Uma Luz Inesperada, com texto de José Saramago, é um álbum criado a partir de um fragmento de A Bagagem do Viajante (1973). Também com laivos autobiográficos, esta é a narrativa de como um Saramago-criança certo dia foi ajudar o tio a vender porcos na feira.
«E houve também aqueles dois gloriosos dias em que fui ajuda de pastor, e a noite de permeio, tão gloriosa como os dias. Perdoe-se a quem nasceu no campo, e dele foi levado cedo, esta insistente chamada que vem de longe e traz no seu silencioso apelo uma aura, uma coroa de sons, de luzes, de cheiros miraculosamente conservados intactos. O mito do paraíso perdido é o da infância — não há outro. O mais são realidades a conquistar, sonhadas no presente, guardadas no futuro inalcançável. E sem elas não sei o que faríamos hoje. Eu não o sei.»
Num registo oralizante, de frases mais extensas e vocabulário mais complexo, entre o popular e o erudito, o texto é especialmente indicado para a juventude. As ilustrações de Armando Fonseca, de traços escuros e aparentemente simples, como que desenhadas a carvão, não deixam de impressionar pela riqueza imagética, em algumas páginas oscilam entre o impressionista e o surrealista.
Uma história real com momentos fantásticos, talvez por ser a primeira grande aventura deste jovem Saramago, que nos lembra como há episódios da nossa infância que perduram no tempo e empalidecem a realidade: «eu que só tinha doze anos, (…) adivinhei que nunca mais veria outra lua assim. Por isso é que hoje me comovem pouco os luares: tenho um dentro de mim que nada pode vencer».
«O mito do paraíso perdido é o da infância – não há outro.»
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