O Vício dos Livros, de Afonso Cruz, foi publicado pela Companhia das Letras, chegando às livrarias na véspera do Dia Mundial do Livro. Um livro pessoal, escrito e ilustrado por uma das vozes mais originais da literatura portuguesa, em que se defende que o vício dos livros é afinal uma virtude. Porque há aqueles que precisam de ler como quem respira, sem que se pense, contudo, no porquê desse acto: «O leitor lê como respira. Se pensar no mérito daquilo que faz, interrompe ou suspende a virtude do acto.» (p. 62) Não só «somos todos leitores», como «a nossa vida depende da nossa capacidade de ler o mundo, que muitas vezes exige perceber o ritmo, a harmonia, as comparações, a melodia, os compassos, as analogias.» (p. 63)
Fazendo jus à ideia de que ler é também viajar, o autor cria um misto de ensaio e contos, pequenas histórias por si vividas nas suas viagens, de Bagdade, onde a rua dos livros é um terceiro pulmão, a São Tomé, em que a língua portuguesa ganha plasticidade e novos sentidos.
Em 31 breves capítulos, o autor alia as vivências (as suas e as de outros escritores) à reflexão, espelhando ainda as palavras de outros autores. Porque a leitura é também, em parte, um acto de canibalismo: «Através da leitura, a alma que se esconde na combinação das letras do alfabeto (…) pode então passar do livro para o leitor e habitá-lo, evoluindo.» (p. 62) Presume-se, aliás, que a cada nova leitura evolui quer o livro lido quer o leitor.
Este pequeno grande livro revela-se um guia de leitura, com episódios históricos, curiosidades literárias, reflexões e memórias, criando pontes com várias outras obras e escritores, pistas úteis para amantes dos livros.
No belíssimo capítulo intitulado “Como encontrar felicidade nos livros que não lemos”, encontrei a resposta a um dos meus maiores dilemas. Afirma o autor que “os livros que não são lidos podem assumir um ar acusador”, fitando-nos furiosamente das estantes onde acumulam pó. No entanto, na sua experiência de leitor, o autor considera “estes livros uma possibilidade de ser livre: não tenho apenas um livro para ler, tenho muitos, e isso permite-me escolher o próximo”… Ou, acrescentaria eu, deixar que o próximo livro nos escolha.
Ao fechar este belíssimo livro, de capa dura, formato de bolso, a que decerto voltaremos muitas vezes, fica a certeza de que todo o leitor – a cada leitura que reveste a obra de novo significado – transforma-se igualmente num autor.
Escritor, ilustrador, cineasta e músico, Afonso Cruz é o premiado autor de romances como Para onde vão os guarda-chuvas ou Jesus Cristo bebia cerveja. Recebeu, entre outros, o Prémio da Sociedade Portuguesa de Autores e o Prémio da União Europeia para a Literatura.
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