A Aldeia das Almas Desaparecidas II – Aquilo que procuramos está sempre à nossa procura, de Richard Zimler, com tradução de Inês Fraga e Luís Santos, é a sequela de A Aldeia das Almas Desaparecidas I – A floresta do avesso.

Richard Zimler, autor cuja obra tem sido integralmente publicada pela Porto Editora, volta ao universo dos Zarco.

O menino que conhecemos ao longo do primeiro volume, Isaaque Zarco, é agora um jovem com cerca de dezasseis anos. Esta sequela acompanha a sua vida até aos seus vinte e um anos.

O segundo volume do díptico retoma a ação exactamente no ponto em que o primeiro volume encerrava, com o nosso protagonista de visita à avó Flor em Salamanca.

Depois dos seus desesperados esforços para salvar a avó Flor do Fogo de Santo António, doença que dizimava Salamanca (e que na pior das hipóteses acabava com dedos amputados), Isaaque Zarco regressa depois ao Porto, onde retoma o seu trabalho como assistente de alfaiate e continua a participar ativamente nos serviços da sinagoga clandestina da cidade, certamente motivado pelo estranho desaparecimento dos judeus em Castelo Rodrigo narrado no volume anterior. Ao longo do romance uma infância fantasiosa e o encanto da juventude serão sistematicamente confrontados com a entrada na idade adulta marcada pela percepção da crueldade do mundo. Quando a avó Flor acaba detida pela Inquisição, e quando o próprio Isaaque sofre na pele as consequências de um período terrível, que lhe deixa marcas físicas, a demanda do nosso jovem protagonista pela sua identidade torna-se cada vez mais atribulada, num percurso sinuoso entre a valentia e a traição, o amor e a dor – face a um mundo de que se vê exilado, a um pai que o renega, a uma família que perde praticamente em definitivo, a uma religião que ele próprio ainda está a tentar aprender e muitas vezes sente não compreender completamente.

Um romance que se espraia voluptuosamente, e que requer ao leitor o mesmo deleite numa leitura sem pressas. Se o primeiro volume se demorava numa longa introdução ao mundo de Isaaque, este segundo volume, completamente arredado da fantasia e bucolismo do primeiro, não deixa ainda assim de evocar constantemente a infância – a cada passo, em cada decisão que o jovem adulto tem de tomar, é recorrente a reinvocação de episódios e personagens do primeiro livro.

Mesmo ao narrar-se os horrores da Inquisição, a prosa de Zimler é dotada, como sempre, de profundo lirismo, beleza e ternura. É inquestionável a percepção do enamoramento de que o próprio autor parece padecer pela personagem de Isaaque, esse menino precioso, que encanta facilmente as pessoas com quem se cruza, semeando diversas amizades nos locais mais díspares por onde passa. No final do livro, o autor encerra em beleza esta saga, unindo os vários pespontos e relembrando-nos de como Isaaque, que somos todos nós, como o Anjo Raael, é um só corpo constituído por muitos membros.

Uma pequena nota para a forma muitas vezes intrigada como Isaaque percepciona e descreve alguns costumes ou tiques portugueses, que parece condizente à perspectiva de um autor estrangeiro radicado em Portugal, capaz de ver a nossa realidade a partir de fora.

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.