O Século da Solidão, de Noreena Hertz, publicado pela Temas e Debates, é um trabalho de investigação apaixonante em que a autora revela como, apesar de estarmos permanentemente conectados, vivemos uma crise global de solidão, característica definidora do século XXI que só se agravou com o confinamento resultante da pandemia, isolando-nos de amigos e familiares, privando-nos das rotinas sociais e lugares de conforto. Predomina mesmo a cultura de se estar permanentemente ligado, assim como de evidenciar trabalho e produtividade.
Com base em anos de pesquisa, vários estudos, entrevistas e exemplos concretos, a autora faz um diagnóstico profundo e vasto em que explora uma miríade de exemplos, aparentemente díspares, de como a nossa crescente dependência da tecnologia, o desmantelamento das instituições cívicas, a reorganização radical dos espaços de trabalho, a migração maciça para as cidades, e décadas de políticas neoliberais, que puseram o interesse próprio acima do bem coletivo, nos estão a tornar mais isolados do que nunca. Já reparou como é desesperante a forma como as pessoas hoje escrevem mais do que falam? Chegam inclusivamente a enviar áudios, em vez e ligar e ouvir a outra pessoa, isto é, efectivamente comunicar. O Twitter, por exemplo, coloca limite de caracteres, para que as pessoas sejam obrigadas a escrever de forma breve e assertiva. No Facebook ou até mesmo num blogue literário (como este) temos mais hipóteses de sermos de facto lidos e seguidos quanto menos escrevermos… Curiosamente, os mais endinheirados, e os mais ligados à comunicação, são os primeiros a privar os filhos de tempo digital… (leia-se também o novo livro da Contraponto: A Fábrica de Cretinos Digitais – Os Perigos dos Ecrãs Para os Nossos Filhos», do neurocientista francês Michel Desmurget). É também nas plataformas de redes sociais que paradoxalmente grassa o ódio e o abuso, o racismo e a homofobia: em suma, as piores facetas da natureza humana, muitas vezes ocultadas por perfis falsos ou com fotos crípticas. Há até quem prefira o seu eu digital ao seu eu autêntico, pelo que não só fazem Photoshop intenso às suas selfies como inclusivamente realizam cirurgias faciais… O sexo tem-se tornado (por opção própria) mais raro entre os jovens. Por outro lado, aumenta a procura por robôs, com os avanços da Inteligência Artificial a tornarem-nos não só mais sofisticados, como também mais inteligentes e empáticos (leia-se o romance Klara e o Sol, de Kazuo Ishiguro). As empresas recorrem mesmo a programas e algoritmos que lhes permitem contratar, sem que haja jamais qualquer interação, mesmo que virtual, entre recrutador e candidato.
A autora apresenta, por outro lado, várias soluções possíveis, já em prática. Depois da crise financeira de 2008, a tendência dos governos foi fechar uma série de espaços culturais – centros de dia, clubes de jovens, bibliotecas públicas – que serviam de abrigo aos mais idosos e aos mais vulneráveis. Chicago, em contrapartida, criou novos empreendimentos públicos de habitação em que integram sucursais da Biblioteca Pública.
Noreena Hertz, nascida em 1967 em Londres, é uma conceituada economista, professora e comunicadora, considerada pelo The Observer «uma das principais pensadoras a nível mundial» e pela Vogue «uma das mulheres mais inspiradoras do mundo». Mestre pela Wharton School da Universidade da Pensilvânia, doutorou-se na Universidade de Cambridge. Desde 2014 é professora honorária do Institute for Global Prosperity do University College London.
Leave a Comment