A ficção como cesta: uma teoria e outros textos, de Ursula K. Le Guin, é um conjunto de ensaios, com tradução e design de Sofia Gonçalves, em diálogo com desenhos de Dayana Lucas.
Publicado pela Dois Dias Edições, este pequeno livro compila quatro ensaios da autora de ficção científica mundialmente conhecida, apresentados por ordem cronológica. Como é referido no paratexto do livro, em que se cita a autora a partir da sua nota introdutória em Dancing at the Edge of the World (onde se encontram três dos quatro textos agora traduzidos para português), este pode «parecer um arranjo simplista, mas oferece uma biografia mental, um registo de respostas a climas éticos e políticos, ao efeito transformador de certas ideias literárias e às mudanças que ocorrem numa mente». As questões de raça, género, sexualidade, colonialismo, eram frequentes na sua obra.
O estilo destes ensaios, por vezes, anda muito próximo da ficção. E tal como a ficção científica, prefiguram mudanças ocorridas décadas mais tarde, como a necessidade de uma linguagem neutra e isenta de género…
«A ficção como cesta: uma teoria» (1986), ensaio que dá nome a esta coleção, pode parecer um título desconcertante. Defende a autora que “a forma natural, apropriada e adequada do romance, pode ser a de um saco, de uma cesta. Um livro carrega palavras. As palavras guardam coisas. Transportam significados. Um romance é um frasco medicinal, que mantém as coisas numa relação particular e poderosa entre si e connosco.” (p. 21)
No ensaio «Mulheres/Lugar Selvagem» (1986), a autora continua a intersectar pressupostos da literatura com o feminismo. Se no ensaio anterior argumentava que os romances não têm heróis, mas sim pessoas, escreve-nos agora, que as mulheres, em simbiose com a Natureza, são aquelas que escutam, em oposição aos homens, que falam, por si próprios e por elas, que mantêm em silêncio.
«O GÉNERO É NECESSÁRIO? REDUX» (1976/1987) é um ensaio auto-crítico, em que a autora escreve em palimpsesto com um seu texto anterior, ao mesmo tempo que faz luz sobre novas perspetivas (e aquilo que desejaria poder reescrever) num dos seus romances mais célebres, A Mão Esquerda das Trevas (Relógio d’Água).
A autora, que assume, no início do primeiro ensaio, a postura de “mulher envelhecida e zangada”, declara, por outro lado, que não se considerava “uma teórica, uma pensadora política, uma activista ou uma socióloga” (p. 47). Ursula K. Le Guin afirma ainda “Era e sou uma escritora de ficção. Para pensar, escrevi um romance.” (p. 47)
«APRESENTO-ME» (1992), o quarto e último ensaio, foi escrito como uma performance, em 1992, e explora o que significa ser mulher; para tal, coloca-se na pele de um homem.
Ursula Kroeber Le Guin (1929-2018) foi uma autora americana particularmente reconhecida no campo da ficção científica. A sua extensa e premiada obra inclui 23 romances, 12 volumes de contos, 11 volumes de poesia, 13 livros infantis, 5 colecções de ensaios e crítica literária e 4 obras de tradução. Harold Bloom incluiu-a na sua lista de escritores clássicos americanos. A sua influência é reconhecida em autores como Salman Rushdie ou Neil Gaiman. A sua obra tem suscitado um conjunto significativo de estudos críticos e académicos.
Dayana Lucas (Caracas, 1987) desenvolve uma pesquisa prática na área do desenho enquanto ritual e lugar de invocação pré-linguístico, com particular interesse na sua passagem para a escultura e o espaço. Trabalha como designer na área da cultura, tendo colaborado com músicos, artistas plásticos e diversas instituições culturais portuguesas. Foi cofundadora da Oficina Arara, onde desenvolveu, até 2017, trabalho na área do design e da impressão com diversos meios manuais, e na organização de exposições, workshops e encontros com a comunidade artística do Porto. Colabora desde 2010 com o colectivo SOOPA e em 2019 criou o projeto ORINOCO no qual se dedica à criação de livros e outras edições de artista.
Leave a Comment