Líbano, Labirinto, de Alexandra Lucas Coelho, publicado pela Editorial Caminho em julho deste ano, é uma revisitação da autora a um país que lhe é querido. Quase 500 páginas de texto e 350 fotografias a cores resultam num livro em que se poderia assumir que a autora articula a reportagem e a narrativa de viagens, não fosse este cenário ser particularmente desolador. O livro inclui ainda as 5 reportagens que saíram no Público.

Líbano, Labirinto centra-se nos dois grandes acontecimentos recentes que mudaram a vida do país e o deixaram em ebulição: a revolução de 2019, com a derrocada económica, e a explosão de 2020 no Porto de Beirute, uma das maiores explosões não-atómicas de que há registo.

O Líbano é «o terceiro país mais endividado do mundo. Um terço da população está abaixo do nível da pobreza. Um quarto da população é refugiada.» (p. 54)

A saúde e o ensino público não funcionam, as quebras de luz são constantes e a falta de água potável exige camiões-cisternas. Entretanto são alguns responsáveis políticos, corruptos, quem detém as companhias dos geradores, os camiões-cisternas, os hospitais privados, as universidades privadas, as seguradoras e os bancos. Depois de uma série de despedimentos, com a crise do petróleo, os bancos fechados, as pessoas impedidas de levantar o seu dinheiro, a libra a desvalorizar vertiginosamente, os salários a descer; a «bolha pós-Guerra Civil» (p. 55) acaba por levar a uma revolução. Na manhã de 17 de Outubro de 2019 os ânimos deflagram, quando o governo anuncia uma taxa de 6 dólares por mês nas comunicações por WhatsApp. A autora parte numa viagem de 3 dias; está em Beirute justamente quando o governo cai.

Corre o dia 4 de Agosto de 2020 quando Beirute é varrida por uma explosão. Estamos em plena pandemia, com a maioria dos países confinados e os aeroportos fechados, quando a autora decide, num impulso, partir para o Líbano. Essa explosão, que pode ser vista em vídeos difundidos pela internet, é o resultado da irresponsabilidade homicida dos responsáveis políticos que deixaram 2750 toneladas de nitrato de amónio durante quase sete anos no porto de Beirute. Um país que vive permanentemente em guerra, mas que não tinha um plano de contingência para uma catástrofe destas. Uma explosão que lembra a guerra do Líbano e a de países vizinhos, visível numa mancha púrpura de fumo a 60 km de distância.

Nesta «conversa que não queremos terminar» (p. 422), num estudo de uma tragédia que é também a da Síria, da Palestina, de um Médio Oriente, Alexandra Lucas Coelho estuda um dos mais pequenos países do mundo com uma memória colectiva imensa (pela comida, pela literatura, pela cultura), onde convivem milhares de anos de paradoxos (p. 423). Biografia de um país, em que um dos maiores feitos é como, não obstante o conhecimento que tem do Líbano, feito de vivência, complementado com leitura, a autora se subsume numa prosa sucinta, cirúrgica, em que colige um labirinto de vozes e depoimentos, neste retrato cru de um país que vive literalmente em ruínas e que muitos de nós sempre conhecemos em guerra, onde partir é um «perpétuo movimento» (p. 14).

Alexandra Lucas Coelho publicou romances, não-ficção e literatura infanto-juvenil. Estudou Comunicação na Universidade Nova de Lisboa. Trabalhou dez anos em rádio e vinte anos no jornal Público como repórter, cronista, editora e correspondente. Recebeu vários prémios de jornalismo e de literatura.

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.