Cumpriram-se, no passado dia 25 de Março, dez anos desde o desaparecimento de Antonio Tabucchi, o mais português de todos os escritores italianos, cuja obra tem vindo, e continuará, a ser publicada integralmente pela Dom Quixote. Com esta data em mente, regressamos à leitura de Estórias com Figuras, publicado em Agosto de 2020, com tradução de Maria José de Lancastre e Gaëtan Martins de Oliveira.
«Olhar para um quadro pode levar-nos longe. E é justo que assim seja, porque é nisto que está a beleza da arte: deixar-nos navegar por onde melhor nos apetece.» (p. 207)
Estórias com Figuras é um mosaico de cerca de 30 textos, brevíssimos quase todos. Na origem destas estórias está geralmente um quadro, por vezes uma fotografia, ou um mural; praticamente todas as reproduções surgem a cores no livro, o que o torna um belíssimo objeto. Alguns dos textos surgem sob a forma de carta aos artistas. Muitos dos textos, sem que isso nos roube qualquer prazer na leitura, surgem mais como exercícios literários do que como narrativas per se; muitos dos textos começam tão abruptamente como terminam e a prosa lírica do autor por vezes enovela-se, conduzindo-nos aparentemente sem destino; numa escrita onde confluem a arte, o sonho e até um absurdo kafkiano: «fruto da minha fantasia girando em roda livre, como nos sonhos» (p. 171).
A confirmar a ligação de Antonio Tabucchi aos «portugueses, meus queridíssimos amigos» (p. 206), figuram neste livro obras de vários artistas plásticos portugueses contemporâneos: José Barrias, António Dacosta, Lisa Santos Silva, Paula Rego, Graça Morais, Maria Helena Vieira da Silva, José de Guimarães, Júlio Pomar, António Costa Pinheiro, Bartolomeu Cid dos Santos. Ainda como testemunho da profunda cumplicidade do autor com a cultura e, em particular, a literatura portuguesa encontramos, em vários textos, a figura omnipresente de Fernando Pessoa. Dois dos textos desta obra foram ainda escritos diretamente em português.
Um pouco por todo o mundo, para celebrar Tabucchi, decorrem e organizam-se eventos que convocam os seus leitores e admiradores. Nas cidades de Montpellier e Paris (França), Roma, Bolonha, Nápoles, Siena, Palermo, Vecchiano, Florença, Pisa e Livorno (Itália), Seul (Coreia do Sul), Teerão (Irão), multiplicam-se as publicações e apresentações de livros, colóquios, homenagens, festivais e feiras de livro, dedicadas ao grande escritor italiano. Haverá ainda muitas outras iniciativas até ao final do ano, em países como Itália, Dinamarca, Turquia, Países Baixos, Alemanha, Grécia, EUA, Colômbia e Egipto.
Recentemente, a Dom Quixote publicou uma nova edição de A Cabeça Perdida de Damasceno Monteiro. Estreia hoje, pelas 23h20, na RTP2, o documentário «Se de Tudo Fica um Pouco. No Rasto de Antonio Tabucchi» – uma viagem pela vida e obra do escritor.
Antonio Tabucchi (1943-2012) nasceu em Pisa, onde estudou na Faculdade de Letras e depois na Scuola Normale Superiore. Ensinou nas Universidades de Bolonha, Roma, Génova e Siena. Foi Visiting Professor no Bard College de Nova Iorque, na École de Hautes Études de Paris e no Collège de France. Publicou 27 livros, entre romances, contos, ensaios e textos teatrais. Recebeu numerosos prémios nacionais e internacionais. Traduziu para italiano a obra de Fernando Pessoa. Escreveu um romance em português, Requiem, em 1991.
O Fio do Horizonte, Nocturno Indiano, Afirma Pereira e Requiem foram adaptados ao cinema – respetivamente por Fernando Lopes, Alain Corneau, Roberto Faenza e Alain Tanner.
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