No meu bairro, com texto da escritora e ativista Lúcia Vicente (nascida em Faro) e ilustrações de Tiago M. (de Coimbra), foi publicado pela Nuvem de Letras, chancela da Penguin Random House Grupo Editorial. Um livro que promove a inclusão de que certamente já ouviram falar, por motivos menos bons, pois a sessão pública de lançamento do livro foi boicotada.

No meu bairro conta 12 histórias de 12 crianças, naquele que é o primeiro livro infantojuvenil português escrito com base no sistema de linguagem neutra ELU – e daí a polémica instaurada e perfeitamente escusada, como se percebe ao ler este álbum. Aqui ficamos a conhecer Maria Miguel, a maria-rapaz que se sente bem nos dois papéis, e que se identifica bem com os dois nomes; Dinis, que grita desesperado, incapaz de conter a fúria por não lhe ser autorizado chorar; Beatriz, a cigana feliz de olhos verdes; João, gozado por ser dançarino; Daniela, a feminista que sente a necessidade de igualdade antes sequer de a saber nomear; Magalhães, o menino com duas mães; a Dandara que muda de país e se sente uma ave rara; Emanuel, que não compreende o que é um lápis cor de pele; Esther, cuja mobilidade é afectada por um acidente; e outras crianças. Todas elas nos ensinam a relatividade do conceito de normal e a importância da aceitação, quer connosco mesmo, quer com os outros.

Ao longo do álbum ficamos a conhecer as breves histórias destas crianças. Todas elas personificam um tema, seja a identidade de género, o bullying, a intolerância religiosa, o vestuário, o vitiligo ou a deficiência; todas elas confrontadas com preconceito, na sua tenra idade, que saberão ultrapassar positivamente, sendo suficientemente crescidas para aprenderem que a sua verdade é superior à estreiteza de vistas dos outros. Cada uma destas crianças do nosso bairro é representativa da diversidade de género, familiar, racial, religiosa, em que todos vivemos mergulhados – e só não sabe isso quem não sai de casa, ou quem se recusa a ver.

O cuidado posto na linguagem destas várias histórias, autónomas, cada uma com a sua lição, também reside no pormenor de se apresentarem, como poesia e com rima, como se percebe pelos subtítulos de cada uma. Por estas histórias-poemas, escritas em linguagem inclusiva, pululam ainda algumas das várias personagens, a pedir um leitor atento que as identifique quando entram fugazmente na história de outros amigos e colegas.

Escreve-nos a autora numa nota introdutória que esta obra pretende contribuir para a normalização do sistema gramatical neutro na língua portuguesa e poderá ser útil nas aulas de Cidadania, “parente pobre das demais disciplinas” – como aliás se parece ter comprovado.

No final, inclui-se ainda um «Manual de apoio para educar pessoas conscientes, empáticas e respeitadoras das individualidades e das diversidades», com breves notas e contactos úteis, e uma nota explicativa sobre o sistema de linguagem neutra, assim como uma bibliografia de outras obras cuja leitura se recomenda. Este livro teve o apoio da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG).

Lúcia Vicente nasceu à beira da Ria Formosa, em 1979. Autora de Raízes Negras, Feminismo de A a Ser, e Portuguesas com M Grande. Define-se preferencialmente, entre milhões de outros ofícios, como escritora-poeta e educadora para o feminismo.

Tiago M. nasceu em Coimbra, em 1992. Licenciou-se em Comunicação Social, e aprendeu vários ofícios por conta própria. Ilustrou o seu primeiro livro infantil em 2022.

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.