Nadar Num Lago à Chuva, de George Saunders, com tradução de José Mário Silva, com o subtítulo “Em que quatro russos nos dão lições magistrais sobre escrita, leitura e vida”, foi agora publicado pela Relógio d’Água. Esta editora publicou ainda, deste autor, Lincoln no Bardo (2017), vencedor do Booker Prize. A Antígona publicou também o livro de contos Pastoralia.
Nos últimos vinte anos, George Saunders tem ensinado uma disciplina de conto russo do século XIX, na Universidade de Syracuse. Os seus alunos, escreve-nos o autor em jeito de introdução, são alguns dos melhores jovens escritores da América, selecionando 6 novos estudantes entre cerca de 700 candidatos, a cada novo ano letivo. Por semestre, o autor-professor trabalha até 30 contos, mas neste livro reúne apenas 7 desses contos que são, afinal, “modelos à escala do mundo” (p. 16).
Este é um livro muito recente, tendo sido escrito em 2020, com base nos ensinamentos que tem partilhado nas suas lições. Constituindo-se sobretudo como uma glosa, em que o comentário e o texto crítico partem naturalmente da matéria-prima destes contistas russos, o livro inclui os 7 breves contos dos autores: 3 contos de Anton Tchékhov; 2 contos de Lev Tolstói; 1 conto de Ivan Turguénev e outro de Nikolai Gogol. Defende Saunders de que estes não são necessariamente os melhores contos dos autores aqui representados, mas são histórias de que gosta muito e que descobriu serem “eminentemente ensináveis” (p. 14). No primeiro dos 7 contos, «Na Carroça», de Tchékhov, o autor vai mesmo ao ponto de apresentar a narrativa em breves trechos, que depois comenta calmamente, de forma enfeitiçante, nas páginas seguintes.
Saunders, estudante de engenharia na faculdade, e um descobridor tardio da ficção, defende-se, reconhecendo modestamente não ser um crítico, nem um historiador de literatura ou um especialista em cultura russa. É sobretudo um leitor, que, acrescentaríamos nós, se tem destacado como escritor, e nos últimos 10 anos tem corrido o mundo em leituras e conferências. Talvez por isso, este livro lê-se com genuíno prazer, num registo solto, livre, por vezes irónico, sem incorrer em tecnicismos áridos e frases hermeticamente fechadas; evita-se a “conversa típica de oficina de escrita e as teorias narrativas e os slogans aforísticos inteligentes, que nos encorajam a trabalhar o texto” (p. 19), mas são apenas dedos apontados ao que realmente interessa, a ficção literária.
Nadar Num Lago à Chuva pode até ser visto como um “livro de exercícios” para escritores. Mas é, sobretudo, um livro para leitores, um ensaio que versa especialmente sobre o prazer da leitura, com o condão de nos fazer perceber como o conto não é de todo uma arte menor. Leia-se a passagem em que o autor contrapõe o ritmo do conto com o tédio do ritmo da vida real: “o conto é muito mais rápido, compacto e exagerado – um lugar onde tem de estar sempre a acontecer algo novo, algo relevante no contexto do que já aconteceu anteriormente.” (p. 33)
Na concisão do conto conflui a intensidade da vida e a argúcia do olhar sobre o mundo, pois ler um conto é também ler o mundo e analisar “o modo como lemos equivale a estudar o modo como a mente opera” (p. 18). Um livro que defende afinal como a leitura nos torna pessoas mais expansivas, compreensivas, generosas, e torna as nossas vidas mais interessantes. Uma leitura que requer profundidade e agudiza o pensamento, em resposta a esta “era degradada, bombardeada por quantidades imensas de informação superficial, oca, comprometida e disseminada excessivamente depressa” (p. 16).
George Saunders é autor de vários livros de contos, entre eles Pastoralia e Dez de Dezembro, que foi finalista do National Book Award. Recebeu bolsas da Fundação Lannan, da Academia Americana de Artes e Letras e da Fundação Guggenheim. Em 2006 foi-lhe atribuída uma bolsa MacArthur. Em 2013 obteve o Prémio PEN/Malamud por Excelência na escrita de contos. Foi incluído na lista da Times das cem pessoas mais influentes do mundo. É professor de Escrita Criativa na Universidade de Syracuse.
«Este livro é um prazer, e é sobre prazer também. É muito diferente de qualquer manual de escrita criativa ou de qualquer ensaio de crítica literária, pois nele podemos ver o pensamento de Saunders avançar e recuar entre o ofício do escritor e o modo como o leitor entra na história através da magia das palavras.» [The Guardian]
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