Viagem ao País da Manhã, de Hermann Hesse, publicado pela Cavalo de Ferro em Janeiro deste ano, é uma narrativa breve e incontornável do autor alemão agraciado com o Nobel em 1946. À semelhança de outras obras suas, Hesse narra o percurso singular de uma personagem cuja vida é eivada de espiritualidade e conhecimento, como Demian, Siddhartha ou Goldmundo.

O músico H. H., maestro e violinista protagonista desta aventura, é convidado a integrar uma Ordem secreta e a participar numa viagem única, cujo fim não é alcançar um destino geográfico, mas sobretudo uma travessia rumo a um estado de alma, através de outras dimensões da realidade, onde pululam até personagens literárias, viajando através do espaço e de épocas. Unidos por um destino comum, mas com os seus objectivos próprios, os companheiros de viagem seguem nesta demanda, onde uns procuram tesouros, ou ver a bela princesa Fatme e conquistar o seu amor, enquanto outros buscam a serpente Kundalini.

Paradoxalmente, a vida de H. H. segue um caminho inverso de outras personagens de Hesse, nomeadamente quando a comitiva se desfaz e ele, outrora um dos irmãos mais fiéis e crentes, com um espírito criativo vivo, fica preso num único episódio pequeno, o do desaparecimento de Leo, um servo e voluntário do grupo.

Viagem ao País da Manhã é uma história em jeito de fábula, redescoberta a cada nova leitura, e, a par de Siddhartha e de O Lobo das Estepes, uma das obras maiores de Hesse, que se interliga num mosaico com outras obras do autor, pois reencontramos personagens como o pintor Klingsor do livro O Último Verão de Klingsor (Dom Quixote), com laivos autobiográficos.

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.