Viagens ao Outro Lado do Mundo, de Sir David Attenborough, publicado pela Temas e Debates, é a apaixonante sequela de Aventuras de Um Jovem Naturalista (2019). No final do ano passado, publicou-se ainda Uma Vida no Nosso Planeta – O meu testemunho e a minha visão para o futuro, a acompanhar o documentário disponível na Netflix.
Viagens ao Outro Lado do Mundo continua o relato do naturalista mais famoso do planeta, com as expedições realizadas a partir do fim da década de 1950 a Madagáscar, à Nova Guiné e às ilhas do Pacífico (nomeadamente Tonga) e, por fim, no outro extremo do mundo, ao Território do Norte da Austrália, em Darwin. Num tempo em que não tínhamos ainda o mundo nas palmas das mãos, os recantos do planeta que David Attenborough nos apresenta eram desconhecidos do grande público, tendo ele sido um dos pioneiros na desmistificação desses lugares, com os seus documentários na BBC, transportando milhares de tele-espectadores para essas regiões maravilhosas e distantes do planeta, mostrando uma vida selvagem verdadeiramente notável, culturas distintas e paisagens deslumbrantes.
Escreve-nos o autor, nas primeiras linhas da Introdução: «Durante uma década, entre 1954 e 1964, tive todos os anos a imensa sorte de viajar até aos trópicos e fazer filmes sobre história natural. (…) Muitas coisas mudaram, o que não é propriamente uma surpresa. (…) Contudo, deixei os relatos destes lugares e acontecimentos essencialmente tal e qual os escrevi.» (p. 7)
Das muitas coisas que mudaram, destaca-se sobretudo como esse papel pioneiro implicava obstáculos descritos neste livro, por vezes hilariantes, a juntar ao sentido de humor característico do autor. Os gravadores de áudio requeriam fita e deixavam de funcionar sob altas temperaturas; as câmaras de televisão eram monstros que requeriam um acolchoamento para que o som não espantasse os animais; o som e a imagem tinham de ser realizados em separado, com um microfone, para depois serem sincronizados; o microfone não podia aparecer na filmagem e havia cabos para ligar os dois equipamentos. E tudo isto tinha de ser feito com destreza e rapidez, antes que o animal se fartasse ou fugisse.
Este livro expõe-nos raras e estranhas criaturas, algumas delas capturadas para o Zoo de Londres, que eram então totalmente desconhecidas do grande público e até cientificamente, como o indri, uma subespécie de lémur. Algumas dessas criaturas representam um recuo no tempo de cinquenta milhões de anos em tempo evolucionário. Com fotografias a cores, podemos ler e ver os mais diversos animais: a ave-do-paraíso, cujas penas usadas em toucados exuberantes valiam como moeda de troca; camaleões e lagartos-de-gola peritos em camuflagem e capazes de ensinar algo aos militares; cacos de ovos de aves gigantes, com 3 metros de altura, entretanto extintas, porém eternizadas no mito do roc; e búfalos que foram levados de Timor para a Austrália, para fornecerem carne e leite aos assentamentos militares. Mas aquilo que se evidencia ainda mais do que a vida animal selvagem ao longo destas mais de 400 páginas é o relato antropológico, dando a conhecer comunidades cujo modo-de-vida nos faz recuar até à Idade da Pedra ao mesmo tempo que o autor encontra afinidades improváveis entre lugares díspares, na forma como se movem os dançarinos em Madagáscar, com movimentos e poses próximos dos bailarinos de Java e Bali, ou nas pinturas rupestres europeias que parecem ter encontrado eco nas pinturas dos aborígenes da Austrália. Por fim, numa zona inóspita do deserto central australiano, conheceremos três desesperançados brancos, homens que fugiram da sociedade, do conforto da civilização, e vivem como eremitas, numa região onde só os aborígenes conseguem sobreviver, em que agricultores e criadores de gado fracassaram e propectores morreram na tentativa de extrair minerais.
Face a cada animal, face a cada autóctone, perante cada ser vivo, é evidente e digno de admiração o respeito deste jovem Attenborough pela realidade natural que desvenda e as criaturas que encontra. Há até mesmo o justo reconhecimento de que, afinal, é ele o intruso, como acontece nesta belíssima passagem, quando, na sala do seu anfitrião na Nova Guiné, avista um chefe local com o seu gigantesco toucado de penas:
«Dei por mim a olhar para ele como quem olha para um espetáculo de circo ou uma atração turística. E, contudo, quando olhei mais para cima, para as montanhas lá atrás, era o campo de ténis, o trator e a chávena de porcelana da qual eu estava a beber que eram os apontamentos discordantes e intrusivos.» (p. 20)
Um livro belíssimo, de uma figura mediática incontornável e um excelente contador de histórias, para quem gosta de viajar como os exploradores de outros tempos, sem ter de sair do sofá.
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