Cascais, de Rita Ferro

Cascais, de Rita Ferro, foi o segundo volume a integrar esta coleção. Este texto centra-se, uma vez mais, num protagonista, em que a prosa tenta unir a contação de uma história de vida com informação factual. António é um jovem recém-licenciado em Economia, apaixonado por Pureza, e está prestes a encontrar-se com ela num daqueles clubes exclusivos da zona.
Corre o ano de 1965:
“E eu ali, a três anos do Maio de 68 e a quatro da Apollo 11” (p. 31).
Faz sentido que a personagem principal que aqui se toma como um guia, ou uma senha de entrada para Cascais, e o seu universo social, seja um homem, de origens humildes, cujo sentido de inferioridade é forte ao ponto de ser físico:
“sabia-me inteligente e razoavelmente culto; mas era preciso que aquela gente (…) pudesse, soubesse ou quisesse estimar, ao menos, as capacidades de uma pessoa; a maioria não sabia nem se interessava.” (p. 19)
Naquela microsociedade capacidades como a inteligência, a sensibilidade, a intuição não relevam ninguém. Ali o que conta será “a origem e as maneiras, o vocabulário ou o gosto, a casa ou a farpela; tudo coisas que o berço me não facultara e a cuja excelência, honestamente, eu próprio me rendia” (p. 19).
No segundo capítulo, a narrativa na primeira pessoa, na voz de António, passa a uma terceira pessoa. Um narrador omnisciente toma a palavra, e conduz-nos pelo presente e pelo passado da vila de Cascais, situada numa baía a 27 km de Lisboa. Perde-se o tom narrativo neste capítulo, que constitui uma extensa parte do livro, onde se debita diversa informação, de forma concisa, e sem colocar em risco uma leitura fluída e uma prosa que agarra o leitor. Da Cidadela aos Museus, do Paredão ao hipódromo, os vários espaços que embelezam e distinguem a vila são aqui invocados, em largas pinceladas. Ao contar a história da vila, que surge, digamos assim, como uma espécie de “intriga secundária”, não se perde de vista a história de António e Pureza, cujo promissor namoro, infelizmente, é posto em causa por questões de “logística”, isto é, a guerra colonial. Um namoro que durou 2 anos, independentemente da clivagem social, não sobrevive, no entanto, à cisão do Ultramar, apesar das cartas que ainda trocaram…
O amor parece assim resistir às diferenças sociais, económicas, de elite… Mas poderá o amor, sob a forma da plena aceitação, sobreviver ao tempo e retomar o ritmo dos “passeios de barco ou no paredão, os banhos de praia, as idas ao mercado (…), os saltos à Azóia, às queijadas de Sintra, à Praia das Maçãs ou ao mercado de Almoçageme” (p. 61)?
A autora:
Rita Ferro nasceu em Lisboa e tem 68 anos. Estudou Design, especializou-se em Marketing, foi professora de Publicidade Redigida e exerceu funções de direcção e consultoria em diversas empresas.
Iniciou a sua carreira literária em 1990, arriscando um novo tipo de escrita feminina que, tendo obtido um enorme êxito e revolucionado o mercado literário português, conheceu inúmeros seguidores. Criou um estilo e, com ele, um novo género. Hoje, distingue-se por uma técnica de narração mordaz e cativante, de grande versatilidade. Ao longo de mais de trinta anos, escreveu romances, cartas, biografias, crónicas, literatura infantil e até duas peças de teatro. Além de ser uma presença regular na imprensa, na rádio e na televisão, é cronista, jurada literária e de festivais de cinema, e desenvolveu dois cursos inéditos: «Incentivo à Criação Literária» e «Começar a Escrever».
Em 2020, integrou o conselho cultural da Fundação Eça de Queiroz.
Ao seu romance autobiográfico A Menina É Filha de Quem? (2011) foi atribuído o prémio PEN Clube Português de Narrativa.
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