Com as mãos, com texto da psicóloga italiana Elena Bernabè, ilustrações de Alba Azaola, e tradução de Catarina Sacramento, é um álbum da AKIARA que nos convida a descobrir a importância das mãos para uma vida mais plena. Um tratado, sob a forma de diálogo entre avó e neta, que nos leva a abrandar, a observar, a olhar sobretudo para algo que temos connosco e em que mal reparamos, embora seja o que usamos para segurar o que nos rodeia, para nos ajudar a localizar, para nos equilibrar no caminho que percorremos: as nossas mãos.

Um belíssimo álbum onde o branco da página parece dominar, reforçando os desenhos que sobressaem, feitos a grafite, num estilo livre, cheio de cor e expressividade, onde, subtilmente, as imagens andam de mãos dadas com o texto, mas contam também a sua própria história, com pequenos pormenores e pistas para outras leituras. A começar pelo valor expressivo da capa que retoma uma imagem central, evocada pela própria autora no seu breve guia de leitura no final do livro, a das mãos que se tocam no centro de «A criação de Adão», imagem de Miguel Ângelo, no tecto da Capela Sistina; mas aqui são as mãos de uma avó, com as suas rugas de sabedoria e experiência, e as mãos mais delicadas e esguias de uma criança.

A história que aqui se desenha convida-nos a valorizar o poder criativo ou mesmo curativo das mãos, que não só dominam as mais singelas tarefas domésticas, como também permitem recriar o mundo. É também pelas mãos que amamos, que tocamos o outro. Simultaneamente, a obra tece um hino ao próprio passado, evocando tarefas manuais que se têm perdido com os tempos, do bordar ao trabalhar a terra, porque as pessoas mais velhas experimentaram ao longo da sua vida o grande poder curativo das mãos. Este diálogo enceta com uma conversa sobre dor, e de como as mãos são uma forma de a apaziguar, de a manter ao largo: o que curiosamente me evoca uma memória, de infância, da minha avó a rezar o terço, desfiando as contas do rosário, num acto diário que ainda hoje se mantém, com mais de noventa anos; no meu pai a chegar a casa, com as mãos pretas de óleo, as unhas grossas como cascas, resultante de trabalhar em carros dia após dia, e ter de as lavar na banheira com detergente de roupa em pó; ou da minha mãe, que para manter a mente ocupada, e medir melhor o tempo da desesperança, bordar toalhas, e tecer tapetes, e fazer ponto-de-cruz. Vejo as minhas próprias mãos, a garatujar em cadernos que faziam de diários, a bater nas teclas de uma máquina de escrever, a descobrir o teclado o meu primeiro computador de mesa oferecido pelos pais ao entrar na universidade, a familiarizar-me com o meu primeiro de vários portáteis…

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.