Frio Suficiente para Nevar, de Jessica Au, publicado pela Dom Quixote, com tradução de Maria de Fátima Carmo, é um pequeno livro de leitura compulsiva com um travo misterioso. O romance foi vencedor da primeira edição do Novel Prize, um prémio de ficção dado por um conjunto de editores literários, de referência, de língua inglesa. Escolhido entre 1500 candidatos, este novo prémio bienal, patrocinado pelas editoras Fitzcarraldo Editions, New Directions (E.U.A.) e Giramondo (Austrália), destina-se a distinguir um romance escrito em língua inglesa que explore e expanda as possibilidades do género romanesco.

Uma jovem mulher, sem nome, estudante de Literatura Inglesa, organiza umas férias com a mãe no Japão, onde percorrem Tóquio, Osaka e Quioto. Há ainda uma irmã, que não é muito pertinente para a história, que tirou medicina. As duas são completas estrangeiras, o que, segundo confessa a filha, lhes permitiria ficar em pé de igualdade… embora a jovem se sinta estranhamente familiarizada com o país. Caminham pelos canais nas tardes de outono, por ser a sua estação favorita. Esquivam-se de chuvas e vendavais, o tempo é sempre opressivo e molhado; o sol descobrir-se-á apenas perto do fim do livro. Partilham refeições em pequenos cafés e restaurantes, visitam museus e galerias para verem arte. Enquanto isso, conversam: sobre arte, livros, performance, tempo, memória. Sobre a necessidade ou não de sentir quando confrontados com uma obra de arte ou um livro. Contudo, gradualmente, a incerteza cria um rasgão na narrativa. E os diálogos afiguram-se cada vez mais analepses, em que a narradora relembra livremente momentos passados da sua vida, tecendo fragmentos numa teia disposta livremente que o leitor deve reconstituir a seu bel-prazer. Entretanto, a figura da mãe torna-se cada vez mais fantasmática: “poderia muito bem ser uma aparição” (p. 112).

Jessica Au vive em Melbourne, na Austrália. Trabalhou como editora-adjunta da revista trimestral Meanjin e como verificadora de factos para a revista Aeon.

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.