Maya Angelou tinha 17 anos quando, de uma relação totalmente acidental e infeliz, quase como uma curiosidade que lhe cumpria esclarecer, nasceu o seu único filho. Esse rapaz viria a revelar-se uma dádiva numa vida que não foi sempre feliz. Mas neste pequeno livro Maya Angelou escreve-nos, na primeira pessoa, sobretudo de dádivas e lições que a vida lhe deu. Estes 28 pequenos textos, onde confluem também alguns poemas, são ensinamentos, sob a forma de pequenas histórias de vida, que a autora deseja transmitir à filha que nunca teve, escrevendo para as suas muitas filhas: «Dei à luz uma criança, um rapaz, mas tenho milhares de filhas. Sois brancas e negras, judias e muçulmanas, asiáticas, hispânicas, ameríndias e esquimós. Sois gordas e magras e bonitas e feias, homossexuais e heterossexuais, instruídas e iletradas, e estou a falar para todas vós. É isto que tenho para vos oferecer.»

Em Carta à Minha Filha, publicado pela Lua de Papel (Leya), a autora conta-nos, numa linguagem clara, muitas vezes poética, como nasceu em St. Louis, Missouri, mas a partir dos três anos vai viver com a avó. Fala-nos das mulheres, a mãe e a avó, que a marcaram e cujo amor a guia nas suas decisões diárias; de como cresceu num mundo que implicava «uma luta contínua contra a rendição» e a «submissão à ideia de que os negros eram inferiores aos brancos, que raramente via»; do amor dos homens, criatura indomável que oscila entre o desespero, o ciúme e a violência, como quando foi agredida por um namorado que era afinal o «pretendente ideal»; de como o ódio do racismo gera um medo que se entranha: «Acho que nunca se pode sair de casa. Acredito que as sombras, os sonhos, os medos e os dragões da nossa casa estão sob a nossa pele, nos cantos dos nossos olhos».

Escreve Maya Angelou que «qualquer mãe se culpa a si própria quando acontece algo de terrível aos filhos». Talvez por isso, deixa este legado a todas as mulheres, mães e filhas de todo o mundo, que procuram inspiração nesta poeta, escritora, artista, realizadora, actriz, professora.

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.