Alguém falou sobre nós é o primeiro livro de crónicas da autora espanhola Irene Vallejo, publicada pela Bertrand Editora, lançado em novembro de 2023. A tradução é de Rita Custódio e Àlex Tarradellas. A ilustração da capa é de Alberto Gamón.
Este novo título da autora de O Infinito num Junco reúne textos publicados na sua coluna semanal do jornal Heraldo de Aragón.
Numa escrita despretensiosa, límpida e fluida, Irene Vallejo faz aquilo que faz melhor, quer no ensaio quer na ficção: leva-nos a mergulhar no mundo clássico para uma melhor compreensão dos tempos que vivemos. Um livro, que como cita a dedicatória, foi escrito a pensar nos professores de humanidades que nos salvam do esquecimento.
Nesta “sociedade narcisista e impaciente do eu e do já” (p. 23), na era do autorretrato, em que a experiência quotidiana de cada um se anuncia como espectáculo, estes textos são pequenas selfies para gente com pressa e habituada ao ruído das redes sociais, permitindo-nos (re)ver e (re)lembrar clássicos e fábulas. Estas crónicas, bastante breves (normalmente de uma só página), partem das vivências da sociedade e do ser humano da atualidade para as comparar com as ideias, os desafios e as práticas da Antiguidade Clássica.
«A possibilidade de aceder a uma informação tão abundante na Internet está a alterar a utilização da memória e a própria mecânica do saber. Uma experiência desenvolvida nos Estados Unidos mediu a capacidade de recordar de uns voluntários. Só metade é que sabia que os dados para reter se guardavam num computador. Aqueles que pensaram que ficavam gravados não se esforçaram tanto para os memorizar. (…) O filósofo grego Platão viveu a época na qual a escrita começava a disseminar-se numa civilização até então oral. Era um progresso fascinante, mas Platão receava que os homens abandonassem o esforço da própria reflexão. Criticou este grande avanço cultural (embora, por incrivel que pareça, o tenha feito por escrito): “Aquele que aprender letras terá esquecimento, ao descurar a memória, já que, fiando-se nos livros chegará à recordação a partir de fora”.»
Escreve a autora, na senda do filósofo Pascal, que “muitos dos infortúnios do homem surgem precisamente por este não saber estar tranquilamente sentado, sozinho, numa divisão” (p. 18). Estes textos são uma boa companhia, para numa leitura menos solitária, que nos mune de sabedoria e espírito crítico, sabermos interpretar melhor estes estranhos tempos do autorretrato e dos “euísmos” dos blogues, dos reality show, das redes sociais…
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