Suspense ou a Arte da Ficção, de Patricia Highsmith, publicado pela Cavalo de Ferro em 2021, com tradução de Rita Canas Mendes, é uma leitura a resgatar agora que se aproxima mais uma adaptação ao pequeno ecrã de uma série baseada numa das obras e personagens mais incontornáveis desta mestre do romance de suspense.
A sua obra conta com aproximadamente vinte e oito adaptações ao cinema e está traduzida em mais de quarenta línguas, tornando-a uma das mais bem-sucedidas escritoras de sempre. No dia 4 de Abril chega à Netflix a série Ripley, agora interpretado por Andrew Scott (o mesmo do filme All of Us Strangers).
A autora, célebre ícone da literatura policial norte-americana, deixa um aviso inicial: este pequeno livro não é um manual de instruções. E embora este ensaio de referência esteja arrumado em capítulos devidamente estruturados, e não muito extensos, de modo a incidir em mecanismos e aspectos da escrita de ficção como a “semente de uma ideia”, o desenvolvimento, o enredo, os obstáculos, o ponto de vista, o narrador, fica de facto a ideia, por parte da autora, de que os seus conselhos preciosos podem ser igualmente arbitrários. Persiste até, em certas passagens, a sensação de que a romancista se torna aqui ensaísta um pouco a contragosto – sendo que este texto resulta de um pedido de uma editora especializada na publicação de livros e revistas que orientem (aspirantes a) escritores. Afirma mesmo que este ensaio é resultado de um conjunto de reflexões e sugestões soltas que podem não transmitir realmente como é escrever um livro. Até porque cada escritor adquire o seu próprio método de construir personagens, uma história, e de encontrar o seu estilo, a sua voz. A autora sublinha que o único (ou o verdadeiro) segredo para o sucesso de um escritor, além da intensa disciplina, é a sua individualidade e autenticidade. Porque depois também há aqueles que querem sobretudo vender:
“Um escritor conseguirá bons rendimentos se imitar as tendências do momento, se for lógico e banal, pois essas imitações vendem e não exigem muito de um escritor em termos emocionais.” (p. 60)
Ainda assim este “curso pessoal de escrita criativa” ou, melhor dizendo, auto-retrato enquanto escritora, ainda que focado sobretudo no sub-género do suspense, ilumina de forma única o ofício da escrita e sobretudo a obra da própria autora. São recorrentes os exemplos que apresenta a partir das suas próprias histórias, quer daquelas que se tornaram grandes sucessos de venda (como O Talentoso Mr. Ripley) quer aquelas que foram sistematicamente rejeitadas e voltaram à gaveta. O penúltimo capítulo é todo sobre o seu romance A Cela de Vidro. A autora demonstra ainda os seus argumentos com outros autores que admira, como Graham Greene.
A autora deixa logo de início a afirmação de que um escritor deve escrever sobretudo pelo prazer que encontra no próprio acto de escrita. Até porque “Escrever ficção é um jogo” (p. 56). Se o escritor se estiver a divertir, tal tornar-se-á óbvio para o próprio leitor: e é também para com o leitor que o romancista se deve manter fiel.
Convém ainda esclarecer que por escritor a autora tem em mente quer um bom romancista, quer um escritor que escreve por encomenda, ou ainda alguém que escreve para televisão.
É só a mais de meio do livro que a autora finalmente nos fala de Ripley, partilhando com os leitores que depois de destruir a sua primeira versão de mais de 70 páginas, a autora voltou ao início da história, desta vez sentando-se “física e mentalmente na beira da minha cadeira” (p. 79); um livro que, defende a autora, nada tem de espectacular, mas que cativou o público (e certamente a crítica, pois foi premiado) pela sua prosa frenética e pela insolência e atrevimento da personagem.
Patricia Highsmith (1921-1995) nasceu em Fort Worth, no Texas, e aos seis anos mudou-se para Nova Iorque, onde frequentou o liceu Julia Richman e a Barnard College. No último ano do curso foi editora da revista universitária, tendo aos dezasseis anos decidido tornar-se escritora. Foi vencedora dos prestigiados Edgar Allan Poe Scroll da Mystery Writers of America e o Grand Prix de Littérature Policière. Autora de vinte e dois romances e nove colectâneas de contos, Patricia Highsmith faleceu na Suíça, em Fevereiro de 1995. A sua obra conta atualmente com cerca de trinta adaptações ao cinema e está traduzida em mais de quarenta línguas, tornando-a uma das mais bem-sucedidas escritoras de sempre.
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