As Margens e a Escrita, de Elena Ferrante, publicado pela Relógio d’Água, com tradução de Margarida Periquito, foi publicado em janeiro deste ano. Este pequeno livro coloca-se a par de Escombros, que reúne entrevistas da autora, e A Invenção Ocasional, compilação de breves ensaios sobre temas propostos pelo The Guardian. As Margens e a Escrita aproxima-se do ensaio, com a particularidade de ter um registo mais próximo e mais familiar.

Convidada pelo Centro Internacional de Estudos Humanísticos, na Universidade de Bolonha, Elena Ferrante preparou, por ocasião das Umberto Eco Lectures, três conferências, que viriam a ser lidas por uma atriz, em Novembro de 2021. Como se sabe, Elena Ferrante nunca apareceu em público, e este não é o verdadeiro nome da escritora, que se tornou um fenómeno e um caso singular, mundialmente conhecida desde o seu primeiro romance em 2002.

Às três conferências junta-se ainda um ensaio, «A Costela de Dante», por ocasião do encerramento do congresso Dante e altri classici.

Estes textos são, na verdade, mais leituras do que conferências, pois fogem à aridez de que o discurso literário por vezes padece. São também textos pessoais. Note-se como logo no primeiro ensaio, a autora apresenta fotos dos seus próprios cadernos de instrução primária e dá conta de como aprendeu a escrever, especialmente em como era obrigada a respeitar as margens das linhas nos cadernos. Dentro dessas margens a respeitar, havia ainda a particularidade de a autora raramente ter contacto com textos escritos por mulheres, criando-se assim um modelo erróneo de escrita: “se queria ter a impressão de escrever bem, tinha de escrever como um homem” (p. 26). Às margens no papel, e à natureza da escrita que não se quer disciplinada mas sim convulsa, acresce um sentimento de marginalidade quando se ganha consciência que há que escrever sobre aquilo que se sabe e se sente, neste caso sobre a condição de ser mulher. Do papel passa-se ainda ao sentimento de um eu real que se desdobra noutras “eus fora das margens” (p. 32), ao ponto de quem escreve não se reconhecer no que foi escrito. Ao falar de várias escritas, citando outras obras e autores, Ferrante fala-nos sobretudo dos seus próprios romances e lança pistas de leitura para a sua obra.

Todas as suas obras estão publicadas pela Relógio d’Água.

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.