Publicada pela Antígona, em Março deste ano, Tono-Bungay é, possivelmente, a obra mais complexa de Herbert George Wells (1866-1946), e para muitos a sua obra-prima. Romancista visionário, considerado como o pai da ficção, conhecido principalmente por A Máquina do Tempo (1895), O Homem Invisível (1897) ou A Guerra dos Mundos (1898). Ávido leitor de Jonathan Swift e Charles Dickens, nota-se aqui uma influência deste último, na forma como narra a vida do protagonista desde a sua tenra idade. Tono-Bungay (1909) apresenta-se como as memórias de George Ponderevo, desde a sua juventude vitoriana até à idade adulta na Londres industrial, na qual consegue ganhar uma posição de privilégio e destaque ainda que às custas do negócio de um elixir milagroso, cujas propriedades são meramente por sugestão através de publicidade enganosa, negócio cuja legitimidade o próprio George contesta desde o início, todavia sem que isso o impeça de participar na tramóia do tio, enquanto procura prosseguir com outros projectos, nomeadamente o de querer voar (podendo este desejo de voar ser uma metáfora para ascensão social). Tal como o autor, o protagonista e narrador é um homem de ciência: há quem defenda que o próprio romance é, em parte, autobiográfico. Mas a principal personagem, apesar de parecer ser tão somente o cenário, é a cidade de Londres, pano de fundo para uma forte sátira social, eivada de ironia, e uma crítica profunda ao capitalismo, aqui ainda nos seus primórdios, que se distende a partir da época industrial, bem como à clivagem social:
«É uma cidade grandiosa. Imensa. A cidade mais rica do mundo, o maior porto, a maior cidade industrial, a capital do império: o centro da civilização, o coração do mundo! (…) Pobreza como esta, não encontras em Wimblehurst, George! E muitos deles estudaram em Oxford.» (p. 107)
É um romance que requer tempo, cuja narrativa revoluteia numa respiração calma, em crescendo, ao longo de 469 páginas, em que a narrativa e o primor da linguagem se entrelaçam magnificamente, sem nunca largar a atenção deliciada do leitor, mesmo quando incorre numa natureza mais próxima do fantástico ou do romance de aventura.
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