Baumgartner, o novo romance de Paul Auster, e esperamos que não o último, teve lançamento mundial dia 9 de outubro, tendo sido publicado em Portugal pelas Edições Asa com tradução de Francisco Agarez.

O romance inicia com um acidente, quando um homem queima a mão numa caçarola esquecida ao lume, naquele que resulta ser um dia de acidentes em cadeia sem fim. Ora porque este homem dá por si a iniciar uma série de actos falhados que se esquece de concluir, tomando outras iniciativas pelo meio, ora porque quer o telefone quer a campainha de casa o solicitam constantemente, interrompendo esses gestos quotidianos, ora porque, e sobretudo por isto, a sua mente é constantemente assaltada por memórias dispersas do passado.

Sy Baumgartner, ou S. T. Baumgartner, é um famoso autor de nove livros, e de dispersos trabalhos curtos sobe temas filosóficos, estéticos e políticos, e um apreciado membro do corpo docente, professor de Filosofia à beira da reforma, da Universidade de Princeton nos últimos trinta e quatro anos. Mais do que tudo, a sua vida foi essencialmente definida pelo seu profundo amor pela mulher Anna, também ela escritora, poetisa, tradutora (traduziu inclusive poemas de Fernando Pessoa). Morta num infeliz acidente há cerca de 10 anos, Baumgartner continua a lutar para sobreviver à sua ausência e é sobretudo na escrita, e também em algumas relações passageiras, que se concentra para conseguir ressurgir da tragédia.

“Agora é um coto humano, um meio-homem que perdeu a metade de si que o fizera completo” (p. 32).

Ela morreu a 16 de agosto de 2008, e a acção desenrola-se ao longo de 2018, quando o protagonista se encontra a poucas semanas de fazer 72 anos. A narrativa é intercalada ainda por uma série de fragmentos de escrita autobiográficos, quer de Anna quer dele. Simultaneamente há momentos do passado que aqui irrompem e nos contam o romance do casal desde o seu início, em 1968, quando Sy e Anna se conhecem enquanto estudantes falidos em Nova Iorque, e iniciam uma relação que dura quarenta anos.

“A solidão mata (…), e pedaço a pedaço come todas as partes de nós até que todo o nosso corpo é devorado. Uma pessoa não tem vida se não estiver ligada a outras, e se tens a sorte de estar profundamente ligada a outra pessoa, tão ligada que a outra pessoa é tão importante para ti como tu és para ti própria, então a vida torna-se mais do que possível, torna-se boa.” (p. 105)

Baumgartner é um romance trágico, podem dizer alguns, sobre a senilidade ou demência, mas é também, na minha opinião, uma história fulgurante sobre a tragédia da solidão na vida quotidiana e a beleza de uma relação, especialmente quando duas almas afins se tocam. E é sobretudo um romance sobre a memória, e do papel da escrita na sua preservação, numa meditação do porquê de nos lembrarmos de certos momentos da nossa vida ao passo que esquecemos outros por completo, que tenta “investigar a razão pela qual há momentos fugidios e aleatórios que persistem na memória enquanto outros, supostamente mais importantes, desaparecem para sempre” (p. 121).

Nome maior da literatura contemporânea, este autor norte-americano foi galardoado com inúmeros prémios literários e é autor de uma vasta obra traduzida em mais de quarenta línguas. Este é o seu regresso à ficção seis anos depois do portentoso 4321.

Autor de culto, Paul Auster nasceu em 1947, em Newark, Estados Unidos. Foi galardoado com o Prémio Príncipe das Astúrias de Literatura 2006, feito Comendador da Ordem das Artes e das Letras de França em 2007 e é membro da Academia Americana de Artes e Letras e da Academia Americana de Artes e Ciências. A sua obra encontra-se traduzida em mais de quarenta línguas. Vive em Brooklyn com a mulher, a escritora Siri Hustvedt.

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.