Lisboa, de João de Melo

Lisboa, do escritor açoriano João de Melo, e um dos meus autores predilectos, é o quarto volume a integrar a Coleção Portugal.
Depois de Sesimbra, por Patrícia Reis, Cascais, por Rita Ferro, e Setúbal, por Bruno Vieira Amaral, este volume dedicado à capital continua na senda de querer desvendar um “Portugal inteiro dentro de um livro”.
No texto de apresentação pode-se ler: “O mesmo horizonte para a ficção e a realidade, em que criatividade literária e riqueza fotográfica mergulham na nossa geografia. Um percurso concelho a concelho, ilha a ilha, escritor a escritor.”
Aquilo em que podemos pensar de imediato é: Porque é que designaram um autor açoriano para esta tarefa?
Logo nas primeiras páginas do livro, em breves textos de carácter claramente narrativo, é imediata a sensação de admiração, de espanto, de revelação patente nos olhos de um menino “na ânsia do primeiro encontro com a cidade do seu destino”, para quem, quando “o navio entrou a singrar Tejo acima”, vê a cidade abrir-se “ainda mais à sua frente, numa aparição progressiva”. Ler estas páginas de Lisboa remete aliás instantaneamente um leitor conhecedor para as primeiras páginas de Gente Feliz com Lágrimas.
É assim, aos olhos de um ilhéu, quase um estrangeirado, que Lisboa se desvela, quando este menino se despede da ilha da sua infância e abraça “a única e numerosa cidade da sua vida”.
Como sempre acontece na belíssima prosa de João de Melo, as palavras sucedem-se em vagas de som e imagem (uma “revelação sonora”), e ressoam como num poema.
“O dia erguera-se desde a margem esquerda do rio e progredia até ao alto dos prédios que se empinavam por ali fora, recortados no céu, uns tão grandes como torres quadradas, outros médios e pequenos na sucessão do que via. Tudo era para ele como a ideia de infinito. Ao invés do que sempre observara na ilha – onde até o mar tinha um limite à vista -, a cidade apresentava-se-lhe como um todo que ia para além do olhar. Nunca compreendera as noções de eternidade e de infinito, nem por obra da fé e da doutrina em que fora educado. Obrigaram-no a crer em ambos, valha a verdade, embora sem os entender. Agora sim: a cidade infinita de ver, e a sua história tão antiga quanto eterna na própria memória.”
Destaque-se neste livro, composto por breves capítulos, o terceiro capítulo, de pendor ensaístico, sobre a relação entre o trabalho do escritor e o do fotógrafo, em que um “explica” e o outro “implica”, na forma como ambos trabalham de forma diferente a “linguagem do olhar”, em que a escrita precisa de se inventar para transcrever a imagem e a foto vive de uma subtileza que vive do instante e do imediato.
O testemunho sobre a capital portuguesa é também inevitavelmente pessoal, pois às idades da cidade correspondem as idades deste homem. Outro tema aqui presente, de forma crítica, é a guerra colonial, e o passado mais negro de Portugal, quando que Lisboa era “triste e solitária” sob o céu nublado que o ditador mandara colocar por cima do país.
O autor:
João de Melo nasceu nos Açores, em 1949, e fez os seus estudos no continente. Licenciou-se em Filologia Românica pela Faculdade de Letras de Lisboa e foi professor nos ensinos secundário e superior. Entre 2001 e 2010, desempenhou o cargo de conselheiro cultural na embaixada de Portugal em Madrid.
Autor de mais de vinte livros já publicados (ensaio, antologia, poesia, romance e conto). Recebeu vários prémios literários, nacionais e estrangeiros, e as suas obras foram adaptadas para teatro e televisão, estando traduzidas em Espanha, França, Itália, Holanda, Roménia, Bulgária, Alemanha, Estados Unidos, México e Croácia. O romance Gente Feliz com Lágrimas recebeu os maiores galardões e continua a ser uma referência na sua carreira literária.
Lugar Caído no Crepúsculo (2014) marcou o seu regresso ao romance após um longo interregno.
Foi-lhe atribuído em 2016 o Prémio Vergílio Ferreira, distinguindo a sua carreira literária.
“Livro de Vozes e Sombras”, o último romance de João de Melo venceu o Prémio Urbano Tavares Rodrigues (FENPROF)
Merecido. Abraço