Sesimbra, de Patrícia Reis – Portugal, Coleção da Centro Atlântico
São oito os títulos que integram a Coleção Portugal, uma colecção de livros esteticamente apelativos que oferecem uma visão de conjunto do nosso país, em edições bilingues, de capa dura, com breve texto e belíssimas fotografias a cores de Libório Manuel Silva, fotógrafo de património. A edição é da Centro Atlântico, sendo que a cada volume, de capa de cor distinta, é assinado por um autor diferente, corresponde, como o título indica, um concelho – e, em dois dos títulos, uma ilha. A colecção Portugal, dos volumes 1 a 8, compõe-se assim da seguinte forma: Patrícia Reis (Sesimbra), Rita Ferro (Cascais), Bruno Vieira Amaral (Setúbal), João de Melo (Lisboa), Hugo Gonçalves (Sintra), Joel Neto (Terceira), Paulo M. Morais (São Miguel), Isabel Rio Novo (Porto).
A autoria das traduções para inglês são de Sara Veiga (vols. 1 a 3), Deolinda Adão (vols. 4 e 6), Ricardo Marques (vols. 5, 7 e 8). A natureza bilingue destas edições confere-lhes universalidade, mas também uma natureza potencialmente didática, como instrumento de leitura em sala de aula, por exemplo quando se trabalha com alunos estrangeiros.
O mote desta colecção, como consta em jeito de epígrafe, é o seguinte:
“Portugal inteiro dentro de um livro. Os escritores portugueses mais acarinhados e um fotógrafo de património. O mesmo horizonte para a ficção e a realidade, em que criatividade literária e riqueza fotográfica mergulham na nossa geografia. Um percurso concelho a concelho, ilha a ilha, escritor a escritor.”
Sesimbra, de Patrícia Reis
Patrícia Reis assina o primeiro volume da colecção, dedicado a Sesimbra.
A voz da autora metamorfoseia-se aqui num depoimento de um miúdo ingénuo, “calado e franzino” (p. 19), como condiz a um bom ouvinte, capaz de apanhar muitas coisas no ar, que nos conduz a outro tempo, desfiando um rosário de recordações que poderão ser comuns a uma geração, desde o carro-biblioteca da Gulbenkian ao processo das Três Marias – não será por acaso que este episódio é aqui invocado, uma vez que poucos meses antes deste livro foi lançada A Desobediente, biografia de Maria Teresa Horta, também assinada por Patrícia Reis. Não será também coincidência que de um bom escutador resulte um bom contador de histórias:
“E eu com os olhos no mar e a caneta na mão, a descobrir a poesia na adolescência, que me salvou (…), a escrevinhar em todo o tipo de papéis, versos simples, tudo deveria ser o mais simples possível. Talvez a minha ingenuidade seja essa procura do que é chão, esquecendo o acessório. As palavras que me cabem no peito são feitas dessa matéria.” (pp. 55-57)
Um dos primeiros episódios que se relatam é de quando tinha 9 anos. Este rapaz conta-nos, num tempo anterior ao da Revolução, como os gémeos do Rocha compunham a paisagem de Sesimbra, à semelhança da Fortaleza de Santiago ou do Farol. O seu pai e o seu tio parecem configurar duas metades dessa paisagem de serra a estender-se sobre o mar, o pai ligado à terra, com a sua 4L, e o tio, com o seu barco, que era marinheiro. Embora o pai não se arrogue ser chamado de pescador, como o seu irmão gémeo, reconhece que é esse o legado familiar, pois são uma família de pescadores:
“Sesimbra também é isso, famílias que se prolongam, que se mantêm agarradas como correntes de ferro de uma âncora.” (p. 43)
Patrícia Reis é uma exímia contadora de histórias, e assim o confirma, neste conto que consegue entrelaçar facto e ficção, romanceando enquanto debita, aqui e ali, pedaços discretos de informação, sem perder o tom narrativo.
Próximo do final, perceber-se-á como este pode ser uma elegia à figura tutelar do pai. Esta é também uma história de amor entre o campo e a cidade:
“A Susana é da cidade. Chegou um dia a Sesimbra para passar um fim-de-semana prolongado; diz, na brincadeira, que o prolongamento foi de tal ordem que ainda não terminou.” (p. 53)
A autora:
Patrícia Reis nasceu em Lisboa, em 1970. Vive numa aldeia perto de Sesimbra. Estudou História e é mestre em Ciência das Religiões. Começou a sua carreira no semanário O Independente, tendo trabalhado posteriormente no Expresso, Público, Marie Claire, Elle e RDP. É autora de vários romances, publicados sob a chancela das Publicações Dom Quixote, e de alguns volumes infanto-juvenis, sendo que a coleção Diário do Micas faz parte do Plano Nacional de Leitura. É editora da revista multipremiada Egoísta, co-apresentadora do podcast Um Género de Conversa e cronista. Escreveu a biografia de Vasco Santana, Maria Antónia Palla, Simone de Oliveira e, em 2024, a de Maria Teresa Horta.
Que interessante.
Obrigada pela sugestão. E muito interessante a perspectiva de os textos poderem ser usados em sala de aula, dado serem bilingues.
É de facto uma mais valia. Quando eu ensinava PLE, podiam ter sido muito úteis.