Depois da demora de que já vos falei, com um intervalo de anos entre o 1.º e o 2.º volume, mais uma espera de um ano, em que deixei o 2.º volume a meio para voltar a lê-lo apenas há uns dias, li praticamente de uma assentada, no fim-de-semana, o terceiro volume. Não sei se por começar finalmente a engrenar na tetralogia napolitana, se por estar mais familiarizado com as personagens e logo mais curioso com o desfecho das suas vidas, ou se apenas porque agora que entram na idade adulta é também mais fácil relacionar-me com os seus dilemas, a verdade é que a leitura de História de Quem Vai e de Quem Fica, volume terceiro de A Amiga Genial, publicado pela Relógio d’Água, fluiu de forma muito distinta. A prosa mantém-se a mesma, fazendo jus ao que se escreve, no livro, sobre o livro que Elena Greco publicou “por acidente”: «uma escrita acelerada, nova, intencionalmente caótica» (p. 206). Mas a história ganhou novo ímpeto.
A amizade das duas jovens parece deteriorar-se, conforme Lila e Elena se afastam cada vez mais, mantendo contacto quase exclusivamente por telefone, e tentam encontrar o seu próprio lugar na engrenagem da sociedade, até porque elas são agora mães, com pequenos seres em potência a seu cargo.
«Tínhamo-nos tornado, uma para a outra, entidades abstratas, tanto que agora eu podia imaginá-la como uma perita em computadores, ou como uma guerrilheira urbana decidida e implacável, enquanto ela, com toda a probabilidade, podia ver-me como o estereótipo da intelectual de sucesso, ou como uma senhora culta e abastada, toda entregue aos filhos, aos livros e às conversas eruditas com o marido professor universitário.» (p. 244)
A vida de Lila, agora uma operária fabril, está em constante movimento e parece materializar uma parábola dos próprios tempos que se vivem, nos anos 70, entre a luta social do proletariado e a modernidade que se anuncia com a criação dos primeiros computadores e sistemas informáticos. Elena, por seu lado, divide-se entre a maternidade e a angústia de procrastinar a escrita do seu segundo livro.
Apesar da distância e do silenciamento que Elena tenta impor, Lila continua sob a sua pele, a determinar muitas das acções e pensamentos de Greco. Por outro lado, é particularmente relevante que Elena se deixe domar por um outro medo, pois a ideia de ser suplantada pela vida de Lila anda a par da angústia de se tornar igual à mãe, como quando teme ficar coxa como a sua mãe, quando começa a ter dores paralisantes na perna com a gravidez. Porque apesar de ter saído do bairro, onde grassam esquemas da Camorra que revelam como os Solara podem vir a ser uma nova Máfia, ser encarada com admiração por ter casado com um professor, e ter o seu próprio livro lido por algumas das jovens mulheres do bairro e publicado em línguas estrangeiras, Elena continua com esse medo subcutâneo de um dia ser desmascarada como uma fraude, pela aluna esforçada que se tornou, pálido reflexo da genialidade brilhante e natural de Lila. Afinal, é também para a fazer presente que a narradora nos escreve.
«Vir a ser. Era uma expressão que sempre me obcecara, mas só naquela ocasião me apercebi disso pela primeira vez. Eu queria vir a ser, embora nunca tivesse sabido o quê. E viera a ser, isso era verdade, mas sem um objectivo, sem uma verdadeira paixão, sem uma ambição determinada. Quisera vir a ser qualquer coisa – é essa a questão – só porque receava que Lila viesse a ser sabe-se lá quem e eu lhe ficasse atrás. O meu vir a ser era vir a ser na esteira dela. Tinha de querer de novo vir a ser, mas por mim, como adulta, apartada dela.» (p. 269)
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