A Anomalia, de Hervé Le Tellier, publicado pela Editorial Presença, com tradução de Tânia Ganho, foi vencedor do Prémio Goncourt 2020 e um êxito de vendas em França, com mais de um milhão de exemplares vendidos.

A narrativa arranca com a frase «Matar uma pessoa não tem importância nenhuma.» (p. 15), mote de apresentação da enigmática personagem de Blake, assassino a soldo e pai de família nas horas vagas. Páginas depois, ficamos a conhecer Victor Miesel, quase tão invisível como tradutor como é enquanto escritor; até que, depois de um voo turbulento, em Março de 2021, que o mergulha numa profunda depressão, escreve em poucas semanas uma centena de páginas, «oscilando entre o lirismo e a metafísica» (p. 31). Após enviar o ficheiro à sua editora, tomado por uma inominável e profunda angústia, atira-se da varanda. O livro que escreveu antes da sua morte torna-o, em seguida, um autor de culto. O título da obra é, naturalmente, A anomalia

Neste romance desfila uma profusão de personagens, 12 delas centrais, cada uma com a sua história, as suas angústias e escolhas. Subtilmente, estas várias vidas entrelaçam-se até percebermos que todos seguiam no mesmo voo atribulado que no dia 10 de Março de 2021 seguia de Paris para Nova Iorque. Esse voo (que podia ser aquele da série Lost) fica associado a um estranho acontecimento que altera a vida das centenas de passageiros. Em simultâneo, a história desse voo torna-se um fenómeno que terá impacto mundial: «o mais negro dos «cisnes negros», esses acontecimentos improváveis de consequências infinitas.» (p. 175)

Romance de leitura compulsiva, no início, torna-se depois mais desafiante. Construído camada após camada, como um labirinto, cheio de provocações ou piscares de olho a um leitor atento, este romance é, em simultâneo, um page-turner, um thriller, um romance literário e uma chamada de atenção, quase metafísica, em torno do sentido da vida ou de redescobrirmos certas partes da nossa natureza e personalidade que nos escapam ou que adormecemos. A própria intriga, centrada na premissa de algo que, como a vida, deveria acontecer só uma vez, mas acaba por acontecer duas (e mais vezes…), será revelada ao leitor a meio do livro, e por isso mesmo também não será aqui desvendada.

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.