pela Academia Americana de Artes e Letras.
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