Rui Cardoso Martins nasceu em Portalegre em 1967. Foi um dos fundadores do jornal Público, trabalhou como repórter internacional e cronista, participou na produção de programas televisivos (Contra-Informação) e na escrita de argumentos para cinema.
Deixem Passar o Homem Invisível, agora reeditado pela Tinta-da-china, foi publicado em Julho de 2009 e venceu em 2010 o Grande Prémio de Romance da APE, destacando o autor como uma voz a ter em contra entre a nova geração de autores.
No incipit, o autor anuncia que «Cegos são pessoas que não vêem, na minha opinião», frase que ressoa desde logo o romance Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago, com o incipit: «Se podes olhar vê, se podes ver repara». Esta associação fará tanto mais sentido se considerarmos que enquanto na obra de José Saramago era uma mulher quem guiava os cegos, aqui é um cego que guia uma criança.
Deixem Passar o Homem Invisível pode resumir-se, em traços largos, como a história de um cego que caiu por um buraco, surgido após uma forte chuvada em Lisboa, juntamente com uma criança perdida que entretanto resgatara da confusão desse dilúvio, e ambos tentarão depois encontrar uma saída por entre os labirintos dos subterrâneos de Lisboa. Numa linguagem enxuta e simples, o tom é ligeiro e irónico: «O céu devia estar cheio de rezas e choros, porque nessa tarde condensou a água de repente e choveu tudo duma vez. Fez-se escuro como a pele dum rato e, minutos depois, largou o peso na terra.»
O real é narrado a par e passo com o irreal e o tom adoptado para a narração das consequências da chuvada torna-se risível, onde o mais sério, digno de ser notícia televisiva, se entrelaça com o anedótico.
A narrativa desenrola-se num plano de alternância, entre o périplo (ideia cara a outros romances de Rui Cardoso Martins) de António e de João, o escuteiro, nos subterrâneos de Lisboa (e que mais parece representar uma espécie de descida aos Infernos) e os esforços do Comandante que planeia a operação de resgate à superfície, auxiliado pelo melhor amigo de António, Serip, o mágico ilusionista (o próprio nome é um anagrama, pois deve ler-se como «Pires ao contrário»). A narrativa alterna ainda entre o tempo presente e passado, com constantes analepses do que foi a vida de António, provocadas pelo seu constante rememorar, enquanto prossegue a sua viagem pelos subterrâneos.
Este livro representa ainda uma alegoria de um tempo em que os portugueses andavam perdidos e às escuras a tactear o caminho entre a incerteza política e uma recessão económica.