A ideia inicial era alternar a leitura destes quatro volumes – na edição da Editorial Presença com a nova tradução directa do russo que mereceu o Grande Prémio de Tradução Literária aos tradutores – com outros livros mais ligeiros e, ainda, proceder ao visionamento da aclamada série da BBC que adaptou Guerra e Paz em 6 episódios. Senti, no início, alguma dificuldade de facto com as personagens, visto que há vários nomes e passamos de uma família para outro, de um salão para outro, e as personagens sucedem-se – fez-me pensar no livro final de Em busca do tempo perdido onde todas as personagens (re)criadas por Proust se encontram e sentimo-nos como uma câmara em movimento num baile, saltando de conversa em conversa. Porque afinal este romance histórico, que aliás se acreditava ser intitulado Guerra e Mundo, também versa sobre a vida em sociedade, num mundo de decoro e de cultura que, no terceiro volume, acaba por ruir.
Em todo o caso, o plano inicial foi gorado duplamente. Não alternei os volumes com outras leituras, nem sequer vi a série, acabando por arranjar forma de arrumar as personagens principais na minha cabeça, dando-lhes uma cara e um corpo. Quanto às outras personagens e figurantes tal já não foi possível nesta extensa galeria – estamos a falar de um romance que possui mais de 500 personagens. O livro, apesar do medo que se possa sentir inicialmente, é de leitura fácil e, à parte alguns ensaios históricos com que o autor vai pontuando a narrativa (nas várias edições as últimas cerca de 50 páginas foram inclusivamente retiradas até que a mulher Sofia decidiu incluí-las, tal como o marido quereria), vamos deslizando velozmente pela narrativa (li o livro em pouco mais de duas semanas), alternando entre a aristocracia russa, nomeadamente em torno de 4 famílias, e os episódios de guerra em que Napoleão invade a Rússia, chegando até uma Moscovo que se vê praticamente consumida pelo fogo. Essa é aliás a grande mensagem do livro: de como um Napoleão, ao princípio descrito com traços simpáticos, foi uma fraude provocada por acasos que acabaram por ditar a história dos povos da Europa; de como a guerra é uma grande inutilidade, como se pode ver no desfecho da ocupação francesa da Rússia; e de como Tolstói se afirma como um grande revisionista da História, pois, segundo ele, os historiadores erraram completamente nos seus registos oficiais (e Tolstói estudou a fundo diversos documentos): «Toda esta contradição estranha e incompreensível entre o facto e a descrição da história apenas acontece porque os historiadores que escreveram sobre este acontecimento nos contam a história dos belos sentimentos e das palavras de generais vários, e não a história dos acontecimentos.» (pág. 205, IV volume).
A certa altura, conforme nos aproximamos do final do livro, percebemos claramente que as personagens principais, Pierre, Natasha, Mária, se reúnem em torno de uma figura central, o príncipe Andrei. A personagem de Natasha foi das que mais me tocou, além da de Pierre, tendo chegado a levar a peito a sua dor depois da asneira que cometeu com Anatole, e foi com prazer que depois descobri que o autor se inspirou numa personagem real – a sua cunhada.
Sente-se também aqui o «exaltado misticismo» de Tolstói nomeadamente na personagem de Pierre que chega a ingressar na maçonaria mas é nos padecimentos sofridos na guerra e enquanto prisioneiro que encontra a verdadeira espiritualidade, ao ponto de se sentir um homem feliz em detrimento, ou epor causa, das adversidades que vivencia e que ele próprio padece.
Já agora, para se saber mais sobre Tolstói, de forma mais ligeira, sugiro a leitura de A última estação, de Jay Parini, também publicado pela Editorial Presença, que deu depois origem a um filme com Helen Mirren e que retrata a vida e o casamento do autor e da mulher Sofia.
Neste link, apesar de não ter sido esta a edição que li, podem encontrar alguns pormenores interessantes sobre a obra em 10 pontos.
http://www.saidadeemergencia.com/editorial/10-coisas-que-precisa-de-saber-sobre-guerra-e-paz/
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