A Ciência do Sistema Imunitário, de Matt Richtel, publicado pela Temas e Debates, é um livro de não-ficção de quase 500 páginas que se lê com o fôlego de uma narrativa. Este livro baseia-se numa aclamada série de artigos sobre imunoterapia do The New York Times e em conversas que o autor manteve com dezenas de cientistas de renome mundial: «O somatório dessa minha viagem de aprendizagem compõe uma série de quadros e de lições, histórias de pessoas e fulcrais momentos científicos «eureca», fazendo com que o presente livro seja mais uma narrativa do que um manual científico.» (p. 23)
O autor centra-se justamente nas histórias de vida de quatro pacientes com diferentes disfunções imunológicas, como o HIV ou a artrite reumatoide, mas foca-se sobretudo no caso do seu amigo de infância Jason e da sua luta contra o cancro.
Jornalista do The New York Times galardoado com um Pulitzer, Matt Richtel conduz-nos numa viagem pelo sistema imunitário, ao longo dos últimos 70 anos, e sobre o seu papel na nossa saúde, especialmente com a viragem que se dá na história da imunologia com a SIDA.
Da mesma forma que a linguagem usada acerca do sistema imunitário é não só complexa como «contraintuitiva» (p. 57), temos tendência em pensar no nosso sistema imunitário como uma «máquina de guerra» (p. 21), quando na verdade é «uma força de manutenção de paz» que visa sobretudo a harmonia do corpo. Contudo, nos últimos tempos, «aumentou em flecha» o número de pessoas que sofrem de autoimunidade comum e de alergias (p. 263), sendo que «um sistema imunitário sem controlo pode funcionar em excesso de zelo a ponto de se tornar tão perigoso como qualquer doença externa» (p. 21). O autor demonstra como, com os mais recentes avanços na saúde e na higiene, com famílias menos numerosas, casas, água e alimentos mais limpos, o nosso sistema imunitário não é treinado e, por conseguinte, exagera.
É possível que para isto tenha ainda contribuído uma série de campanhas enganosas que apostam na etiqueta do “antibacteriano”, quando na verdade a nossa saúde depende justamente da interacção harmoniosa com as bactérias, e noutro tipo de produtos que ajudam a desenvolver o nosso sistema imunitário, quando aquilo de que menos precisamos é que ele se torne ainda mais forte… Na verdade, trata-se de um dos mais complexos sistemas orgânicos do mundo, cuja origem é muito anterior à evolução da nossa espécie: «Quando o nosso sistema imunitário ganha forma, ele assume milhões de combinações, mistura-se e funde-se aleatoriamente. É uma espécie de Big Bang genético que nos cria no interior do corpo um sem-fim de defensores tendo como objetivo reconhecer todo o tipo de formas de vida estranhas.» (p. 106)
Em conclusão, este livro não fala do actual vírus, tendo sido originalmente publicado antes desta pandemia, mas deixa claro como, ao longo da história, tem sido claro como o corpo humano «está dotado de chaves com fechaduras raras, por vezes inimagináveis (…) que o mundo ainda não viu, mas que poderá vir a ver. Antecipando a ameaça do inescrutável, as nossas defesas evoluíram como máquinas eternas.» (p. 108) Uma nota menos positiva, na minha opinião, é como o autor parece ignorar os mais recentes avanços na imunologia, nomeadamente em torno de pacientes em que o HIV entrou em completa remissão, com transplantes de medula. O ano passado houve um caso de uma paciente curada mesmo sem transplante, o que demonstra mais uma vez como o nosso sistema imunitário se consegue adaptar ao ponto de suprimir inclusivamente um vírus como este.
Matt Richtel, nascido em 1966 em Los Angeles, é jornalista do The New York Times desde 2000. Venceu o Pulitzer Prize for National Reporting de 2010 com uma série de artigos que trouxe a público os riscos generalizados do uso de telemóveis e outros equipamentos eletrónicos durante a condução automóvel.
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